Cordelirando...

domingo, 27 de julho de 2008

CIDADANIA Nome de Mulher


Quando minha bisavó
Vivia pelo sertão
Era um tempo de aperreio
Era grande a precisão
Mulher não tinha direito
Pro homem tudo era feito
Só ele era cidadão

Era comum se ouvir
Que mulher vive é calada
Faz a vontade do homem
Para não ficar “falada”
A mulher era um objeto
Casava pra ter um teto
E cuidar da filharada

A mulher também não tinha
Nenhum prazer sexual
Nem mesmo sonho ou desejo
Vivia como animal
Servia sempre seu dono
Ou caía no abandono
Era o destino fatal

Se quisesse trabalhar
Seria dentro de casa
Estudar era um perigo
Pois podia criar “asa”
A família exigia
Q’ela se casasse um dia
Pra ver se desencalhava

Era grande o sofrimento
Da mulher daqueles dias
Não se falava em direito
Tudo isso era utopia
Bastante coisa mudou
Mas ela continuou
Vítima da covardia

Lutar, eu sei que lutou
Se pôs contra a monarquia
Deu à luz o cidadão
Mesmo sem cidadania
Se organizou, foi à rua
Rasgou o véu, ficou nua
Pugnou por alforria

Enfrentou os militares
Disse: “queremos votar”
Ajudou fundar partidos
Deixou de silenciar
Lançou sua voz ao vento
No Poder tomou assento
Conseguiu se emancipar

Por conta de sua luta
Um preço sempre pagou
Pois mentes reacionárias
O mundo sempre gerou
Mas foi no capitalismo
Onde o crescente machismo
Outras proporções tomou

Variadas são as faces
Dos crimes contra a mulher
A violência velada
Ninguém vê, ninguém dá fé
Mas quando é ostensiva
O mundo todo se esquiva
“e ninguém mete a colher”

Há casos onde a vítima
É tida como culpada
O mundo todo pergunta
Pelo que fez a finada
Como querendo saber
Se ela fez por merecer
Ter a vida abreviada

A opressão feminina
É algo muito cruel
E apesar dos direitos
Insculpidos no papel
A violência avança
Matando até criança
De forma torpe e cruel

Aqui no meu Cariri
Dos limites já passou
Pois diversas companheiras
O machismo já matou
Foi crime de toda forma
E que ninguém se conforma
Passe quanto tempo for

Mulher de todas as classes
De idades variadas
Algumas desconhecidas
Outras identificadas
Morreram barbaramente
Mas seus algozes contentes
Estão soltos, a dar risadas

Mas vamos somando braços,
Mãos, cabeças, coração
Sigamos os nossos passos
Nenhuma luta é em vão
A conquista do presente
Foi no passado a semente
Que se plantou nesse chão

Para se fazer justiça
Não há só o tribunal
A gente também conquista
A luta em palco real
Pois se o governo demora
E o parlamento ignora
É porque votamos mal

Vamos mostrar que pensamos
E procriamos idéias
E que não só menstruamos
Gritemos em assembléia
Cidadania se quer
E tem nome de mulher
Eis a nossa epopéia

Uma questão de justiça
Estamos a colocar
Ninguém pode ser omissa
O tempo é de lutar
“Cidadania-Mulher”
É tudo que a gente quer
Não podemos mais calar

Não é justo que hoje em dia
Nada possamos fazer
Pois se vovó não queria
Desta maneira viver
Como poderemos nós
Quase cem anos após
À opressão nos render?

Eis o nosso desafio
É preciso matutar
Vovó não tinha direito
Mas hoje direito há:
Para que cidadania?
Só pra rimar com Maria?
Ou pra se exercitar?

Repito: cidadania
Já tem nome de mulher
Se não vem delegacia
Então mostremos quem é
A autoridade vil
Que com má-fé e ardil
Faz conosco o que bem quer

E pra finalizar
Um convite a OAB
(Para a luta não parar
Para não arrefecer)
Vamos nos somar agora
“pois quem sabe faz a hora
Não espera acontecer”

"Habeas bocas, Companheiras!"


