Costume e repeteco
Em tempos de votação
Meu juízo dá um treco
Chapa única de novo?
Ninguém aqui quer renovo?
Saudade do tico e teco!
Outra vez, do mesmo jeito
Dois homens brancos estão
Protagonizando um pleito
Do qual eu tiro lição
E me pergunto o que há
Que faz a gente calar
Diante dessa opressão?
Num lugar onde mulheres
E negros são maioria
Que problema tu aferes
Quando testa a teoria?
Nada é estranho pra ti
Que agora vai aplaudir
O que tanto combatias?
Além de gênero e raça
Que já embola a questão
Seria fazer pirraça
Falar em classe, então?
Ou somos todos iguais?
Dançando nos carnavais
Como empregado e patrão?
E numa comunidade
De cinquenta mil pessoas
Onde a pluralidade
Não é figura de proa
Mas a tal da “unidade”
Que impõe passividade
E só um canto entoa
Por que tem que ser assim?
Quem define esse enredo?
O que há de errado em mim
Que não curto esse brinquedo?
Nem me nutro da peçonha
Que além de causar vergonha
Ainda espalha medo
Medo de questionar
E forjar alternativas
De de-ses-ta-bi-li-zar
Acordos de comitiva
Sombras de autocracia
Falando em democracia
De forma bem incisiva
Tudo isto dá o tom
Do jogo que tá em curso
Do qual faço ultrassom
E revelo o interdiscurso
Do que sempre esteve lá
Mas querem nos ofertar
Como um novo percurso
A mesmice reeditada
Polida e diplomática
É comida requentada
Em esfera burocrática
Que fala em experiência
Pra detonar divergência
Com postura dogmática
E embora nesta empreitada
Outra chapa tenha entrado
De forma desvantajada
Pra desmontar o já dado
O fato é que o sistema
Sustenta todo um esquema
Chamado “jogo jogado”
Que é feito pra expulsar
Quem ousa se intrometer
Já que a ideia é montar
Palco para conceder
A mais plena condição
De gerar manutenção
Pra quem já estar no poder
E entre normas excludentes
E pouca articulação
D’uma turma descontente
Que sofre perseguição
Emergem dificuldades
E também ambiguidades
Que pedem reflexão
Sobre regras e posturas
Sobre discursos e fatos
Sobre pessoas “impuras”
E sobre “seres pacatos”
Ou parceira/o angelical
Pra dar o pulo do gato
Contra autoritarismo
De gestões autocentradas
Contra patrimonialismo
De cultura enraizada
Que gera adoecimento
Revolta e sofrimento
Em gente irresignada
Que se opõe ao mandonismo
De feições modernizadas
E ao neocoronelismo
De cariz amenizada
Que pugna por transparência
Integridade e decência
Mas sofre nessa jornada
Cadê toda aquela gente
Alvo de assédio moral?
Quanta mente inteligente!
Se removendo, ao final
Ante tanta omissão
Dessa administração
Que banaliza o mal
Cadê quem já não aceita
Tratamento desigual
Da galera que se ajeita
Em familismo doutrinal
Com ou sem partidarismo
Só no corporativismo
Que tritura o não-igual?
E os colegas que abominam
As gestões autoritárias?
E que também não combinam
Com posturas salafrárias
O que estão pensando agora
É chegada ou não a hora
De entrar nessa batalha?
