sábado, 31 de julho de 2010

JANAÍNA DUTRA, ativista brasileira!

Um ser pra lá de humano
Cheio de luz e beleza
Divinizado e profano
Em sua imensa grandeza
Nasceu lá em Canindé
Terra de santo e de fé
Recanto da natureza

No estado do Ceará
No Nordeste do Brasil
Lugar bom de se morar
Foi ali que ela surgiu
Era o ano de sessenta
Quando, sob água benta
Para o mundo ela sorriu!

Jaime C. Dutra Sampaio
Era o nome do bebê
Cuja vida foi ensaio
De um eterno alvorecer
Criatura iluminada
Foi linda a sua jornada
Não podemos esquecer

Cresceu no interior
Entre velas e benditos
Sensível como uma flor
Também sabia dar pitos
Estudou, fez amizades
Conheceu outras cidades
Lutou e venceu conflitos

Rompeu fronteiras e medos
Virou intelectual
Se assumiu sem segredos
Como homossexual
Viveu como travesti
Digna de se aplaudir
Honrada e muito leal

Concluiu a faculdade
Ingressou na OAB
Demonstrou capacidade
Para muitos defender
Contra a discriminação
Violência e opressão
Nunca foi de esmorecer

Sempre foi muito afetiva
Com amigos e parentes
E bastante combativa
Contra males inclementes
Que seu gesto sobreviva
Como um anjo que cativa
Tatuado em nossa mente

Um ser muito especial
Amante da poesia
Militante nacional
Da ampla cidadania
Para lá de generosa
Altiva e maravilhosa
Cheia de cor e alegria

Eis a nossa Janaina
Ativista brasileira
Muito elegante e fina
Amiga e companheira
Advogada do amor
Musa de muito valor
Inteligente e guerreira

Grande diva nordestina
Defensora de direitos
Ela tinha como sina
Atuar em grandes pleitos
Tinha fé na Humanidade
Vivia a sua verdade
Contra todo preconceito

No Grupo de Resistência
Denominado Asa Branca
Forte foi sua presença
E sua palavra franca
E tod@s que a amaram
E seu exemplo guardaram
Já não ficam na retranca

ATRAC e ANTRA também
Reconhecem seu papel
Quem a conhecia bem
Lhe tiraria o chapéu
Jana, nossa grande estrela
Tivemos prazer em tê-la
Brilhe agora no céu!

Aos oito de fevereiro
Do ano dois mil e quatro
Nesta terra de romeiro
Viveu seu último ato
Partiu para o Universo
Para ser cantada em verso
Como rainha, de fato

Sob sua inspiração
Seguiremos a lutar
E sua linda missão
Vamos sempre ressaltar
Pedimos: descanse em paz
Pois neste solo inda jaz
Semente pra cultivar

Janaína, brasileira
Travesti reconhecida
Nossa eterna companheira
Salve tua grande vida
Pra ti um documentário
Exibindo teu cenário
E tua gente querida!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mais uma parceria Salete Maria / Deth Haak

A "Poetisa dos Ventos" recitou mais um cordel de Salete Maria.
O escolhido da vez foi o mais novo cordel de Salete:
O Caso Eliza Samudio e o Machismo Total
Acompanhe no video abaixo:




quinta-feira, 8 de julho de 2010

O CASO 'ELIZA SAMUDIO' E O MACHISMO TOTAL


O caso Eliza Samudio
Que tem chocado o Brasil
Emerge como prelúdio
De um grande desafio:
Exortar nossa Justiça
Pra deixar de ser omissa
Ante o machismo tão vil!

Trata-se de um momento
De grande reflexão
Pois não basta só lamento
Ou alguma oração
É hora de provocar
Propondo um outro olhar
Sobre processo e ação

Saiu na televisão
Rádio, internet e jornal
Notícia em primeira mão
Toda manchete é igual:
Ex-amante de goleiro
(Aquele cheio de dinheiro!)
Sumiu sem deixar sinal

Muita especulação
- discurso de autoridade-
Uns dizem que é armação
Outros dizem que é verdade
Polícia e delegacia
Justiça e promotoria:
Fogueira de vaidades!

