Cordelirando...

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Maria, Helena

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Assim dizia a novena
Que meus ouvidos ouvia

Intercalando um bendito
Com leituras do meu ser
Tirei do dito o não-dito
Fiz a reza estremecer
Acordei fiz um cordel
Tatuando num papel
Um romance pererê

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Assim dizia a novena
Que meus ouvidos ouvia

Fui montando minha peça
Pra Orlando encabeçar
Vai trazer prazer à beça
Pro povo do Ceará
Não tem príncipe encantado
Nem cawboy gay potentado
Mas tem beata a gozar

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
(Se este não é seu lema
Não se perca no dilema
Vá pra outra frequesia)

Maria amando Helena?
Helena amando Maria?
Numa casinha pequena?
No pingo do meio-dia?
Maria amando Helena?
Helena amando Maria?
Quem as imaginaria?

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
(Ajeite logo a antena
Não posso perder a cena
Grita Dona Maresia)

Maria, amada de Helena
Helena, amor de Maria
Veja que belo poema
Cheio de luz e magia
Inspira-me este tema
Quero levar pro cinema
De arte da cercania

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
(Tragam-me uma algema
Eis o meu estratagema
Pra cuspir na burguesia)

Maria e sua Helena
Nasceram neste lugar
Na Baixa da Siriema
Perto do Rio Quicuncá
Os mais velhos dizem delas:
“São duas moças donzelas,
Fale quem quiser falar”

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
(Tire do ovo a gema
Bote na clara um trema
Arribe, vá pra Bahia)

Maria é meio calada
Vive da agricultura
Helena tange a boiada
E também faz escultura
As duas são benzedeiras
Nordestinas, brasileiras
Força, fé e formosura

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
(Ufa, cadê meu esquema?
Tô perdendo a energia)

Maria que é (de) Helena
Helena que é (de) Maria
Ninguém aqui as condena
-assim falou minha tia -
“Uma é fulô de açucena
A outra, bela morena”
As duas têm empatia

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
(Pegue logo o castiçal
Uma vela não faz mal
Para afastar heresia)

Helena ajuda Maria
No seu plantio de feijão
A ela faz companhia
Nalguma renovação
Só andam emparelhadas
Nas noites enluaradas
Deste querido torrão

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
(Eu nunca mais vi Moema
Trepada numa jurema
Querendo dá agonia)

Maria que é devota
Do Padim Ciço Romão
Um dia já foi cambota
Conforme a explicação
Sua mãe fez um pedido
E sendo ele atendido
A graça se fez, então

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Assim dizia a novena
Que meus ouvidos ouvia

Com suas pernas perfeitas
Maria vive a orar
Anda sempre satisfeita
Todo ano a jejuar
Nos dias vinte do mês
Tira o vestido xadrez
Põe preto no seu lugar

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Assim dizia a novena
Que meus ouvidos ouvia

Helena que aprecia
As festas de apartação
Sempre leva a “novia”
Lá para a Exposição
Lembra com voz embargada
De quando montou Pintada
Numa noite de São João

Helena ama Maria
Maria ama Helena
Não é Mundo de Sofia
Nem é novela chilena
É romance sub-urbano
Latino-americano
Folk-love em quarentena

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Assim dizia a novena
Que meus ouvidos ouvia

Maria vive pra Helena
Helena só pra Maria
Maria diz “ô Helena”
Helena diz “oi Maria”
“Vem aqui de junto d’eu
Presente que Deus me deu
Minha bela estrela guia”

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Assim dizia a novena
Que meus ouvidos ouvia

Helena diz a Maria:
“Tu é que nem vaga-lume
Por onde anda alumia
Do piso inté o cume
Tu só me dá alegria
Por ti mil vez eu faria
A Antõe Cruize ciúme”

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Assim dizia a novena
Que meus ouvidos ouvia

As duas levam a vida
Agradecidas demais
Quando não estão na lida
Estão celebrando a paz
Já diz o velho ditado
“o que é bom ta guardado”
Só as entende quem faz.

Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Helena ama Maria
Maria ama Helena
Assim dizia a novena
Que meus ouvidos ouvia

Sei que Maria é Helena
E que Helena é Maria
E se Maria ama Helena
Também Helena a Maria
Mais uma vez a novena
E tudo se concatena
Pão nosso de cada dia!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

MULHER TAMBÉM FAZ CORDEL


O folheto de cordel
Que o povo tanto aprecia
Do singelo menestrel
À mais nobre academia
Do macho foi monopólio
Do europeu foi espólio
Do nordestino alforria

Desde que chegou da França
Espanha e Portugal
(Recebido como herança)
De caravela ou nau
O homem o escrevia
Fazia a venda e lia
Em feira, porto e quintal

Só agora a gente vê
Mulher costurando rima
É necessário dizer
Que de limão se faz lima
Hoje o que é limonada
Foi águas podre, parada
Salobra com lama em cima

A mulher não se atrevia
Nesse campo transitar
Por isso não produzia
Vivia para seu lar
Era o homem maioral
Vivia ele, afinal
Para o mundo desbravar

Tempo de patriarcado
Também de ortodoxia
À mulher não era dado
Sair pela cercania
Exibindo algum talento
Pois iria a julgamento
Quem não a condenaria?