Sou capaz de entender
As saídas encontradas
Pois ninguém deve morrer
Em relações esgarçadas
Já que saúde é tudo
Só não vale ficar mudo
Pois não adianta de nada
Como disse Audre Lorde:
“O silêncio não te protege”
É preciso que se aborde
Em posição de herege
Aquilo que nos oprime
Esmaga, isola e reprime
Mesmo que cause um frege
É sabido que é difícil
Enfrentar os tubarões
Mas são ossos do ofício
Nalgumas ocasiões
Recusar continuísmos
E derrotar capachismos
Que nos impõem grilhões
Ninguém está obrigado
A se lançar aos leões
Mas já está comprovado
Que sempre há opções
E não votar é uma delas
Até que nossas querelas
Tenham apreciações
E assim como fazer greve
Também é super legítimo
Não aceitar quem prescreve
Solução por algoritmo
Pois tão importante quanto
É recostar num recanto
Pra respirar no seu ritmo
Recusando o prato-feito
Dos cortes bolsonaristas
Assim como os malfeitos
Da hegemonia esquerdista
Tensionando aqui e ali
Para jamais sucumbir
A quem nos tira da lista
Já que as regras deste baba
São excludentes também
E dão uma grande lapada
Em quem nunca se abstém
De lutar e resistir
Questionar e inquirir
Privilégios que advém
Das relações de opressão
Da divisão de papéis
Dentro da instituição
Que excomunga “infiéis”
Com segregações diversas
Absurdas e perversas
Que causam dores cruéis
Eis a base do processo
Que envolve esta “eleição”
Marcada pelo inacesso
Quanto à participação
De votantes afastados
Remotamente postados
Na presente ocasião
A restrição que é imposta
Não somente em edital
Precisa sim ser exposta
Por ser muito desigual
Pois tá naturalizada
Pela cúpula reitorada
Branca e consensual
Homens no centro de tudo
Se revezando na roda
Tem pequeno e tem graúdo
Todos tidos como fodas
Mulheres na retaguarda
Branca, indígena, preta, parda
O sexismo acomoda
Segregação vertical
Chamada teto de vidro
Mas também horizontal
Como um nicho presumido
No tal “lugar de mulher”
E quem meter a colher
Tem pedido indeferido
Negros só como votantes
Ou cabo eleitorais
Tratados como infantes
Ou vistos como boçais
Mas a tal da inclusão
Permanência e promoção
Não sai da boca dos “pais”
Pois sobre democracia
Tem discursos abundantes
Junto à meritocracia
Que emerge neste instante
Pois em meio a exclusão
De preto e mulher, então
Segue o bonde, esfuziante
E com apoios valiosos
Dos que sempre “representam”
Os discursos respeitosos
Que nada mais acrescentam
Vão rasgando teorias
Rejeitando rebeldias
Que da farsa se ausentam
Pois só há democracia
Onde houver pluralidade
E o fim da primazia
Das mesmas autoridades
Que tomam cargos pra si
Ou para quem lhes servir
Cadê transitoriedade?
Chapa única de novo?
Brancocêntrica e masculina?
Pra alegrar baba-ovo
Que a acolhe como sina?
Falando em democracia
E compondo uma liturgia
Que finge que aglutina
Porém a democracia
Em contexto de gestão
Precisa ser luzidia
E promover inclusão
Afinal qual o sentido
Se negros são preteridos?
E mulheres só alusão?
Não dá pra ser feminista
E não pautar a questão
Ou dizer-se antirracista
E ver tal situação
Com carinha de paisagem
Azeitando a engrenagem
Em nome da união
Pois é possível bater
No governo Bolsonaro
Sem deixar de combater
Patriarcado ignaro
E o racismo acadêmico
Articulado e sistêmico
Que goza de muito amparo
É preciso tensionar
Não somente em artigos
Ou na internet lacrar
Entre tiete e amigos
É no olho do furacão
Que ocorre a combustão
Com ou sem voto vencido
Pois se não há opções
É porque nos silenciam
E nos jogam em porões
Conforme nos avaliam
Espalhando fake news
E impondo desafios
Que tantos descredenciam
Por que que os mesmos grupos
Sempre tem que comandar?
Essa manga eu não chupo!
Fale quem quiser falar!
Não é isto o que eu ensino
No meu labor feminino
Feminista e secular
Seja em Gênero e Poder
Ou em Gênero e Estado
Gestão pública, um ABC
Pra compreender o babado
Seja em Direitos Humanos
Violências questionamos
Privilégios são quebrados
Quem pode achar normal
Essa tal supremacia?
Que não é ocasional
Mas imita dinastias
Onde até na Comissão
Que conduz a eleição
Titular é a androcentria!
Basta de “jogo jogado”
Queremos “jogo jogante”
Pois o primeiro é marcado
E o segundo é transformante
Eis porque eu não endosso
E protesto o quanto posso
Contra o engodo alucinante!
Salete Maria, 06/05/2022