Mei-mundo de advogados
Investigação global
Cada um no seu quadrado
Falando em todo canal
Subjacente a tudo
Um peixe muito graúdo:
Androcentrismo total!

A mídia fala em Bruno
Eliza e gravidez
Flamengo, orgia e fumo
-esta é a bola da vez!-
Tem muito 'especialista'
Em busca de alguma pista
Pra ser o herói do mês

E a história se repetindo
Mudando apenas o nome
Outra mulher sucumbindo
Sob ameaça dum homem
Uma vida abreviada
Cuja morte anunciada
A estatística consome

Assim é a violência
Lançada sobre a mulher
Ela pede providência
E cara faz o que quer
Mas a Justiça, que é lerda,
Machista, 'fazendo merda'
Vem com papo de mané

E oito meses depois
Da 'denúncia' inicial
Que é o feijão com arroz
Do distinto tribunal
Nadica de nada existe
Mas autoridade insiste
Que isto, sim, é normal:

“A culpa é do Instituto
Que não mandou o exame”
- isto soa como insulto
e daqueles mais infame-
Não era caso de urgência?
-tenha santa paciência!-
Para que serve um ditame?

A moça buscou amparo
Na Justiça do país
Agiu correto, é claro
E esperou do juiz
O tal reconhecimento
Sobre o pai do seu rebento
Tendo a vida por um triz

Também fez comunicado
Ao campo policial
Dizendo que o namorado
Praticou crimes e tal
Buscou as vias legais
Enfrentou feras reais
Terá sido este o seu mal?

Mesmo com a delegacia
Dita especializada
E com toda a apologia
De uma Lei avançada
Faltou ter a ruptura
Com aquela velha cultura
De que a mulher é culpada

E o cumprimento legal
No caso, muito importante
Seria mais um arsenal
Para enfrentar o gigante
Mudar a mentalidade
De nossas autoridades
É fator preponderante

E para que isto ocorra
Entre outra alternativa
Antes que mais uma morra
E o caso fique à deriva
É preciso compreender
Que Justiça é pra fazer
Enquanto a mulher tá viva!

Sei que nada justifica
Que haja tanta demora
E enquanto o caso complica
A vítima 'já foi embora'
Sem medida protetiva!
Sequer prisão preventiva!
Quanta inoperância aflora!

Se o exame era necessário
À elucidação do crime
O Estado-perdulário
Neste campo fez regime
Ficando no empurra empurra
No velho: ''mulher é burra,
e joga no outro time”

Todo crime tem problemas
De toda diversidade
Assim como há esquemas
Também há dificuldades
Mas pra mim é evidente
Que o machismo presente
Premia a impunidade

Machismo compartilhado
Por gente de toda cor
Do goleiro ao empregado
Do primo ao executor
Autoridades também
Implicitamente têm
Um machismo inspirador

Cada 'doutor' se expressa
Centrado no garanhão
É o mote da conversa:
Fama, grana e traição
Ao se referir a ela
Falam da menina bela
Que fez filme de tesão

Falta a compreensão
Da questão relacional
Gênero, classe, profissão
Cor e status social
O processo é narrativa
Que emerge da saliva
Falocêntrica-legal

E ainda que alguns digam
“Oh, Eliza, coitadinha”
E suas doutrinas sigam
Desvendando pegadinhas
A escola dogmática
Do direito-matemática
Perpetua ladainhas

Processo judicial
Só serve para punir?
Havia tanto sinal...
Não dava pra prevenir?
E a tal ação civil?
Alimentos deferiu?
Para o bebê consumir?

É um momento de dor
Para a família dos dois
O caso é multifator
Não basta dar nome aos bois
A lógica policial
Cartesiana e formal
Festeja tudo depois

Por isso se faz urgente
Conjugar gênero e direito
Pois um trabalho decente
Que surta algum efeito
Não se limita a julgar
Mas também a estudar
O cerne do preconceito

Homens que matam mulheres
Em relações de poder
Isto tem se dado em série
Mas é preciso entender
Que subjaz ao evento
Um histórico comportamento
Que vai construindo o ser

A nossa sociedade
Apesar da evolução
Reproduz iniquidade
E também muita opressão
Homem que bate em mulher
- E “ninguém mete a colher” -
Sempre foi uma 'lição'

