Cordelirando...

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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

MEU PAI

Meu pai por ser um pedreiro,
Dele muito me orgulho
Sempre foi muito guerreiro
Homem de muito barulho
Seja mexendo o cimento
Seja curando o tormento
Ele desata o embrulho

Sempre foi desenrolado
Atento, astuto, sabido
É homem pouco letrado
Porém muito esclarecido
Por isso nesse cordel
Reconheço seu papel
De pai teimoso e querido

Nascido em 44
No nordeste brasileiro
Um cearense de fato
Um matuto, um roceiro
Arribou de Várzea Alegre
Jovem, à sorte entregue
Foi se arranchar no Granjeiro

Chegou pela Cana-Brava
Trabalhou, foi serviçal
Arroz, feijão apanhava
Cuidou também de animal
Era um rapaz arrojado
Nunca foi acomodado
Era este um bom sinal

Viveu nas casas alheias
Longe do seu “habitat”
Ia acanhado pra ceia
Era comum se deitar
Em qualquer canto do chão
Porque não tinha um tostão
Pra uma rede comprar

Porém como desejasse
Melhorar a sua vida
E muito se interessasse
Em sair daquela lida
Resolveu então partir
Pra muito longe dali
Onde lhe dessem guarida

Sonhava em ir para o sul
E arranjar um emprego
Mirava o céu azul
Como quem quer um brinquedo
Mas um dia decidiu
Da Cana-Brava partiu
Foi enfrentar o seu medo

Nesse tempo já gostava
De quem hoje é minha mãe
Que ficou na Cana-Brava
Numa angústia sem “tamãe”
Foi lá pros anos 60
Que segundo ele comenta
“Havia progresso e gãe”

Fugindo do desemprego
No tal êxodo rural
Meu pai foi pedir arrêgo
Na maior das capital
E se vendo sem dinheiro
De lavrador a pedreiro
Subiu na vida, afinal

O ofício era pesado
Mas tinha de trabalhar
Ficava admirado
Com tantos prédios no ar:
“São Paulo é feito das mão
Dos nordestinos irmão
Que não param de chegar"

Depois dum tempo in Sampa
- tijolo, massa, cimento-
Viu um bem-te-vi que canta:
“na cacunda d'um jumento”
Era um quadro na parede
"No lugar de botar rede
Eles botam é monumento"

Quando juntou uns tostão
Veio para o Ceará
Somente pedir a mão
Desta que ficou por cá
Em poucos dias casou
E a esposa levou
Pra no sul dele cuidar

Cada ano que passava
Um filho via nascer
Em São Paulo um brotava
No Ceará, outro ser
Ao todo tiveram seis
Sou a segunda da vez
Cá estou para escrever

Por três décadas seguidas
Meu pai ia e voltava
Pontilhava nossas vidas
Ou cá, ou lá ele estava
Edificando a cidade
E perdendo a mocidade
Enquanto a gente estudava

Tijolo sobre tijolo
Ferro, massa, telha e cal
Aniversário sem bolo
São João, finados, Natal
Onde era mato, um produto
Igreja, escola, viaduto
Shopping, motel e canal

Seguia a vida querendo
Não fracassar, nem sofrer
Algumas noites bebendo
Outras no frio, a tremer
Muitas agruras passou
Até que o álcool deixou
E nunca mais quis beber

Fez muita casa aonde
A vida parece bela
E o arranha-céu esconde
Os barracos da favela
Deixou em cada azulejo
Tatuado um desejo
Que fosse aquilo novela

Viu o progresso de perto
E a miséria do lado
Falava de peito aberto
Com seu sotaque arrastado
“Eta sul fí d’uma égua
Um dia dou uma trégua
Vendo meus filho formado”

Enfim comprou uma terra
Nem míni nem latifúndio
Teve que entrar noutra guerra
Fazendo um corte profundo
Depois duma cirurgia,
Mudou o seu dia-a-dia
E retornou pro seu mundo

Voltou a viver no mato
Conforme sempre gostou
Mas não perdeu o contato
Com o mundo exterior
Agora rega o estrume
Contempla o vaga-lume
Colhe laranja e fulô

Deixou o prumo e a linha
Pegou enxada e pá
Tem lá a sua casinha
E terra pra cultivar
Merece a minha homenagem
Porém não tenho coragem
Desse verso recitar

Hoje é homem da lida
Do trabalho no roçado
Retornou à velha vida
Mesmo estando cansado
Pois para se aposentar
Teve ele que provar
Que nunca ficou parado

