Vou pedir vênia ao leitor
E prepará-lo ligeiro
Dizer o que ensejou
O ‘Mulheres de Juazeiro’:
Além de uma homenagem
Farei, com muita coragem,
Uma denúncia primeiro:
Em março, no dia oito
Aqui em nossa cidade
Há sempre um ato afoito
Partindo de autoridade
‘Mulheres conceituadas’
Todas homenageadas
Sem ter legitimidade
Vê-se na programação
Das festas oficiais
Muita condecoração
Pras ‘damas especiais’
Alencar, Tavares, Cruz
Bezerra, Landim, da Luz
Todas estão nos jornais!
Concedem nome de rua
À diretora, à gerente
Dão um terreno na lua
À tal dondoca demente
Manda em toda a cidade
A mulher da majestade
Primeira-dama insolente
São as donas do pedaço
Tão em lugar de destaque
Não fazem o que eu faço
Mas estão no almanaque
Todo ano é assim
Preparam um boletim
E soltam mais do que traque
Chamam as exploradoras
(representando as demais)
Diante das emissoras
Televisão e jornais
Um homem muito imponente
Concede-lhes um presente
E dizem: “somos iguais”!
Faz tempo que isto ocorre
Sem que ninguém diga nada
Antes que o governo torre
Toda a verba arrecadada
Vamos fazer um protesto
Num verso coxo, modesto
Contra esta palhaçada
Lembremos como surgiu
A data internacional
Do nada não emergiu
Mas duma luta real
Por redução de jornada
(Muita gente assassinada)
Foi o marco inicial
Mulheres trabalhadoras
Vítimas da opressão
Foram elas precursoras
(a luta não foi em vão!)
Conquistas posteriores
Não são frutos de favores
São o nosso galardão
Porém é outra a História
Na versão oficial
E nos livros de memória
De rei, chefe ou general
Consta que só tem valor
Na pena do escritor
Quem ao poder for leal
É a mesma ladainha
Para agradar o barão:
“Toda rica é rainha
-pobre nunca tem razão-
Toda velha é caridosa”
Oh! história mentirosa
Cheia de enganação
É um grande besteirol
Doutora aqui e acolá
Dó-ré-mi-fá-si-lá-sol
Do bendito ao beabá;
‘Damas da sociedade!’
(modelos de falsidade!)
Pra quê homenagear?
Assim como na história
Também na biografia
Só a rica tem a glória
E tem genealogia
Retrato de comitiva
Data comemorativa
E muita apologia
Personagem principal
É a mulher do doutor
Deputada estadual
Neta de imperador
Esposa do empresário
Nora do escriturário
Quenga do interventor
Em tudo quanto é escrito
Onde a mulher é citada
O discurso favorito
(da persona destacada!)
É destinado à burguesa,
À grã-fina, à baronesa
À inútil potentada
À vossa alteza, à rainha
À chefe, à delegada
À juíza, à sinhazinha
À duquesa, à advogada
À senadora, à prefeita
À candidata bem-feita
Ao cargo de namorada
Por isso este folheto
(Um libelo acusatório!)
Com ele eu me intrometo
Faço dele um parlatório
Ninguém vai nos enganar
Outra versão vou contar
Neste meu verso simplório:
As verdadeiras mulheres
A quem “O Oito” pertence
(Presta atenção se tu queres
saber que juazeirenses)
Merecem toda atenção
Nossa consideração
Pois sua luta convence
Não pense ser a doutora
(cuja vida está ganha!)
Tampouco a promotora
Deputada que barganha
Não é a tal empresária
Nem a jovem milionária
Ou a beldade que apanha
Refiro-me a quem vive
Com um salário de fome
Àquela que sobrevive
E que, às vezes, nem come
Que nenhum parlamentar
Nem prefeito vai citar
Porque não sabe seu nome
É a mulher invisível
A quem vou me reportar
Para mim, indescritível
O grau de seu mal-estar
A ela, a louvação
Toda condecoração
Pra ela se deve dar
Tá na hora de se ver
Quem trabalha e constrói
Quem é que dá de comer
Quem sente onde o calo dói
Quem é mulher de valor
Nesse mundo enganador
Cuja mentira corrói!