Aprendida por goleiros
Delegados, professores
Motoristas, marceneiros
Pedreiros e promotores
Garçons e malabaristas
Médicos e taxistas
Juízes e adestradores

Por isto em nossos dias
De conquistas sociais
De novas filosofias
Direitos especiais
Não podemos aceitar
Justiça só pra apurar
Crimes tão excepcionais

Que a Justiça também
Sirva para (se) educar
Chega deste nhém-nhém-nhém
Deste eterno blá-blá-blá
A Lei Maria da Penha
Existe pra que não tenha
Tanta morte a lamentar!!!
* * *
* *
*
Créditos da Imagem, clique AQUI

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Coletivo: Camaradas!


Um grupo do Cariri
Com outra percepção
Faz da arte emergir
Nova significação:
Educação e estética
Luta, amor e poética,
Em conjunta atuação!


Educação informal
Política de integração
Emergência marginal
Periferia em ação
Preocupação social
Confluência cultural
Tudo em outra dimensão!


Fazer colaborativo
Muita socialização
Agir comunicativo
Múltipla compreensão
É o tecido social
Mostrando a vida real
Causando reinvenção!


A rua como estandarte
Da prática cultural
A teia viva da arte
Vibrando em todo quintal
Novas linguagens surgindo
O cheiro do que vem vindo
Em ebulição total!

Arte feita pelo povo
Em pleno meio da feira
Transformando arroz e ovo
Em notícia alvissareira
Gente comum atuando
Todos protagonizando
Uma arte sem fronteira!


Estudantes descobrindo
Seu potencial latente
Muito talento surgindo
Sob o foco desta lente
Que, com arte-educação,
Constrói a revolução
Como quem planta semente!


Diálogo multifocal
Respeito à diversidade
Performance teatral
De grande inventividade
Cultivando a utopia
Abraçando a rebeldia
E beijando a liberdade!


Assim é o Coletivo
Chamado de Camaradas
Um grupo mui criativo
Nascido lá nas quebradas
Bem ao sul do Ceará
Que pra melhor explicar
Recorro à rima encantada:

Constelação de hermanos
Batalhão de gente boa
Bando de seres humanos
Caravana de pessoas
Malta de batalhadores
Cabruêra de inventores
Time figura de proa


Congregação de artistas
Consórcio de trovadores
Conclave de paisagistas
Elenco de cantadores
Plêiade de zabumbeiros
Família de batuqueiros
Multidão de bons atores


Tertúlia de grafiteiros
Ruma de fotografistas
Orquestra de educadores
Quadrilha de equilibristas
Fauna de recitadores
Turma de compositores
Enxame de ensaistas


Alcatéia de dançantes
Boiada de escultores
Tropa de comediantes
Cardume de redatores
Manada de desenhistas
Matilha de musicistas
Ninhada de emboladores


Rebanho de cordelistas
Revoada de pintores
Penca de cinegrafistas
Alameda de escritores
Frota de xilografistas
Cordilheira de estilistas
Magote de produtores

Arquipelágo de modistas
Esquadrilha de autores
Flora de artesanistas
Molho de restauradores
Lote de coreografistas
Ramalhete de ativistas
Cambada de vencedores!

Eis então um Coletivo
Cheio de camaradagem
Acontecimento vivo
Carregado de imagem
Pra quem faço esta oração
E invocando uma canção:
Saúdo a quem tem coragem!

CARTA A GILVAN LUIZ


CARTA A GILVAN LUIZ

Gilvan Luiz, ser humano,
Receba um abraço meu
Pois longe do Juazeiro
Soube do que lhe ocorreu
E fiquei indignada
Aflita e petrificada
Ante o que se sucedeu

Quando li na internet
Que você foi sequestrado
Numa atitude covarde
Sendo também torturado
Eu exclamei: Deus do Céu!
Ainda há coronel
No meu Cariri amado!