Eis que elas se encontram
Em grande reunião
Discutem temas candentes
Sobre sua profissão
Falam em novo milênio:
Trabalho e emancipação

São muitas advogadas
Laboram no Cariri
De Juazeiro e do Crato
Missão Velha e Mauriti
Assaré, Jardim e Barro
Aurora, Brejo e Jati

Penaforte e Barbalha
Mangabeira e Ipaumirim
Abaiara e Milagres
Santana do Cariri
Salitre e Araripe
Antonina e Jardim

Do verde vale à serra
Todas comparecerão
Ao encontro que, marcado,
Mudará a região
Mostrando que advogado
Tem de gênero, flexão

Valdelúcia e Alex-Sandra
Suêrda e Amanda virão
Vamos chamar Valdenice
Lucrecia e Vilmar então
Cida, Léa e Eunice
Zulene e Tânia estarão

Odete, Edna e Carminha
E Eliane também
Iranir, Josefa e Lúcia
Já confirmaram que vêm
Fátima, Geralda e Veruccia
Não pode faltar ninguém

Assim como Sulamita
Valéria e Romana vão
Contactar Dagmar
E outras da região
Norma, Cícera e Gilda
Márcia também, por que não?

São corajosas mulheres
Que discutem este mês
Contrariando os reveses
Que a História lhes fez
Buscarão mudar o quadro
Brigando por voz e vez

Exigirão com firmeza
Seja a lei observada
Defenderão com destreza
A colega destratada
Falarão à luz acesa
Coisa que tava engasgada

Embora advogadas
Sofrem discriminação
Lutam por valer a lei
E não fazem concessão
São signos destas mulheres
Garra e determinação

São mães, esposas e filhas
Sabem da “situação”
O compromisso com a luta
É dever da profissão
Envolve muitas mulheres
Transcende a região

Lançou-se aqui a semente
A árvore plantada está
Não perca a ocasião
Venha conosco opinar
Somos muitas, companheiras
Estamos a lhe intimar

Há muito que discutir
No seio desta Justiça
A ORDEM é participar
Não se deve ser omissa
No futuro a gente quer:
Nem machismo nem malícia

O respeito entre colegas
A Ética já disciplina
Desde a vida acadêmica
A escola nos ensina
Se o Direito é masculino
A Justiça é feminina!

Oficial ou juiz
Promotor ou delegado
Policial, aprendiz
Todos devem ser lembrados:
Que advogada mulher
Não é “castelo encantado”

O estatuto esclarece
Que não há hierarquia
Nem juiz, nem promotor
Deve querer ser seu guia
Nosso regimento tem
Mui valor e serventia

O 1º encontro pede
Deliberações de frente
Quem nega que há machismo
É cego ou incoerente
Existem até juristas
Discriminando a gente

Data vênia, meu colega
Você precisa entender
Esta luta é minha e sua
Não basta só eu querer
Se o machismo ganhar
Todos nós vamos perder

Componham-se as querelas
Incontinenti desfaçam
Atitudes vãs e vis
Que ora nos ameaçam
Chegando o novo milênio
Por si só elas não passam

As decisões deste Fórum
Precisam ser divulgadas
Para que nossas idéias
Passem a ser respeitadas
Tendo a OAB à frente
Seremos tranqüilizadas

Remeta-se ao juiz
Dê-se vista ao promotor
Notifique o delegado
Publique-se, por favor
Registre-se o recado:
Retifique-se, Doutor!

Por fim quero lhe dizer
Que não lutamos em vão
Somos parte de um poder
Que governa a nação
Não podemos esquecer
Nada virá sem ação

Ademais é bom lembrar
Que somos advogados
De um Brasil promissor
Que ora se encontra “roubado”
Defender a Lei Maior
Não é coisa do passado

Importa anunciar
(Preste muita atenção)
A justiça não é cega
Fala e tem audição
Esta arte entre em vigor
Com sua publicação.