Aqui eu faço uma ode
Às mulheres como eu
Aquela que ninguém pode
Que nunca esmoreceu
Que tem sua independência
Sobrevive com decência
Mas desconhece o apogeu
A tal Maria do povo
A quem ninguém dá valor
Mesmo de vestido novo
Todo enfeitado de flor
Na coluna social
Não se vê nenhum sinal
Do dia que ela casou
A rapariga, coitada
Dela só se fala mal
A sacoleira cansada
Amante d’um marginal
A manicure, a doceira
A vendedora de feira
Ninguém diz ser social
Mulheres de Juazeiro
São as que ninguém conhece
Nascidas nos tabuleiros
Que vivem de fazer prece
São as que têm sua cria
Sem plano, sem regalia
Que dia-a-dia adoece
São as que vão ao Sandu
Quando a dor lhes flagela
São as que comem angu
Que se lambuza e se mela
São as que não tem emprego
Os filhos pegam carrego
E vivem pela favela
São as que varrem a lama
Da rua por onde moram
As que carregam a fama
De que tudo ignoram
As que sentem dor de dente
Acham piolho no pente
Gargalham, dançam e choram
São as que fazem das tripas
Virarem o coração
São as que trocam as ripas
E que esfregam o chão
São as que seguem reisado
Que vestem panos rasgados
Que fazem renovação
As que improvisam beleza
-pois também têm vaidade-
As que driblam a tristeza
Roncam - pois são de verdade-
Que vivem na agonia
Enfrentam o dia-a-dia
Longe das celebridades
São as que vão ao mercado
E pouco podem comprar
São as que levam fiado
Depois não podem pagar
São, portanto, quem merece
Ter um dia uma benesse
Para a vida melhorar
São as doidas, desvairadas
As viúvas ‘sem porvir’
Mães solteiras, mal-faladas
Que torcem pro Guarani
Todas elas neste dia
Merecem ter alegria
Precisam, hoje, sorrir
As lerdas, as poetisas
Comunistas e beatas
As que soropositivas
Escondem-se, inexatas
Lesbianas e devotas
As puras como gaivotas
Lúcidas e insensatas
As ditas deficientes
As que se julgam sadias
As que têm todos os dentes
As que são cheias de estrias
As que têm mais de sessenta
As que vivem curubentas
As que fazem romaria
As que enterram irmãs
Vítimas da violência
Que acordam nas manhãs
E já não têm mais crença
As que são discriminadas
Pretas, pobres, segregadas
Que cumprem suas sentenças
As que na “Hora da Graça”
Suplicam pela Justiça
As que se drogam na praça
E chamam-nas de ‘mundiça’
As que vendem seu amor
- a quem Cristo perdoou-
Mas apanham da ‘puliça’
As que em ano de eleição
Vão agitar as bandeiras
Pois precisam d’um tostão
Pra completarem a feira
Que são sempre enganadas
Trabalham qual condenadas
Rumam sem eira nem beira
As que vivem oprimidas
Que não têm onde morar
As que só têm a vida
Que não podem estudar
As que estão aposentadas
As que têm dupla jornada
As que querem abortar
As que chamam ‘possuídas’
As que se entregam a Deus
As que são destituídas
Da guarda dos filhos seus
As que são violentadas
Dentro de suas moradas
Que descendem de plebeus
As que pensam que votando
Vão mudar de condição
As que crêem que rezando
Receberão o perdão
As que lutam noite e dia
Por uma nova alforria
Querendo revolução
As que são analfabetas
As que lêem demais
As que só fazem dietas
As que já comem demais
As que escrevem cordel
Que o povo chama pinel
Pois nunca vão pros anais
São estas que precisamos
Urgentemente enxergar
Nunca mais nos iludamos
Mais uma vez vou lembrar:
O OITO tem um passado
Precisa ser registrado
Pro povo valorizar
Espero fazer justiça
Através da poesia
Que saia alguma ‘nutiça’
Desta minha heresia
Que a honraria seja
Fruto da vossa peleja
E da nossa ousadia
Salve o poema maudito
Que desconstrói a versão
Que o poder tem escrito
Quase como uma oração
Onde só representantes
Com mandatos e palanques
Merecem tal emoção
Lembremos, pois, nesta data
Das mulheres invisíveis
Registremos numa ata
Seus apelos previsíveis
Pra quem o capitalismo
Com todo seu modernismo
Gera momentos terríveis
Salve a Maria da Silva
Lurdes, Ana e Josefina
Tereza, Tica e Dilva
Raimunda, Rosa e Idalina
Salve Socorro e Laura
Lindalva, Tonha e Isaura
Velha, madura e menina
Salve esta legião
Que constitui maioria
Do povo da região
E de toda cercania
Mulheres de fibra/forte
De Juazeiro do Norte
Faço-te esta elegia!