Vi seu rosto ensanguentado
E a cabeça golpeada
As chamadas e manchetes
Sendo muito comentadas
Meus colegas jornalistas
-dentre eles, dois petistas-
Falando em emboscada

Aí eu fiquei maluca
Querendo compreender
Já que estando em Juazeiro
Na rua encontrei você
Que já falava em ameaça
Ali pertinho da Praça
Quando eu brinquei a dizer:

“Gilvan, você merecia
Era ser vereador
Pois junto com Fábio Souza
Nos presta um grande favor
Fiscalizando o poder
Sem um tostão receber
Do bolso do eleitor”

E disse também, sorrindo:
“Você parece Santana
Que, quando vereador,
Fazia uma zuada insana
Cobrando da prefeitura
Transparência e lisura
Para gerir nossa grana”


Aí você retrucou
Dizendo: “tu tá por fora
Tu só vive viajando
Não sabe nada de agora
Por causa dum doutorado
Deixou teu torrão amado
Bateu asa e foi embora”

Então eu te cutuquei
Falando: já fiz demais
Tu é a bola da vez
Não vamos olhar pra trás
Se cuide e siga em frente
Nadamos contra a corrente
Assim a história se faz...

Depois deste breve papo
Você me deu um jornal
Que eu li atentamente
Como se fora um sinal
Do que estava por vir
Pois tu relatava ali
Bastante coisa ilegal

E quanto mais eu me lembro
Menos quero acreditar
Pois temos a mesma idade
E um jeito de falar
Do que nos parece errado
E damos nosso recado
Pra muito caro pagar

Você como jornalista
Na sua função real
E eu como cordelista
No campo ficcional
Ambos na mesma pisada
Sujeito a trapaceada
Do cânon oficial

Você no jornal Sem Nome
Eu no verso nominado
Se ficar o bicho come
Se correr é rastreado
Um coisa é semelhante:
Ameaça a todo instante
No seu caso, consumado!

Hoje lembrei de Tim Lopes
De Chico Alves também
Depois Wladimir Herzog
E lá se vão mais de cem
Que em face da função
Sofreram perseguição
De gente dita do bem

Tentei saber mais notícia
Nos blogs da região
E para minha surpresa
Só no Miséria, então
Falam deste ato vil
Que a imprensa do Rio
Divulga até de montão

Por isso eu me pergunto
Cadê nossos jornalistas?
E outros profissionais?
Que vivem de dar notícia
Mas lembrei na mesma hora
Tem mídia que ignora
O que lhe salta à vista

Ademais também pensei
Nem todos são corajosos
Os jornais que tem um nome
Têm donos mui poderosos
Uns que estão no poder
Outro tão querendo ser
E assim vão... perigosos

Restamos nós, militantes
Dos tais direitos humanos
Ante um crime tão gritante
Praticado por insanos
Temos que repudiar
Discutir e divulgar
Por muitos e muitos anos

Não deixemos que este fato
Caia no esquecimento
Que seja feito um ato
Um grandioso evento
Como foi recentemente
Quando mataram um parente
De alguém que tem bom assento

Seja quem for implicado
Como mandante ou autor
Que venha a ser processado
E punido com rigor
Para que tenhamos paz
E não ocorra jamais
Algo de mesmo teor

Não estou assinalando
Quem fez isto com você
Até porque se soubesse
Não temeria dizer
Mas penso que já é hora
De dar um basta a história
De que só vence o poder

No caso que me ocorreu
Não pude acompanhar
Pois o doutorado meu
Não é feito pra constar
Me faltou ubiquidade
Para estar na faculdade
E um processo acompanhar

Além do mais 'meus amigos'
Não me foram solidários
Alguns são 'bons inimigos'
Pois vale mais seus salários
Mas eu creio, do meu jeito
Noutro tipo de Direito
Que nasce dos relicários

Aqui meus novos colegas
Não param de me indagar
Querem entender porquê
Alguem tentou lhe matar
Mas a sua explicação
- Apesar da emoção -
Deixa uma questão no ar:

Você entende que o fato
Tem a ver com seu jornal...
Os temas veiculados...
O poder municipal...
Se, de fato, for assim
(Pra você, como pra mim)
Já sabemos o final...