Mulher, Amor não rima com AIDS


Minha amiga, camarada
Ouça o que tenho a dizer
A AIDS é coisa ruim
Faz muita gente sofrer
Não tem cura, é fatal
Chega sem dar um sinal
Depois é só perecer

Tem atingido pessoas
De faixa etária qualquer
Não é uma “peste gay”
Persegue também mulher
Seja solteira ou casada
“Solta” ou de vida regrada
Não interessa quem é

E como não há vacina
Que previna esta danada
A mulher que já padece
De tantas outras ciladas
Precisa se informar
Para que possa transar
E não ser contaminada

O amor é coisa boa
E ninguém pode negar
Mas a vida é preciosa
Devemos dela zelar
Portanto, tome cuidado
Com marido ou namorado
Camisinha é pra usar

A AIDS já anda solta
Por essas bandas de cá
Cresce muito no Nordeste
Se alastra no Ceará
Alcança o cabra da peste
Seja de Leste a Oeste
Não podemos bobear

Se você se julga “santa”
Diz que o marido é fiel
“AIDS é coisa de quenga
Que trabalha num bordel”
Tá se enganando coitada
A AIDS chega calada
E leva você pro céu

Mulher, cuida do que é teu
Não te deixa ser lesada
Quem vê cara, não vê AIDS
Sem camisinha é “mancada”
Pensa que sabe demais
Hoje sai com um rapaz
Amanhã será finada

Sexo faz bem à saúde
Deixa a pele mais bonita
E seguro é mais gostoso
Todo mundo acredita
Com camisinha há gozo
Para o jovem e o idoso
Sem ela tu se complica

Não quero ser moralista
Clamando abstenção
Faço um alerta ao governo
Não basta dizer que NÃO
“Mate a AIDS, mostre o pau”
Dê camisinha afinal
Pra educar o povão

A mulher fala demais
E isto é bom nesta hora
Pois antes de começar
Ela dirá sem demora:
“Amor, põe a camisinha,
Do contrário, eu agorinha
Visto a roupa e vou embora!”

Companheira, gente boa
Este verso é pra ajudar
Na luta que travaremos
Para a vida melhorar
Sem AIDS, sem violência
Elevando a consciência
Temos direito de amar

Que seja lido na rua
Ou recitado na feira
Passado de mão em mão
Por alguma sacoleira
O verso não será vão
Se houver meditação
Antes de fazer besteira.

Agora são outros 500 "Mentira tem perna curta"

Meu povo preste atenção
No que tenho pra falar
O que hoje é ilusão
Nós vamos desmascarar
Cinco séculos de opressão
Muita espoliação
Nada pra comemorar

Um português mentiroso
Diz que “achou” o Brasil
Para um Rei ambicioso
Escreveu um imbecil
Roubou flora, fauna e ouro
Deu espelho de consolo
A 22 de abril

Um bando de manoéis
Circulava por aqui
Com dedos cheios de anéis
Para índio seduzir
Joaquins e seus papéis
Nunca deram um só réis
Mas foram donos daqui

Um jesuíta otário
Veio nos domesticar
Nos índios botou rosário
Obrigou-os a rezar
Impôs língua e cenário
Mas nunca pagou salário
Pro nativo trabalhar

Colônia de Portugal
O Brasil foi muito tempo
Do produto tropical
Lembro-me neste momento
Começamos dando o pau
Este foi o nosso mal
Eta sorte de jumento!

Mas a história real
Precisa ser registrada
O nosso povo é leal
E tem a mão calejada
Nada mais será igual
“No país do carnaval
A sorte está lançada”

O Brasil endividado
O povo todo fodido
O patrimônio lesado
Por um ianque atrevido
O governo é safado
Se você ficar calado
Será também confundido

Colônia, somos de novo
Agora de americano
Mais uma vez nosso povo
Sofre e entra pelo cano
Vivendo só de teimoso
O salário é horroroso
E o governo é leviano

A rede Globo nos diz
Viva os 500 anos
E contagia o país
Sempre nos causando danos
Para a gente ser feliz
Donos do nosso nariz
Não bastam festas e planos

