Meu cordel não é refém
De nenhuma igrejinha
Não vive dizendo amém
A nenhuma ladainha
De partido ou guru
Seja do norte ou do sul
Da sua terra ou da minha
Meu cordel nasceu liberto
Afoito e desembestado
Esteja longe ou perto
Da cepa em que foi gerado
Não perde ocasião
Fura a boca do balão
Solta o que tá engasgado
São anos de cordelírio
Sobre temas variados
Há rimas que são colírio
Para olhos embaçados
Outras causam mal-estar
Porque não quero rimar
Em favor dos potentados
Tampouco a minha lira
Reforça briga de galo
Ou faz coro com quem pira
Metido até o talo
Em disputas de poder
Entre dois modos de ser
Que nos levam pelo ralo
Faço minha poesia
Em folheto de cordel
Seja noite ou seja dia
Rabisco o meu papel
Do meu ‘lugar de mulher’
Eu vou metendo a colher
E afrontando o bedel
Exerço a livre expressão
Do pensamento que brota
Em qualquer ocasião
Independente da rota
Escrevo para animar
Outro modo de pensar
Longe da velha lorota
Exponho desigualdade
Injustiça e violência
Não tolero iniquidade
Falácia e prepotência
Nem culto personalista
A um só ponto de vista
Cheio de incongruência
Não curto o polarismo
Da política brasileira
Nem tampouco o binarismo
Duma turma babadeira
Meu tempo pede mistura
Movimento e ruptura
Com a turma da cumeeira
Que pensa que a poesia
É boneco de ventríloquo
E quem deseja alforria
Deve se manter longínquo
Para não incomodar
Ou mesmo desmantelar
O tal discurso ubíquo
Não faço rima pra ser
Modelo para ninguém
Pois só desejo viver
Entre noventa ou cem
Anos de inspiração
Luta, amor e paixão
Que a muitos não convém
Por isso o meu folheto
Nem sempre vai agradar
Pois ele não leva jeito
Pra discursos ressonar
Pois tudo que é hegemônico
Icônico ou histriônico
Costuma me incomodar
Meu verso ninguém tutela
Domina ou enclausura
Não cabe em nenhuma cela
Caixinha ou ditadura
Porque nasceu no sertão
Onde estaca é mourão
E doce é rapadura
Eis porque decepciono
Quem espera adesão
À campanha do patrono
Patriarca ou patrão
De esquerda ou direita
Que na esquina espreita
Minha livre expressão!
Salete Maria
Cidade do México,
24/04/2020
Um comentário:
Que lindo e inspirado . Gostei da verve poetica e cimbativa da cordelista. Muito melhir do que certos discursos políticos de "esqyerda". Autonomia, liberdade, espirito critico, combatividade.
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