É como eu disse aos Chilangos
Sobre o Brasil refletindo:
A liberdade de imprensa
Se assemelha a um bingo
Para uns é proibida
Para outros consentida
Depende muito do ''limbo''

Diz a Constituição
Da qual sou pesquisadora
Que a manifestação
Do pensar é promissora
Mas liberdade de imprensa
Não passa de uma crença
Da qual sou devoradora

Nos porões da ditadura
Muitas vozes se calaram
Era tempo de censura
Contra os que discordaram
Lula disse para o mundo
- E eu não cri um segundo-
Que os anos ''duros'' passaram!

Mas como Voltaire dizia:
Eu posso não concordar
Com uma única palavra
Do que você quer falar
Mas luto até a morte
Se pouca for minha sorte
Pra ver você se expressar!

Salete Maria
O MILAGRE TRAVESTHRILLER:
A HISTÓRIA DA TRAVESTI QUE
(COM FÉ) ENGRAVIDOU

La libertad de la fantasía no es ninguna huida a
la irrealidad; es creación y osadía (Eugène Ionesco)



Subindo a Serra do Horto
Ao som do 'baby pirei'
Com seu olhar absorto
Curtindo seu happy day
Ao lado da comitiva
Desfila ela, a diva
Orgulho da causa gay

De baby-look brilhosa
E mini-saia rendada
Com sua bota estilosa
E a cabeleira dourada
Beijando o seu amor
Ela entoa um louvor
No meio da romeirada

Parando nas Estações
E agradecendo com fé
Balbuciando orações
Cumprimentando Seu Zé
Jogando beijos no ar
Ela acena sem parar
Pra bicha, home e muié

O filme é encenado
Nas ruas de Juá City
O povo tá encantado
Com o tal enredo beat
O roteiro é a história
Da neta de Dona Glória
E filha de Idelzuíte

Trata-se duma promessa
Que Shirley Dayanna fez
Assim a cena começa
Em Dois Mil e Dezesseis
O Milagre Travesthriller
É dirigido por Muller
E fala de gravidez

Shirley está preocupada
Com a vida conjugal
Se sentindo inadequada
Etecétera e coisa e tal
Tudo que ela queria:
Era aumentar a famía,
Como faz todo casal

Pediu para sua anja
Senhora da Conceição
-Eis uma santa que manja
Do tema concepção!-
Mas nada lhe aconteceu
A menstruação desceu
E seu apelo foi vão

Então meio delirante
Shirley de vela na mão
No quarto teve um rompante
Qual uma alucinação
Entendeu que poderia
Conceber como Maria
Sob santa inspiração

Daí rogou ao Senhor
Que enviasse um sinal
Por meio dum protetor
Um ente angelical
Chamado de Gabriel
Gerente dalgum motel
Messenger neonatal

E não cessava de orar
Sempre com muito fervor
Prometendo jejuar
E dizimar com rigor
Mas uma voz estridente
Repetia, renitente:
Não me tente, por favor!

Ela argumentou então:
Eu também tenho direito!
Não fiz catecismo em vão!
Decorei todo o preceito!
Fui crismada, batizada!
Hoje sou mulher casada!
Qual é mesmo o meu defeito?

E a voz, peremptória,
Dizia: Assim não dá...
Você burlou a história
Pra me desmoralizar
Quem já viu um travesti
Pensar que pode parir
Para Eu abençoar?

Vendo que não conseguia
Convencer a Deus do Céu
Lhe ocorreu que poderia
Falar com um bacharel
Pra ele peticionar
Requerer, protocolar
Um write, vulgo créu!

Todavia, infelizmente
Mesmo por muito dinheiro
O doutor mui competente
Conhecido em Juazeiro
Disse que não poderia:
Pois não há cidadania
Para travesti fuleiro

Ela disse: mas Doutor
Seu prestígio pode tudo
Eu lhe pago o que for
Pois confio em seu canudo
Preciso de seu trabalho
Expert em quebra-galho
Me ajude que eu te ajudo

Realmente eu sou o tal
E não quero me gabar
Mas o seu caso é banal
E violação não há
Falta interesse de agir
E eu volto a repetir:
Não há chance de ganhar

Mas tudo que seu birô
Apresenta pro juiz
Ele apõe um ''sim senhor''
-Segundo seu aprendiz-
E quando há recompensa
Tudo quanto é Excelência
Dá o seu... e pede bis

Data vênia, ele disse-
Ab ovo, ipso facto
Erga omnes, sub-vice
Outrossim, pague o pato
Dura lex, sede lex
Isto eu li na Consulex
Se traduzir eu lhe mato!