E prepará-lo ligeiro
Dizer o que ensejou
O ‘Mulheres de Juazeiro’:
Além de uma homenagem
Farei, com muita coragem,
Uma denúncia primeiro:
Em março, no dia oito
Aqui em nossa cidade
Há sempre um ato afoito
Partindo de autoridade
‘Mulheres conceituadas’
Todas homenageadas
Sem ter legitimidade
Vê-se na programação
Das festas oficiais
Muita condecoração
Pras ‘damas especiais’
Alencar, Tavares, Cruz
Bezerra, Landim, da Luz
Todas estão nos jornais!
Concedem nome de rua
À diretora, à gerente
Dão um terreno na lua
À tal dondoca demente
Manda em toda a cidade
A mulher da majestade
Primeira-dama insolente
São as donas do pedaço
Tão em lugar de destaque
Não fazem o que eu faço
Mas estão no almanaque
Todo ano é assim
Preparam um boletim
E soltam mais do que traque
Chamam as exploradoras
(representando as demais)
Diante das emissoras
Televisão e jornais
Um homem muito imponente
Concede-lhes um presente
E dizem: “somos iguais”!
Faz tempo que isto ocorre
Sem que ninguém diga nada
Antes que o governo torre
Toda a verba arrecadada
Vamos fazer um protesto
Num verso coxo, modesto
Contra esta palhaçada
Lembremos como surgiu
A data internacional
Do nada não emergiu
Mas duma luta real
Por redução de jornada
(Muita gente assassinada)
Foi o marco inicial
Mulheres trabalhadoras
Vítimas da opressão
Foram elas precursoras
(a luta não foi em vão!)
Conquistas posteriores
Não são frutos de favores
São o nosso galardão
Porém é outra a História
Na versão oficial
E nos livros de memória
De rei, chefe ou general
Consta que só tem valor
Na pena do escritor
Quem ao poder for leal
É a mesma ladainha
Para agradar o barão:
“Toda rica é rainha
-pobre nunca tem razão-
Toda velha é caridosa”
Oh! história mentirosa
Cheia de enganação
É um grande besteirol
Doutora aqui e acolá
Dó-ré-mi-fá-si-lá-sol
Do bendito ao beabá;
‘Damas da sociedade!’
(modelos de falsidade!)
Pra quê homenagear?
Assim como na história
Também na biografia
Só a rica tem a glória
E tem genealogia
Retrato de comitiva
Data comemorativa
E muita apologia
Personagem principal
É a mulher do doutor
Deputada estadual
Neta de imperador
Esposa do empresário
Nora do escriturário
Quenga do interventor
Em tudo quanto é escrito
Onde a mulher é citada
O discurso favorito
(da persona destacada!)
É destinado à burguesa,
À grã-fina, à baronesa
À inútil potentada
À vossa alteza, à rainha
À chefe, à delegada
À juíza, à sinhazinha
À duquesa, à advogada
À senadora, à prefeita
À candidata bem-feita
Ao cargo de namorada
Por isso este folheto
(Um libelo acusatório!)
Com ele eu me intrometo
Faço dele um parlatório
Ninguém vai nos enganar
Outra versão vou contar
Neste meu verso simplório:
As verdadeiras mulheres
A quem “O Oito” pertence
(Presta atenção se tu queres
saber que juazeirenses)
Merecem toda atenção
Nossa consideração
Pois sua luta convence
Não pense ser a doutora
(cuja vida está ganha!)
Tampouco a promotora
Deputada que barganha
Não é a tal empresária
Nem a jovem milionária
Ou a beldade que apanha
Refiro-me a quem vive
Com um salário de fome
Àquela que sobrevive
E que, às vezes, nem come
Que nenhum parlamentar
Nem prefeito vai citar
Porque não sabe seu nome
É a mulher invisível
A quem vou me reportar
Para mim, indescritível
O grau de seu mal-estar
A ela, a louvação
Toda condecoração
Pra ela se deve dar
Tá na hora de se ver
Quem trabalha e constrói
Quem é que dá de comer
Quem sente onde o calo dói
Quem é mulher de valor
Nesse mundo enganador
Cuja mentira corrói!
