quarta-feira, 9 de julho de 2008

MULHERES DO CARIRI: MORTES E PERSEGUIÇÃO


Nosso velho Cariri
Que tanta beleza ostenta
Onde a flor do pequi
Deixa a boca sedenta
Não só pela natureza
É lembrado com tristeza
Por tanta morte sangrenta

A Chapada do Araripe
De cristalinas nascentes
Onde já subi de jipe
Vi riquezas imponentes
Virou palco de tragédia
(Antes fosse uma comédia)
Matar mulher inocente.

Seja na linda Barbalha
Seja em Crato ou Juazeiro
A maldade se espalha
Talvez por muito dinheiro
Hoje uma, outra amanhã
A tal gang de satã
Desferiu golpe certeiro.

No ano de dois mil e dois
Estampadas nos jornais
Li várias vezes depois
Manchetes! Nada de paz!
Uma onda de terror
Espalhando medo e dor
Foi crueldade demais

Um dia a desconhecida
No outro, nossa vizinha
Depois a irmã querida
A colega da madrinha
A amiga professora
Fosse morena ou loira
Aos monstros tudo convinha

A violência crescia
O medo se agigantava
A população torcia
Pra ver se tudo acabava
A polícia impotente
A justiça incipiente
O bandido festejava

Revólver, faca e pau
Usados para extinguir
A vida (e não o mau)
Quem ousava reagir?
Os corpos dilacerados
Haviam dedos cortados
Findava então o porvir

Mesmo o tempo passando
De nada adiantava
Peritos averiguando
Gente inocente pagava
Os corpos se decompondo
Cada crime hediondo
Histórias que nos chocava

Depois de muita peleja
Erro, acerto, tentativa
Um poderoso gagueja
Vem com sua comitiva
Dizem ser um dos mandantes
Gente de mente infamante
Mas poder tudo cativa

Mais de trinta execuções
Autoria, só de quatro
Muitas especulações
De concreto, pouco fato
O crime aqui compensa
É o que diz a imprensa
Em pensamento exato

Todos a se perguntar
Quem está por trás de tudo?
A grande questão no ar
Será um peixe graúdo?
‘Se fosse um pé-rapado
Um pobre, um molambado
Já tinham prendido tudo’

Crimes não elucidados
A família ainda sente
Um corpo violentado
Um golpe triste na mente
A impunidade impera
O povo já não tolera
Justiça incompetente

Às ruas vão as mulheres
Exigir uma resposta
Vítimas não são talheres
Para ficarem expostas
Querem do governador
Do juiz, do promotor
Atitude que arrosta

Desejam ver assassinos
Condenados e reclusos
E não cérebros suínos
Com discursos obtusos
Querem ter para o futuro
Um Cariri mais seguro
E não processos confusos

Querem em todo espaço
Fazer lembrar os delitos
Falar sem ter embaraço
Denunciar os conflitos
Para que ninguém esqueça
E um dia apareça
A verdade, e não mitos.

Por isto a liberdade
De usar da expressão
Deixar pra posteridade
Nossa indignação
Por muitas vidas ceifadas
Outras tantas cerceadas
Ante a perseguição

Denunciar o machismo
Esta mazela medonha
E fazê-lo sem cinismo
Sem que ninguém se oponha
Na academia, na feira
Na URCA, na Batateira
Para findar a vergonha

Não esquecer de falar
Das companheiras de luta
Que ousam denunciar
Toda espécie de conduta
Que auxilia homicida
Estuprador, latrocida
Noutro nível de disputa

Mulheres que se dedicam
A construir a história
Que dia-a-dia acreditam
Resgatarem a memória
Daquelas que já partiram
Que em vida construíram
Sua própria trajetória

Mulheres que se associam
Pra defender as conquistas
Que às vezes presenciam
Diante de suas vistas
Descalabros, falcatruas
Mas que ocupam as ruas
Porque não são egoístas

Mulheres que aos jornais
Denunciam interventor
Capitães e generais
E também governador
Quem ouse nos reprimir
Verão todas reagir
Num grande e justo clamor

Contra todos os machistas
Violentos, canastrões
Demagogos, populistas
Cafajestes e babões
Maníaco-predador
Assassino, malfeitor
Oportunistas, ladrões

Contra o sistema cretino
Que nos tira o direito
De fazer nosso destino
E depois bater no peito:
Nascemos pra ser feliz
E não viver por um triz
Neste Cariri sem jeito

Enquanto nos depararmos
Com a morte no quintal
Enquanto nos encontramos
Para mais um funeral
Enquanto houver perigo
Perseguição e castigo
A luta será igual

Seja em nosso domicílio
No trabalho ou na escola
Nada será empecilho
Gritaremos sem demora
Nós não queremos morrer
Amar, lutar e viver
É o que sonhamos agora!

Se você tem compromisso
Sei que vai participar
Não se pode ser omisso
Nem ter medo de falar
Temos horror à malícia
E a quem chama a polícia
Querendo nos dispersar

Todo dia a gente fala:
Cadê a democracia?
Ao assassino se iguala
Quem persegue o nosso dia
Em bom som vamos gritar:
Estão querendo matar
A nossa autonomia

Nem morta, nem perseguida
Tampouco discriminada
Nem louca, nem preterida
Nem muda, nem estuprada
Nem sozinha, nem distante
Viva, alegre e militante
Por esta terra encantada.

2 comentários:

  1. "Mulheres que se dedicam
    A construir a história
    Que dia-a-dia acreditam
    Resgatarem a memória
    Daquelas que já partiram
    Que em vida construíram
    Sua própria trajetória."

    "Enquanto nos depararmos
    Com a morte no quintal
    Enquanto nos encontramos
    Para mais um funeral
    Enquanto houver perigo
    Perseguição e castigo
    A luta será igual"

    As minhas partes favoritas, pois nos faz perceber que mais importante que qualquer coisa no mundo feminino é a união das mesmas ♥.

    Juro, quando acabei de ler esse cordel pela nona vez, senti a obrigação de deixar um comentário aqui.
    Primeiro eu queria elogia-la, suas obras são simplesmente fantásticas.
    Segundo queria lhe agradecer por ser um dos suporte que me guiaram a caminho da luz. Lembro que conheci suas obras numa oficina em 2018, um ano que pessoalmente foi de grandes mudanças para mim, ano em que eu me descobrir e abri minha mente para muitas coisas. e o seu cordel foi umas das grandiosas coisas que me fizeram ter esse salto, agradeço profundamente, você é incrível Salete.

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  2. Orçamento online | www.flyyorcamentos.com

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