A direita no poder
Já mostrou que é incapaz
Monopoliza o saber
Desemprega sempre mais
Prejudica eu e você
Decide quem vai morrer
Mas fala em nome da paz

Conclamar trabalhador
É tarefa de quem luta
500 anos de horror
“Mentira tem perna curta”
Quero um historiador
Que conte o que se passou
Sem mascarar a disputa

Que distribua um milheiro
De panfleto por aqui
Falando de Conselheiro
Não esquecendo Zumbi
Louvando o povo mineiro
Enfim, todo brasileiro
Tiradentes vai sorrir

A história “oficial”
Só prejudica a nação
Contada por general
Marechal e capitão
Faz do povo serviçal
Dá-lhe trabalho braçal
Nega-lhe educação

É hora de decidir
A quem pertence o Brasil
“Mauditos” vão emergir
Em primeiro de abril
Poesias vão parir
Quem ousar nos reprimir
Vá pra puta que pariu

Liberdade de expressão
É preciso garantir
“Soberana é a nação
Cujo povo canta e ri”
Pra você que é cidadão
Outros 500 virão
Pra poder nos redimir

Particularmente acho
Que só a Revolução
Que não se faz só de macho
Libertará a nação
Vou me encontrar com o diacho
Deixo aqui meu esculacho
São mais 500, então.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

EMBALANDO MENINAS EM TEMPOS DE VIOLÊNCIA


Terezinha de Jesus
De uma queda foi ao chão
Alguém viu um cavalheiro
Com uma faca na mão
Depois um tiro certeiro
Dilacerou por inteiro
O seu jovem coração

Ela diz: “quero uma casa
Pra que eu possa governar
E também um bom marido
A quem eu possa amar”
Mas tendo o lar guarnecido
E o corpo todo agredido
Não dá pra silenciar

“Marido que bate, bate
Marido que já bateu”
Quem não agüenta calada
Conhece quem já morreu
Eis o que diz a moçada
À noite, pela calçada
Sobre o que aconteceu

Uma é rica, rica, rica
De mavé, mavé, mavé
Outra pobre, pobre, pobre
De mavé, mavé, mavé
Escolhei a que quiser
Pois ambas são agredidas:
À porrada e ponta-pé

“O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou”
Mas teus pés nas costas minhas
Deixou marcas, tatuou
Comentei com a vizinha
Pois era o que me convinha
E por isto, então, ficou

Mariquinha não vai com as outras
Mariquinha não quer falar
Mariquinha perdeu a fé
E já não quer testemunhar
Ela diz que viu o Zé
Matando outra mulher
Mas anda solto a cantar

“O Cravo brigou com a Rosa
Dentro de sua morada
A Rosa saiu ferida
E o Cravo a dar risada
A Rosa pediu socorro
E o guarda veio atender:
“Se o Cravo é seu marido,
Não devemos nos meter”

Senhora Dona Sancha
Coberta de porrada
Do rosto tire o véu
Mostre que está lesionada
Não leve para o céu
Em respeito a um anel
Uma vida violentada

Meu irmão, meu companheiro
Meu pai! – a quem só sei amar
Uma vez quis me bater
Outra vez quis me matar
Mutirão ou Limoeiro
Centro ou Novo Juazeiro
Assim em todo lugar

Você gosta de mim, ó gatinho?
Eu também de você
Quando estamos sozinhos
Por que quer me bater?
Se tocares em mim, ó gatinho
E me fizeres sofrer
Eu prometo, gatinho, denuncio você!

MULHERES DO CARIRI: MORTES E PERSEGUIÇÃO


Nosso velho Cariri
Que tanta beleza ostenta
Onde a flor do pequi
Deixa a boca sedenta
Não só pela natureza
É lembrado com tristeza
Por tanta morte sangrenta

A Chapada do Araripe
De cristalinas nascentes
Onde já subi de jipe
Vi riquezas imponentes
Virou palco de tragédia
(Antes fosse uma comédia)
Matar mulher inocente.