Era um tempo obscuro
Para o sexo feminino
O castigo era seguro
Para qualquer desatino
Como não sabia ler
Como podia escrever
E mudar o seu destino?

Sem ter a cidadania
Vivendo vida privada
Pouco ou nada entendia
Não era emancipada
Só na cultura oral
Na forma original
Se via ela entrosada

Nas cantigas de ninar
Na contação de história
Tava a negra a rezar
A velha sua memória
Porém disso não passava
Nada ela registrava
Para sua fama e glória

Muitas vezes era tida
Como musa inspiradora
Aquela de cuja vida
Tinha que ser sofredora
Era mãe zelosa e pura
Qual sublime criatura
Porém não era escritora

Sempre a versão do homem
Impressa nalgum papel
Espero que não me tomem
Por feminista cruel
Mas o fato é que a mulher
Disto temos que dar fé
Tinha na vista um véu

O homem que a desejava
Queria-a qual princesa
Sempre que a venerava
Era por sua beleza
Só isto tinha virtude
Para macho bravo e rude
Mulher com delicadeza

De sua cria cuidando
Cosendo calça e camisa
Para o homem cozinhando
Como vir ser poetisa?
Isto era coisa para macho
Até hoje ainda acho
Gente que assim profetiza.

Até porque o folheto
Era vendido na feira
E era um grande defeito
Mulher sem eira nem beira
Era preciso viagens
Contatos e hospedagens
Pra fazer venda ligeira

E durante muitos anos
Assim a coisa se deu
Em muitos cordéis tiranos
A mulher emudeceu
O homem falava dela
Mas não falava com ela
Nem ela lhe respondeu

Ocorre que em trinta e oito
No ano mil e novecentos
Um fato dito afoito
Veio soprar outros ventos
Uma mulher escreveu
No cordel se intrometeu
Mostrando novos talentos

Talvez seja o primeiro
Cordel de uma mulher
Neste solo brasileiro
Nenhum registro sequer
Confere a este fato
Que seja o dito exato
Mas não é coisa qualquer

Filha de um editor
Família de trovadores
Se esta mulher ousou
A ela nossos louvores
Mas temos a lamentar
Porque não pode assinar
O verso como os autores

Não era uma desvalida
Que escrevia um cordel
Mas uma moça entendida
Parente de menestrel
Mesmo assim se escondia
Pois a vida requeria
Não assumir tal papel

A Batista Pimentel
Com pré-nome de Maria
Não assinou o cordel
Como a história merecia
Mas que o destino tirano
Um Altino Alagoano
Era quem subscrevia

Pseudônimo usou
Para a obra ser aceita
O marido orientou:
“Assim tudo se ajeita”
Tava pronto pra vender
Quem poderia dizer
Ser o autor a sujeita?

Neste tempo já havia
Escola, educação
Alguma mulher já lia
Tinha certa instrução
Tinha delas que votavam
Outras até trabalhavam
Nalguma repartição

Outro tempo aparecendo
Reclamando outra postura
A população crescendo
Emprego e certa fartura
Indústria se instalando
O povo se empregando
Buscando alguma leitura

Mas foi muito gradual
No campo do popular
Tinha aqui um bom sinal
E um retrocesso acolá
No nordeste nada é reto
Até hoje analfabeto
Não conhece o beabá

Somente em setenta e dois
Vicência Macedo Maia
Viria escrever depois:
Nascia o verso de saia!
No estado da Bahia
Deu-se a tal rebeldia
Que hoje não leva vaia

Depois disso, alagoana
Potiguar e cearense
Também tem a sergipana
Paraíba e maranhense
Tem delas no Piauí
Também estão a surgir
Paulista e macapaense

Em todo o nosso Brasil
Mulheres versejam bem
Muito verso se pariu
Não se excluiu ninguém
Tem rima a dar com pau
-acho que me expressei mal-
Pois com a vagina também

Mas a grande maioria
Se concentra no nordeste
Onde um dia a poesia
Era do cabra da peste
Hoje as mulheres estão
Rimando e não é em vão
Do litoral ao agreste

Talvez seja sintomático
Que o cordel no sertão
Ainda seja simpático
E noutros lugares não
O tal cordel já foi tido
Como jornal e foi lido
Em muita ocasião