Shirley diante do não
Em seu cross-fox saiu
Telefonou pra João
E rapidinho seguiu
Para a sede do Galosc
-Se sentindo muito lost-
Ali chegando insistiu:

Eu preciso ter um filho
Para me realizar
Já fui rainha do milho
E também miss Ceará
Já desfilei na fanfarra
Agora chega de farra
Eu quero é amamentar!

Preciso de tua ajuda
De tua compreensão
Por favor não me iluda
Diga logo sim ou não!
E Joãozinho extasiado
Com cara de assustado
Prostrado fez oração:

Minha Santa Lady Gaga!
Virgem Madonna, oh não!
Beyoncé, oh minha fada!
Não rogo por Deus em vão!
Shirley Dayanna, amada
Me tire dessa parada
Não me meta em confusão!

De repente se lembrou
Da velha Dona Da Guia:
Uma prima de seu avô
Parteira da cercania
Que no Mercado Central
Benze e vende enxoval
Vela, santo e agonia

Shirley disse: bate, bicha!
Rodando uma bolsa prata
E girando à largartixa
Mostrou as unhas de gata
Chegando em Dona Da Guia
Sorrindo disse: bom dia!
E a velha danou-lhe a lata

De uma queda foi ao chão!
Mostrando sua calcinha
Ensaiou um palavrão
Mas viu que não lhe convinha
Mordeu seu indicador
E entre dentes gritou:
Ai que ódio, mulherzinha!

Da Guia disse: o que é?
Bicha da cara de lia!
Tu pensa que é muié?
Credincruz, ave maria!
Ói as trêis noite de escuro!
Teu lugar é no monturo!
Vai timbora logo, avia!

Shirley pediu uma imagem
De Padim Ciço Romão:
Quero render homenagem
E pedir sua benção
Será que ele me entende?
E meu desejo atende?
Me dando um bucho, ou não?

A velha empalideceu
E suando frio caiu
Um homem disse: morreu!
Shirley Dayanna fugiu
Foi pra casa duma amiga
Feminista entendida
Que assim lhe advertiu:

Shirley, você tá pirada
Perdeu a noção de tudo
Deixe dessa palhaçada
Deus pra você está mudo
E o Padre Ciço Romão
Não lhe dará atenção
Tudo isso é absurdo!

Para que engravidar?
Nestes tempos pós-modernos!
Todas querem abortar!
Leia aqui nos meus cadernos!
Quando eu penso que vocês
São as radicais da vez...
Defendem mitos eternos

Já que quer ser genitora
Porque não faz adoção?
Hoje a lei é promissora
Basta uma petição...
Minha filha, se oriente
Seja mulher diferente
Deixe de esculhambação

Shirley disse: queridinha
É meu desejo e pronto!
Você já ta passadinha
Mas eu inda tô no ponto
Vê se me ajuda a viver
Chega de teretetê
Me deixe ler este conto!

Então Shirley arrancou
Um livro de uma estante
E a feminista ficou
Pálida naquela instante
Era um texto de magia
Carregado de heresia
Uma peça alucinante

As Bichas Madres de Aurora?
Não é possível, menina!
Eis a caixa de Pandora!
Isso muda minha sina!
Tenho que levar pra casa!
É hoje que eu crio asa,
Peito, bunda e vagina!

O livro é baseado
No Segredo das Raimundas
Um grupo organizado
De beatas moribundas
Que no século dezenove
Praticavam meia-nove
Dentro duma catatumba

Eram cinco travestis
Que viviam no sertão
E viraram colibris
Depois duma maldição
Pois com o poder da mente
Foram mães precocemente
Hoje são assombração

Raimundas se travestiam
Em noite de lua cheia
E pelas ruas saíam
Uivando como sereias
E dentro dum cemitério
Ali se dava o mistério
Que todo corpo incendeia

Fingiam-se de beatas
Para vestido usar
Mas, às vezes, de gravatas
Iam pra missa rezar
E depois da cerimônia
Perdiam toda a vergonha
E transavam sem parar

