Cordelirando...

sexta-feira, 24 de abril de 2020

MINHA LIVRE EXPRESSÃO


Meu cordel não é refém
De nenhuma igrejinha
Não vive dizendo amém
A nenhuma ladainha
De partido ou guru
Seja do norte ou do sul
Da sua terra ou da minha

Meu cordel nasceu liberto
Afoito e desembestado 
Esteja longe ou perto 
Da cepa em que foi gerado 
Não perde ocasião 
Fura a boca do balão 
Solta o que tá engasgado 

São anos de cordelírio 
Sobre temas variados
Há rimas que são colírio
Para olhos embaçados
Outras causam mal-estar
Porque não quero rimar
Em favor dos potentados 

Tampouco a minha lira
Reforça briga de galo 
Ou faz coro com quem pira
Metido até o talo 
Em disputas de poder
Entre dois modos de ser 
Que nos levam pelo ralo 

Faço minha poesia
Em folheto de cordel
Seja noite ou seja dia
Rabisco o meu papel
Do meu ‘lugar de mulher’
Eu vou metendo a colher
E afrontando o bedel

Exerço a livre expressão
Do pensamento que brota
Em qualquer ocasião 
Independente da rota
Escrevo para animar
Outro modo de pensar
Longe da velha lorota 

Exponho desigualdade
Injustiça e violência 
Não tolero iniquidade
Falácia e prepotência
Nem culto personalista 
A um só ponto de vista 
Cheio de incongruência 

Não curto o polarismo 
Da política brasileira 
Nem tampouco o binarismo
Duma turma babadeira 
Meu tempo pede mistura
Movimento e ruptura  
Com a turma da cumeeira 

Que pensa que a poesia
É boneco de ventríloquo 
E quem deseja alforria 
Deve se manter longínquo 
Para não incomodar 
Ou mesmo desmantelar
O tal discurso ubíquo 

Não faço rima pra ser
Modelo para ninguém
Pois só desejo viver
Entre noventa ou cem
Anos de inspiração 
Luta, amor e paixão  
Que a muitos não convém

Por isso o meu folheto
Nem sempre vai agradar
Pois ele não leva jeito
Pra discursos ressonar 
Pois tudo que é hegemônico
Icônico ou histriônico 
Costuma me incomodar 

Meu verso ninguém tutela
Domina ou enclausura 
Não cabe em nenhuma cela
Caixinha ou ditadura 
Porque nasceu no sertão
Onde estaca é mourão   
E doce é rapadura 

Eis porque decepciono
Quem espera adesão 
À campanha do patrono 
Patriarca ou patrão 
De esquerda ou direita
Que na esquina espreita
Minha livre expressão!

Salete Maria 
Cidade do México,
24/04/2020

Um comentário:

Michel Zaidan filho disse...

Que lindo e inspirado . Gostei da verve poetica e cimbativa da cordelista. Muito melhir do que certos discursos políticos de "esqyerda". Autonomia, liberdade, espirito critico, combatividade.