Seja na linda Barbalha
Seja em Crato ou Juazeiro
A maldade se espalha
Talvez por muito dinheiro
Hoje uma, outra amanhã
A tal gang de satã
Desferiu golpe certeiro.

No ano de dois mil e dois
Estampadas nos jornais
Li várias vezes depois
Manchetes! Nada de paz!
Uma onda de terror
Espalhando medo e dor
Foi crueldade demais

Um dia a desconhecida
No outro, nossa vizinha
Depois a irmã querida
A colega da madrinha
A amiga professora
Fosse morena ou loira
Aos monstros tudo convinha

A violência crescia
O medo se agigantava
A população torcia
Pra ver se tudo acabava
A polícia impotente
A justiça incipiente
O bandido festejava

Revólver, faca e pau
Usados para extinguir
A vida (e não o mau)
Quem ousava reagir?
Os corpos dilacerados
Haviam dedos cortados
Findava então o porvir

Mesmo o tempo passando
De nada adiantava
Peritos averiguando
Gente inocente pagava
Os corpos se decompondo
Cada crime hediondo
Histórias que nos chocava

Depois de muita peleja
Erro, acerto, tentativa
Um poderoso gagueja
Vem com sua comitiva
Dizem ser um dos mandantes
Gente de mente infamante
Mas poder tudo cativa

Mais de trinta execuções
Autoria, só de quatro
Muitas especulações
De concreto, pouco fato
O crime aqui compensa
É o que diz a imprensa
Em pensamento exato

Todos a se perguntar
Quem está por trás de tudo?
A grande questão no ar
Será um peixe graúdo?
‘Se fosse um pé-rapado
Um pobre, um molambado
Já tinham prendido tudo’

Crimes não elucidados
A família ainda sente
Um corpo violentado
Um golpe triste na mente
A impunidade impera
O povo já não tolera
Justiça incompetente

Às ruas vão as mulheres
Exigir uma resposta
Vítimas não são talheres
Para ficarem expostas
Querem do governador
Do juiz, do promotor
Atitude que arrosta

Desejam ver assassinos
Condenados e reclusos
E não cérebros suínos
Com discursos obtusos
Querem ter para o futuro
Um Cariri mais seguro
E não processos confusos

Querem em todo espaço
Fazer lembrar os delitos
Falar sem ter embaraço
Denunciar os conflitos
Para que ninguém esqueça
E um dia apareça
A verdade, e não mitos.

Por isto a liberdade
De usar da expressão
Deixar pra posteridade
Nossa indignação
Por muitas vidas ceifadas
Outras tantas cerceadas
Ante a perseguição

Denunciar o machismo
Esta mazela medonha
E fazê-lo sem cinismo
Sem que ninguém se oponha
Na academia, na feira
Na URCA, na Batateira
Para findar a vergonha

Não esquecer de falar
Das companheiras de luta
Que ousam denunciar
Toda espécie de conduta
Que auxilia homicida
Estuprador, latrocida
Noutro nível de disputa

Mulheres que se dedicam
A construir a história
Que dia-a-dia acreditam
Resgatarem a memória
Daquelas que já partiram
Que em vida construíram
Sua própria trajetória

Mulheres que se associam
Pra defender as conquistas
Que às vezes presenciam
Diante de suas vistas
Descalabros, falcatruas
Mas que ocupam as ruas
Porque não são egoístas

Mulheres que aos jornais
Denunciam interventor
Capitães e generais
E também governador
Quem ouse nos reprimir
Verão todas reagir
Num grande e justo clamor

Contra todos os machistas
Violentos, canastrões
Demagogos, populistas
Cafajestes e babões
Maníaco-predador
Assassino, malfeitor
Oportunistas, ladrões

Contra o sistema cretino
Que nos tira o direito
De fazer nosso destino
E depois bater no peito:
Nascemos pra ser feliz
E não viver por um triz
Neste Cariri sem jeito

Enquanto nos depararmos
Com a morte no quintal
Enquanto nos encontramos
Para mais um funeral
Enquanto houver perigo
Perseguição e castigo
A luta será igual

Seja em nosso domicílio
No trabalho ou na escola
Nada será empecilho
Gritaremos sem demora
Nós não queremos morrer
Amar, lutar e viver
É o que sonhamos agora!