E para encher de cores
As vestes tradicionais
Elas chupavam as flores
Dos altares principais
Colorindo suas bocas
E ficando muito loucas
Para os grandes bacanais

Porém uma destas cenas
A população flagrou
E a dança da macarena
Que o grupo reinventou
Irritou a Dona Helena
Que sem ter dó e nem pena
Uma a uma matou

Mas na cauda de Bisonho
Elas deixaram um segredo
Que através de um sonho
Aprenderam muito cedo
Dizia: Pra ser feliz
Ouça o que o coração diz
E nunca mais tenha medo!

Sentada dentro do carro
Com olhos arregalados
Shirley fumou um cigarro
Apreciando o babado
Parecia onipotente
Criando em sua mente
Um insight arretado

Lendo fervorosamente
Logo tudo entendeu
O poder do inconsciente!
E todo seu apogeu
Viu que para engravidar
Bastava ela imaginar
E assim lhe ocorreu

Sorriu genuinamente
Para as deidades fiéis
Sentindo estranhamente
Da cabeça até os pés
Transformação corporal
- Algo sobrenatural! -
E assim contou até dez

Um: estou engravidada!
Dois: Isto é fenomenal!
Três: Me sinto iluminada!
Quatro: Hoje é natal!
Cinco: Viva a putaria!
Seis: Tô cheia de energia!
Sete: Benedito pau!

Oito: Tudo é permitido!
Nove: Eu quero voar!
Dez! Ouviu-se um estampido
E algo estranho no ar
Shirley estava flutuando
Sobre a cidade pairando
E a multidão a olhar

Assim se deu o milagre
Travesthriller sensual
E cachaça com vinagre
Foi a poção magical
Shirley Dayanna feliz
Foi à missa da matriz
Numa entrada triunfal

Desceu as ruas do centro
E o povo todo aplaudindo
Ela sentia por dentro
O menino se bulindo
Era sua apoteose
Nem lembrava da neurose
Que antes vinha sentindo

A notícia se espalhou
Como água na ladeira
Shirley mal engravidou
E o boato já na feira
Todo mundo interessado
No novo mito gerado
Nesta terra milagreira

Virou capa de jornal
Da Palmeirinha ao Sudão
Na mídia internacional
Rádio e televisão
Até o Barack Obama
Enviou um telegrama
Festejando a ocasião

O prefeito da cidade
Mandou congratulações
Mais de mil autoridades
Fizeram bajulações
Ouviu-se o bispo dizendo
Que o feito era tremendo
Digno de celebrações

A gravidez mais falada
Desta era milenar
Muita tese elaborada
Tentando tudo explicar
Cafuçu fazendo intriga
Falando mal da amiga
Mas querendo o seu lugar

A vovó Idelzuíte
Fofa, paba e orgulhosa
Curada da homofobite
Gritava cheia de prosa
Dizendo: é minha filha!
Eita bicha maravilha,
Santa, linda e corajosa!

A bisavó, Dona Glória
Beata só cem por cento
Espalhou logo a história
Que Shirley era anjo bento
E que sempre foi mulher
Por isso Deus é quem quer
Que ela tenha um rebento!

Sendo o fato destacado
Em nível internacional
Ninguém falou em pecado
Tudo era sensacional
O objetivo agora
Era contar a história
Com viés episcopal

Atribuíram o feito
Ao Patriarca Maior
Que se remexeu no leito
Onde voltamos ao pó
E sob o slogan 'Pra Frente':
Fez-se a marcha-penitente:
Shirley, você não tá só!

Com todo este alvoroço
De notícia alvissareira
Foi marcado um almoço
Pra traveca parideira
Onde a cúpula do poder
Deseja escolher
Um nome para a herdeira

Mas Shirley disse baixinho:
Não quero saber o sexo
Meu bebê tem meu carinho
Este será nosso nexo
Humano fundamental
Sem padrão inaugural
Pois todo ser é complexo!

Dentre os vários convidados
Seus amigos mais queridos
Todos muito emocionados
Falaram ao pé do ouvido:
Shirley, você arrasou!
Fez escola, inaugurou!
Tudo agora faz sentido!