Mesmo assim ele é feliz
Porque no mato nasceu
Voltou a sua raiz
(o pedreiro não morreu)
Ressurge o agricultor
Com quem mamãe se casou
E deu origem a eu

Terminando esse poema
É preciso relembrar
Que o pedreiro foi tema
Pra um poeta exemplar
O grande Chico Buarque
Traduziu na sua arte
O seu valor singular

Com os olhos embebidos
Entre lágrima e cimento
Mas quase nunca esquecidos
Dessa vida de tormento
Subindo o patamar
Ou na roça a plantar
Reconheço seu talento

Operário em construção
Autoridade paterna
Homem de convicção
De atitude fraterna
Meu pai, um grande herói
A sua história constrói
A idéia que nos governa!

domingo, 22 de junho de 2008

VIOLETA - Carpinteira da Cultura


De Violeta se diz
É flor, é cor, é odor
Sendo ‘rosa de Paris’
No Crato ramificou
Faz parte do Cariri
Qual uma flor de pequi
Que neste solo brotou

Imensa qual uma rocha
Em bondade e ação
É pequenina, a cabrocha
Em corpo, em compleição
Mas fulgura noite e dia
Exsurge em poesia
Faz da cultura oração

Uma romeira elegante
De echarpe e colar
Um dia foi retirante
Mas soube se emancipar
Acolheu os exilados
Os expulsos, degredados
Fez do exílio um lar

Devota da liberdade
Amante da natureza
Pra ela não há idade
Sorri qual uma princesa
Ama reisado e lapinha
Dança-do-côco e farinha
Forró e azul-turquesa

Uma mulher de seu tempo
Tudo então lhe interessa
Na vida ela põe fermento
Tem paixão e nunca cessa
Nasceu para construir
Vive no mundo a parir
Como disse Bia Lessa

De tudo que se imagina
Seja do campo à cidade
Com tudo ela combina
Ela é possibilidade
Erigiu neste lugar
Espaço para estudar
Chamado Universidade

Impõe respeito inclusive
Entre seus opositores
Com tudo ela convive
Preto, branco, multicores
Não tolera violência
É a mãe da paciência
Ouvidora de clamores

Nem sempre compreendida
Certa vez foi destratada
Outras vezes ofendida
Noutras foi ovacionada
Mas segue sua missão:
“operária em construção
Carpinteira da estrada”

Diz-se amante da serra
E culturista da arte
Guarda lembrança da terra
De Beauvoire e Sartre
Sabe que andou de jipe
Que nasceu no Araripe
Mas seu mundo é toda parte

É forte e irrequieta
Altiva, porém cortês
De Dom Helder predileta
Casou-se com um francês
Irmã de Miguel Arraes
Milita em nome da paz
Assim a vida lhe fez:

Esta tua alma agreste
Não te limita, te amplia
A forma como te vestes
O verbo que balbucias
Nas terras por onde andaste
Não viu mãe d’água nem traste
Mas tudo te comovia

Donde vem tua energia
Teu bom humor, tua luz
Tua elegância e magia
O sonho que te conduz
De tudo que tu encerras
O povo de tua terra
D’alguma forma faz jus

Envolvida com a vida
Vê poesia no ar
Resoluta, decidida
Quem poderá te odiar
Tua modéstia e lhaneza
Jovialidade e destreza
Muitas querem imitar

Nesta tua tradição
Vejo pós-modernidade
Criativa intuição
Prenhe de brasilidade
Uma mulher de expressão
Sertaneja de visão
Singular-pluralidade

Curadora de benditos
Patrona de cantorias
Paraninfa de malditos
Concedente de alforrias
Matriz, matrona, matreira
Mãe, mulher, macaubeira
Comandante de alegrias

Musa no superlativo
Se chama agora teatro
Simples em definitivo
Imensa rosa do Crato
Mocinha sai do sertão
De pau-de-arara a avião
Eis o teu primeiro ato

Secretária da Cultura
Psicóloga, professora
Pelejante criatura
Viajante, opositora
Tens espírito solidário
Vida é teu vocabulário
Reinas, sendo ou não reitora

Honra ao mérito, Senhora
A República te dá
Pra registrar na memória
Do povo do Ceará
Tua conduta acertada
(Mais do que condecorada)
Só pode nos orgulhar!

Viola ou Violeta
Em Gil, Betania e Caetano
A poesia te espreita
Por tudo que é humano
Vixe Maria, muié
És maior que tua fé
És com Deus, o Soberano!