Cordelirando...

quinta-feira, 6 de março de 2014

Não ao Tráfico de Mulheres pra Exploração Sexual


NÃO AO TRÁFICO DE MULHERES
PRA EXPLORAÇÃO SEXUAL


Maria tem quinze anos
E deseja se formar
Todo dia ela faz planos
De voltar a estudar
Mas sendo negra e pobre
Toda hora ela descobre
O quanto tem que lutar

É uma jovem bonita
De corpo escultural
Gosta de tá bem na fita
Dançando não há igual
Curte uma diversão
Mas leva uma vida de cão
Que a deixa muito mal

Ela vive em Salvador
Com a mãe e um irmão
E também com um avô
E um tio de criação
Moram na periferia
E trabalham noite e dia
Pra poder ganhar o pão

Sua mãe é empregada
Numa casa de família
Seu irmão vende cocada
Para pagar a mobília
Seu avô é aposentado
Mas trabalha no pesado
Para ajudar a filha

O tio de Maria bebe
E é muito violento
Às drogas vive entregue
Gerando mais sofrimento
Vez por outra ele é detido
Confundido com bandido
E piorando o tormento

Maria é manicure
E também vende calcinha
Não tem dinheiro que dure
Pois mal ganha pra farinha
Pro transporte e o aluguel
Já que nada cai do céu
Vai levando essa vidinha

Maria tem uma amiga
Que foi para Portugal
De vez em quando ela liga
Pra dizer que tá legal
E que agora é dançarina
Que vai mudar sua sina
Etecetera e coisa e tal

Essa amiga de Maria
Sempre foi muito bacana
Toda coisa ela fazia
Para ganhar uma grana
Pois tem um filho pequeno
E quer comprar um terreno
‘Pra deixar de ser cigana’

É uma jovem que deseja
Ter uma vida melhor
Sempre viveu na peleja
Sofrendo de fazer dó
O pai dela a estuprou
E sua mãe se matou
Deixando ela tão só

Ela diz que teve a sorte
De encontrar um cristão
Que lhe apontou um norte
E lhe deu a ‘opção’
De viajar pra Europa
Junto com mais uma tropa
De moças sem condição

Maria sente saudades
Da amiga que partiu
E espera por novidades
Dum mundo que nunca viu
Quem sabe ela também vá
Pra Europa trabalhar
Já que está mal no Brasil

Porém Maria não sabe
Pois a amiga não diz
Quem são suas amizades
E se está mesmo feliz
Já que só liga falando
Que lá estão precisando
De dançarina e atriz

Maria lhe perguntou
Como é a vida por lá
A amiga se limitou
A dizer: venha pra cá
Aqui você se ajeita
Diga logo se aceita
E alguém vai lhe buscar

Maria ficou tentada
E disse: eu vou pensar
A amiga animada
Disse: você vai gostar
Vai juntar um bom dinheiro
E muito mais que ligeiro
Vai poder tudo comprar

Em poucos dias Maria
Recebeu outra mensagem
Da amiga que dizia
Que ela fosse a uma garagem
Onde um cara lá do sul
Numa Pajero azul
Ia falar da viagem

Maria foi ao encontro
Bem vestida e feliz
O cara foi todo pronto
Mas com sangue no nariz
Ela achou aquilo estranho
Mas tava de bom tamanho
Pra quem vive por um triz

O cara disse: menina
Você é linda demais
Acho que é sua sina
Ganhar uma grana a mais
Por favor seja discreta
Se você tem como meta
Deixar o Brasil pra trás

Nesta noite sua amiga
Voltou a telefonar
Falou: Maria se liga
Não precisa espalhar
Diga pro seu pessoal
Que você dará sinal
Assim que aqui chegar

Falou que em vinte dias
Tudo estaria certo
E que ela viajaria
Com um cara bem esperto
Que não se preocupasse
Pois não haveria impasse
E o caminho estava aberto

Disse que já articulou
Para alguém lhe procurar
Citou um tal de Dodô
Que não é o de Osmar
Falou que ele é decente
E que sempre leva gente
Pra Europa sem pagar

Maria ficou contente
Com a possibilidade
Pois surgiu em sua mente
Um turbilhão de vontades
De ter emprego e salário
E concluir o primário
Numa bonita cidade

Nessa noite adormeceu
Pensando na tal proposta
Pela manhã nem comeu
Pra não ficar indisposta
E para não engordar
Pois ouve a amiga falar
‘De gorda gringo não gosta’

Na tarde do outro dia
Quando foi para o mercado
La na Praça da Alforria
Percebeu algo de errado
Avistou uma multidão
Numa tal reunião
Sobre um assunto macabro

Logo foi se aproximando
E escutando a conversa
Duma mulher palestrando
E a população imersa
Num assunto instigante
Mas também preocupante
Como uma coisa perversa

Não era um papo banal
Era tráfico de humano
Pra exploração sexual
Um negócio meio insano
Mulheres escravizadas
Levadas, trancafiadas
Por um bando de tiranos