Uma revista propôs
Que Shirley nua posasse
Mas sua família impôs
Que ela muito cobrasse
Mas ela assim decidiu:
Só poso pra Globo-news
Ou então para Prima Facie

Porém ficou combinado
Que um curta seria feito
Nada de muito parado
Tudo com muito efeito
Livre manifestação!
E muita demonstração
De bunda, perna e peito

Seria tudo filmado
Registrado com requinte
Tudo muito organizado
Nada de século XX
A cidade em polvorosa
Totalmente vaidosa
Da bichona ex-acinte

Diversos comerciantes
Quiseram patrocinar
Muitos eram confiantes
No filão que ia dar
Tinha até cordelista
Querendo ter uma pista
Do filme para narrar

Foi uma equipe tremenda
Pra trabalhar no local
Pois para narrar a lenda
Só mesmo profissional
Designer-maquiador
Roteirista e diretor
Tudo homossexual

Rosa Barros fez questão
Enquanto cinegrafista
De antes da gravação
Tentar fazer uma lista
De bicha, traveca e bofe
Para um belo making of
Ou tape alternativista

Pensava num musical
Em estilo procissão
Beat e banda cabaçal
Numa perfeita fusão
Bendito e música pop
Dancing-gay pra dar ibope
E muita vela na mão

Entre os artistas cotados
Alguns muito especiais
Todos muito devotados
Às temáticas marginais:
Jânio, Mano e André
Mauro, Sílvio e Dedé
Joaquina e outras mais

Até que chegou o dia
Da primeira encenação
Em Juá só alegria
Muita cor e emoção
O set foi preparado
Todo mundo maquiado
Câmera, luz e ação:

De braços dados com Eike
-Seu Reinaldo Gianecchine-
Ela caprichou no make
Para o evento sublime
Poderosa e retumbante
Estrela, mãe e amante
Adentrou a limousine

As fofoqueiras do mundo
Todas presentes no ato
Muitas querendo, no fundo
Protagonizar o fato
Procurando um defeito
Uma disse desse jeito:
Shirley tem cara de rato!

Uma pessoa gritou:
Silêncio, maleducados!
Ali passava um andor
E caminhões enfeitados
E na banca de cordel
Vídeo e cd a granel
Em rosários pendurados

Assim é o Juazeiro
Do Padim Ciço Romão
Onde tem muito romeiro
Muita fé e oração
Bodega pra todo lado
E véio amancebado
Que chora e pede perdão

É dia 20 do mês
São seis horas da manhã
Com uma saia xadrez
E uma blusa de lã
Na calçada do Socorro
Ela grita: eu mato e corro!
É Zefa doida, anciã

Agarrada numa rosa
Com um envelope na mão
Um tanto quanto nervosa
Repetindo uma oração
Está uma rapariga
Imune a qualquer intriga
Pedindo sua benção

Gente que só formigueiro
Vendo a cidade crescer
Circula muito dinheiro
-Pois tudo é pra vender-
Um misto de drama e fé
Na terra onde Shirley quer
Vê seu herdeiro nascer

Travesthriller objetiva
Mostrar a diversidade
E também relativiza
Toda impossibilidade
Põe a imaginação
Pra cair em tentação
E colorir a cidade

O filme-cordel é isto:
Absurdo teatrado!
Escrito pra ser malvisto
Quiçá mal interpretado
A nossa proposta é esta:
-Ambiciosa e modesta-
Subverter o pecado!

Nossa cena derradeira
Mostra um clip do lugar:
Que vista mais altaneira!
Vale a pena visitar!
Há um bar muito vistoso,
O História de Trancoso
Nos encontramos por lá!

Aqui termino meu texto
Não sem antes dedicar
A Orlando, meu pretexto,
Que me propôs versejar
Sobre uma travesti
Que vive, ama e sorri
E nos ensina a sonhar.

Autora: Salete Maria

Post Script:

As fontes bibliográficas?
É simples, amigo meu...
São as histórias fantásticas
Que a vida me ofereceu
De bêbo, puta e doutor
Beato e embolador
Viado, índio e ateu!

Terra, 10/06/2010