Se você tem compromisso
Sei que vai participar
Não se pode ser omisso
Nem ter medo de falar
Temos horror à malícia
E a quem chama a polícia
Querendo nos dispersar

Todo dia a gente fala:
Cadê a democracia?
Ao assassino se iguala
Quem persegue o nosso dia
Em bom som vamos gritar:
Estão querendo matar
A nossa autonomia

Nem morta, nem perseguida
Tampouco discriminada
Nem louca, nem preterida
Nem muda, nem estuprada
Nem sozinha, nem distante
Viva, alegre e militante
Por esta terra encantada.

A HISTÓRIA DE JOCA E JUAREZ


“Toda maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor valerá”.
(Caetano Veloso e Milton Nascimento)


Juarez era um senhor
Devoto do meu padim
Trabalhava com ardor
Cultivando seu jardim
“um dia o cão atentô”
E Juarez se apaixonou
Por Joca de Manezim!

Isso se deu em meados
De mil novecentos e seis
Naquele tempo veado
Era bicho que Deus fez
“home não ama ôtro home
Senão vira Lobisomem”
Disse o padre, certa vez

O tal Joca era um rapaz
Zabumbeiro de primeira
Era um tocador capaz
De agradar moça solteira
Mas também ele gamou
Por Juarez se apaixonou
Quando o viu na ribanceira.

O Juarez, que moço bom!
Honesto e temente a Deus
Tinha mesmo aquele dom
De estar junto dos seus
Porém Joca despertava
Algo que o incomodava
Mais profano que os ateus

Orava dias a fio
Pedindo a Deus proteção
Não chiava nem um pio
Sobre a sua condição
Sentia até arrepio
Um sentimento sombrio
Domava seu coração

Dizia: “Deus me ilumine
Não sei o que há comigo
Creio que já imagine
Que amo o meu amigo
Por favor me examine
Preciso que me vacine
Me livre deste castigo!”

Foi um dia à sacristia
Querendo se confessar
Mas o pobre não sabia
Que o padre ia viajar
Falar com os fazendeiros
Combinar com os cangaceiros
Franco Rabelo expulsar.

Pra você vou alembrar:
Romão era conselheiro
Vivendo a orientar
Beatos e bandoleiros.
Apesar da seca forte
O milagre fez suporte
Que atraía os romeiros.

Disse ele: “Meu padim
O senhor tá avexado?
Mas me dê cá um tempim
P’eu lhe contar um babado
Sabe Joca Manezim?
Despertou algo em mim
E por ele estou gamado.”

Padim Ciço extasiado
Ficou teso, branco e mudo
Olhou o seu afilhado
Comentando o absurdo
“meu filho esqueça disso
Largue logo desse viço
Saia já desse chafurdo!”

“Isso é a tentação
Você precisa rezar
Peça logo a Deus perdão
Tire moça pra casar
Veja Sodoma e Gomorra
O castigo contra a zorra
Outra vez pode se dar”.

"Ademais eu advirto
E esclareço a você
Em assunto desse tipo
Nada posso lhe dizer
É tema que não me meto
E com o devido respeito
Eu não me deixo meter."

“Reverendo acredite
Meu amor é tão sincero
Pela deusa Afrodite
Joca é tudo que mais quero
Tenho padecido tanto
Por viver esse encanto
Pelo homem que eu paquero”.

O vigário apressado
Disse: “Estou de saída
Nesse papo endiabrado
Não encontrarás guarida
Vá plantar o seu roçado
Deixe essa história de lado
Que eu já estou de partida”

Juarez desapontado
Dirigiu-se à Matriz
Avistou Joca sentado
Ao lado de Meretriz,
Uma amiga rapariga
Que amava outra amiga
Que no circo era atriz.