Aqui eu faço uma ode
Às mulheres como eu
Aquela que ninguém pode
Que nunca esmoreceu
Que tem sua independência
Sobrevive com decência
Mas desconhece o apogeu
A tal Maria do povo
A quem ninguém dá valor
Mesmo de vestido novo
Todo enfeitado de flor
Na coluna social
Não se vê nenhum sinal
Do dia que ela casou
A rapariga, coitada
Dela só se fala mal
A sacoleira cansada
Amante d’um marginal
A manicure, a doceira
A vendedora de feira
Ninguém diz ser social
Mulheres de Juazeiro
São as que ninguém conhece
Nascidas nos tabuleiros
Que vivem de fazer prece
São as que têm sua cria
Sem plano, sem regalia
Que dia-a-dia adoece
São as que vão ao Sandu
Quando a dor lhes flagela
São as que comem angu
Que se lambuza e se mela
São as que não tem emprego
Os filhos pegam carrego
E vivem pela favela
São as que varrem a lama
Da rua por onde moram
As que carregam a fama
De que tudo ignoram
As que sentem dor de dente
Acham piolho no pente
Gargalham, dançam e choram
São as que fazem das tripas
Virarem o coração
São as que trocam as ripas
E que esfregam o chão
São as que seguem reisado
Que vestem panos rasgados
Que fazem renovação
As que improvisam beleza
-pois também têm vaidade-
As que driblam a tristeza
Roncam - pois são de verdade-
Que vivem na agonia
Enfrentam o dia-a-dia
Longe das celebridades
São as que vão ao mercado
E pouco podem comprar
São as que levam fiado
Depois não podem pagar
São, portanto, quem merece
Ter um dia uma benesse
Para a vida melhorar
São as doidas, desvairadas
As viúvas ‘sem porvir’
Mães solteiras, mal-faladas
Que torcem pro Guarani
Todas elas neste dia
Merecem ter alegria
Precisam, hoje, sorrir
As lerdas, as poetisas
Comunistas e beatas
As que soropositivas
Escondem-se, inexatas
Lesbianas e devotas
As puras como gaivotas
Lúcidas e insensatas
As ditas deficientes
As que se julgam sadias
As que têm todos os dentes
As que são cheias de estrias
As que têm mais de sessenta
As que vivem curubentas
As que fazem romaria
As que enterram irmãs
Vítimas da violência
Que acordam nas manhãs
E já não têm mais crença
As que são discriminadas
Pretas, pobres, segregadas
Que cumprem suas sentenças
As que na “Hora da Graça”
Suplicam pela Justiça
As que se drogam na praça
E chamam-nas de ‘mundiça’
As que vendem seu amor
- a quem Cristo perdoou-
Mas apanham da ‘puliça’
As que em ano de eleição
Vão agitar as bandeiras
Pois precisam d’um tostão
Pra completarem a feira
Que são sempre enganadas
Trabalham qual condenadas
Rumam sem eira nem beira
As que vivem oprimidas
Que não têm onde morar
As que só têm a vida
Que não podem estudar
As que estão aposentadas
As que têm dupla jornada
As que querem abortar
As que chamam ‘possuídas’
As que se entregam a Deus
As que são destituídas
Da guarda dos filhos seus
As que são violentadas
Dentro de suas moradas
Que descendem de plebeus
As que pensam que votando
Vão mudar de condição
As que crêem que rezando
Receberão o perdão
As que lutam noite e dia
Por uma nova alforria
Querendo revolução
As que são analfabetas
As que lêem demais
As que só fazem dietas
As que já comem demais
As que escrevem cordel
Que o povo chama pinel
Pois nunca vão pros anais
São estas que precisamos
Urgentemente enxergar
Nunca mais nos iludamos
Mais uma vez vou lembrar:
O OITO tem um passado
Precisa ser registrado
Pro povo valorizar
Espero fazer justiça
Através da poesia
Que saia alguma ‘nutiça’
Desta minha heresia
Que a honraria seja
Fruto da vossa peleja
E da nossa ousadia
Salve o poema maudito
Que desconstrói a versão
Que o poder tem escrito
Quase como uma oração
Onde só representantes
Com mandatos e palanques
Merecem tal emoção
Lembremos, pois, nesta data
Das mulheres invisíveis
Registremos numa ata
Seus apelos previsíveis
Pra quem o capitalismo
Com todo seu modernismo
Gera momentos terríveis
Salve a Maria da Silva
Lurdes, Ana e Josefina
Tereza, Tica e Dilva
Raimunda, Rosa e Idalina
Salve Socorro e Laura
Lindalva, Tonha e Isaura
Velha, madura e menina
Salve esta legião
Que constitui maioria
Do povo da região
E de toda cercania
Mulheres de fibra/forte
De Juazeiro do Norte
Faço-te esta elegia!
2 comentários:
Sou de Juazeiro do norte, não conhecia suas corde-liradas... Achei seu blog Quando Marcelo Tas(cqc) citou vc no Twitter.
Este cordel sobre as mulheres de Juazeiro está perfeito. Parabéns!!
Lendo e chorando , Salete, a sua poesia deveria estar presente em todo canto!
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