Um vídeo foi exibido
E folhetos espalhados
O povo estarrecido
Pasmo e extasiado
Com a tal escravidão
Dita ‘nova exploração’
Das mulheres deste lado

A mulher ia explicando
Que era grave o problema
Uns dados ia mostrando
E revelando um esquema
Que tem se articulado
No mundo globalizado
Cheio de estratagemas

Disse que há no Brasil
E noutras partes do mundo
Que gera pra mais de mil
Dólares em um segundo
É um negócio rentável
E também abominável
Torpe e bastante imundo

Afirmou que no país
Tem crescido sem parar
E no mapa fez um x
Para melhor explicar
Como se dá na Bahia
E em outras freguesias
Onde este crime se dá

No vídeo se pôde ver
Que houve uma descoberta
Pois deu para perceber
Pelo nível do alerta
Que aquela mulher dava
Para quem ali passava
E ficava de boca aberta

Dizia a tal senhora
De nome Jaci Nogueira
Que falava em boa hora
Ali bem no meio da feira
Que esse crime é um atentado
Aos direitos conquistados
Pela mulher brasileira

Mas não só as brasileiras
Frisou logo em seguida
Mas a toda companheira
Que não está protegida
Em qualquer canto do mundo
Contra este projeto imundo
Que vende corpos e vidas

É um crime transnacional
Já que ultrapassa a fronteira
Mas tem prática igual
Nessa terra hospitaleira
Trazidas de outros lugares
De serras, vales e mares
São tantas as brasileiras

O caso aqui narrado
Começou em nosso estado
Mas foi bem articulado
Como disse o delegado
Eles usam as garotas
Para convidarem outras
E não serem encontrados

A rede que está por trás
É muito bem preparada
Quase não deixa sinais
E evita dar mancada
Até mesmo as usadas
Sentem que são ajudadas
Quando são aliciadas

É bastante complicado
O problema em questão
Mas vejam o resultado
De mais uma operação
Que contou com gente boa
Que não veio ao mundo a toa
Mas sim pra transformação

A polícia trabalhou
Com muita dificuldade
Mas alguém denunciou
Essa turma da maldade
Que trabalha pra golpistas
Traficantes vigaristas
Que vivem nesta cidade

Ouçam vocês o que diz
Uma que foi resgatada
Ela saiu do país
E viveu trancafiada
Chamada de odalisca
E usada como isca
Para convencer a moçada

A pessoa que falava
Maria viu no telão
Chorava que soluçava
Cobrindo o rosto com a mão
Dizia ela, coitada
Que foi muito explorada
E voltou sem um tostão

Disse que foi humilhada
E obrigada a fazer
Por inúmeras noitadas
Sexo para se vender
Contra seu consentimento
E foi grande o sofrimento
Que ela só pensa em morrer

Maria ouvindo a voz
Reconheceu a amiga
Sentiu uma dor atroz
Dilacerando a barriga
Gritou estridentemente
E chorou profundamente
Como quem perdeu na vida

Foi assim que se deu conta
Da iminente desgraça
E quando se sentiu pronta
Se retirou lá da praça
Mas viu que tinha um dever
De se engajar pra valer
Contra esta vil trapaça

Passou a ler sobre o tema
E comentar com colegas
Em casa, rua e cinema
Organizou a refrega
Para exigir do Estado
Ação e muito cuidado
Com a vida que não se nega

Percebeu que este delito
Constitui violação
A seus direitos humanos
E a sua condição
De mulher e cidadã
Que batalha no afã
De mudar de posição

Desde então ficou atenta
E voltou a estudar
Saiu da câmera lenta
E decidiu se engajar
Na luta contra este crime
Que explora e oprime
Mas que precisa acabar

Passou a mobilizar
Juntamente com as parceiras
Gente do seu habitat
E também doutras ladeiras
Para evitar que as Marias
Jovens das periferias
Voltem a levar rasteira

Por conta das condições
De vida neste país
Das diversas opressões
E do machismo infeliz
De tantas desigualdades
Racismo e iniquidades
Todas vivem por um triz

Pois que o Estado enfrente
O tráfico das humanas
E que o povo tenha em mente
Que nós não somos iguanas
Do tipo exportação
Pra alimentar o tesão
E a ganância insana

Que haja intervenção
E repressão consequente
Mas que também tenha ação
Pra gerar vida decente
Com emprego e educação
Saúde e muita atenção
Pra população carente

Que haja transformação
Na educação sexista
E controle da concessão
De toda mídia machista
Que representar a mulher
Da forma como requer
O lucro capitalista

Que sejam questionadas
As músicas que nos ofendem
Que também sejam barradas
As propostas que atendem
Interesses opressores
Racistas e predadores
Das vidas que não se rendem

Que o foco desta luta
Seja os direitos humanos
Das mulheres que labutam
Pra realizar seus planos
De viver com autonomia
Liberdade e alegria
Por muitos e muitos anos!

Autora: Salete Maria

Salvador, março de 2014

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