Disse ele: “Caro Joca
Venho do confessionário
Procurei sair da toca
Contei tudo ao vigário
Sobre a nossa condição
Nosso amor, nossa paixão
É triste nosso calvário.

Padim Ciço condenou
Esse ‘amor entre iguais’
Ele me aconselhou
A trabalhar muito mais
Esquecer tal relação
Procurar outra união
Pois esta não me apraz.”

Meretriz falou e disse,
Se metendo na questão:
“tudo isso é tolice
Esse padre é um machão
Pois ordena a Escritura
Para cada criatura
Amar semelhante irmão.”

“O padre tá atrasado
Na sua concepção
Para casos de viado
Tem atualização
Que tal fazer um mestrado
Homossexualizado
Com o São Sebastião?”

"Meretriz é isso aí
-disse Joca veemente-
Vejo que no Cariri
Você lançou a semente
Vou falar com este padre
Chamar ele de ‘cumadre’
P’rele respeitar a gente."

Enquanto isso na feira
Pote, cabaça, quartinha
Chinelo, terço, peneira,
Cordel, reisado, lapinha
Entorno toda cultura
P’ruma fé cega e segura
Aquele amor não convinha.

Envolto neste cenário
Joca fitou o Juarez
Um sentimento lendário
Instalou-se de uma vez
E tudo ficou sagrado
Como algo consagrado
Qual um anjo que se fez

Naquela apoteose
Tudo, então, se revelou
Fez-se a metamorfose
Deste proibido amor
Do casulo à borboleta
Emanou d’uma trombeta
Um som que glorificou.

O amor é grande laço
O amor é armadilha
O amor não tem compasso
O amor não segue trilhas
O amor não se condena.
Todo amor vale a pena
Salve quem ama e brilha!

O povo de Juazeiro
Comentava, maldizendo
Foi, então, cada romeiro
Procurar o reverendo
Para que interviesse
E fizesse uma prece
P’ro que tava acontecendo.

Acendido o preconceito
Foi difícil apagar
Apesar do seu conceito
Nunca quis discriminar
Chamou a população
Para ouvir no seu sermão
O que tinha a comentar.

O sacristão trouxe a vela
A beata trouxe o vinho
Meretriz sempre tão bela
Foi chegando de mansinho
Com Floro Bartolomeu
Que era um amigo seu
A quem falou bem baixinho:

“Floro, ouça este pedido
Que tenho a lhe fazer
O Joca está fudido
Juarez pensa em morrer
Suba lá e diga ao padre
Que faça sua vontade
Deixe o amor acontecer...

Além disso é dever
Dos que proclamam a fé
Nenhum ser desmerecer
Seja homem ou mulher
O amor é unissex
Dura Lex, sede Lex
Mais tarde dirá Tom Zé."

Assombrado e relutante
Floro disse: “tenho medo”
Meretriz disse gritante:
"Pois contarei seu segredo"
Ele disse: "sendo assim
Deixe isso para mim
Resolvo tudo, tão cedo!"

Pressionado e sem saída
Subiu Floro no altar
Com sua saia comprida
O padre veio de lá
A multidão moralista
Falsa como uma ametista
Ansiosa a esperar.

Floro foi ao reverendo
Cochichou ao seu ouvido
O padre enrubescendo
Disse: “atendo ao pedido!”
E a missa começou
Mas o padre não falou
Sobre o tema pretendido.

Falava ele de tudo
Menos sobre o coito gay
Juarez assistia mudo
Joca parecia um rei
Sentiam-se justiçados
Com Floro e o Padre acuados
Meretriz fazia a lei

Após o “ide em paz”
O povo se recolheu
Ao cabaré de Lilás
Foi Floro Bartolomeu
Meretriz com seu cartaz
Joca, Juarez e um rapaz
Enfim, o amor se deu.

Para época em questão
O ocorrido era novo
Foi alvo de agitação
Entre as pessoas do povo
Mas Floro Bartolomeu
Com o poder que recebeu
Tornou comum como um ovo.