Serviu para ensinar
Muita gente aprender a ler
Serve para recitar
E muita gente entreter
Cordel é sempre estudado
Em tese de doutorado
Mas tem gente que não vê

Alguns pensam hoje em dia
Que cordel é só tolice
Que não tem categoria
Que é mera invencionice
Feito por homem, não presta
Por mulher então, detesta
Veja quanta idiotice

Mesmo assim elas versejam
E muito bem por sinal
Algumas até desejam
Ir para uma bienal
Mostrar a nossa cultura
A nossa literatura
Etecetera e coisa e tal

Versos de todos os matizes
De toda forma e cor
Algumas são infelizes
Reproduzindo o horror
Do machismo autoritário
Consumismo perdulário
Que tanto as dominou

Mas são as contradições
Presentes neste sistema
Onde mulheres padrões
Vivem também nos esquemas
Eu só quero é celebrar
Da mulher o versejar
Longe dos velhos dilemas

Nosso tempo nos permite
Botar o verso na rua
Quem vai colocar limite
Quem ousa sentar a pua?
Cordel também é cultura
Quem nunca fez a leitura
Iletrado continua

O cordel é centenário
Nesse Brasil de mistura
É recente no cenário
Da fêmea a literatura
Só estamos começando
Devagar, engatinhando
Quem agora nos segura?

Trinta cordéis eu já tenho
Publicados pelo mundo
Mais uma vez me empenho
Me emocionando no fundo
Metade é sobre mulher
Para mostrar como é
Amor e verso profundo

Aqui encerro meu verso
Cumprindo o meu papel
Se ele foi controverso
Deselegante ou pinel
Só quis dizer para o povo
O que pra alguém é novo:
Mulher também faz cordel!

MEU PAI

Meu pai por ser um pedreiro,
Dele muito me orgulho
Sempre foi muito guerreiro
Homem de muito barulho
Seja mexendo o cimento
Seja curando o tormento
Ele desata o embrulho

Sempre foi desenrolado
Atento, astuto, sabido
É homem pouco letrado
Porém muito esclarecido
Por isso nesse cordel
Reconheço seu papel
De pai teimoso e querido

Nascido em 44
No nordeste brasileiro
Um cearense de fato
Um matuto, um roceiro
Arribou de Várzea Alegre
Jovem, à sorte entregue
Foi se arranchar no Granjeiro

Chegou pela Cana-Brava
Trabalhou, foi serviçal
Arroz, feijão apanhava
Cuidou também de animal
Era um rapaz arrojado
Nunca foi acomodado
Era este um bom sinal

Viveu nas casas alheias
Longe do seu “habitat”
Ia acanhado pra ceia
Era comum se deitar
Em qualquer canto do chão
Porque não tinha um tostão
Pra uma rede comprar

Porém como desejasse
Melhorar a sua vida
E muito se interessasse
Em sair daquela lida
Resolveu então partir
Pra muito longe dali
Onde lhe dessem guarida

Sonhava em ir para o sul
E arranjar um emprego
Mirava o céu azul
Como quem quer um brinquedo
Mas um dia decidiu
Da Cana-Brava partiu
Foi enfrentar o seu medo

Nesse tempo já gostava
De quem hoje é minha mãe
Que ficou na Cana-Brava
Numa angústia sem “tamãe”
Foi lá pros anos 60
Que segundo ele comenta
“Havia progresso e gãe”

Fugindo do desemprego
No tal êxodo rural
Meu pai foi pedir arrêgo
Na maior das capital
E se vendo sem dinheiro
De lavrador a pedreiro
Subiu na vida, afinal

O ofício era pesado
Mas tinha de trabalhar
Ficava admirado
Com tantos prédios no ar:
“São Paulo é feito das mão
Dos nordestinos irmão
Que não param de chegar"

Depois dum tempo in Sampa
- tijolo, massa, cimento-
Viu um bem-te-vi que canta:
“na cacunda d'um jumento”
Era um quadro na parede
"No lugar de botar rede
Eles botam é monumento"

Quando juntou uns tostão
Veio para o Ceará
Somente pedir a mão
Desta que ficou por cá
Em poucos dias casou
E a esposa levou
Pra no sul dele cuidar

Cada ano que passava
Um filho via nascer
Em São Paulo um brotava
No Ceará, outro ser
Ao todo tiveram seis
Sou a segunda da vez
Cá estou para escrever

Por três décadas seguidas
Meu pai ia e voltava
Pontilhava nossas vidas
Ou cá, ou lá ele estava
Edificando a cidade
E perdendo a mocidade
Enquanto a gente estudava

Tijolo sobre tijolo
Ferro, massa, telha e cal
Aniversário sem bolo
São João, finados, Natal
Onde era mato, um produto
Igreja, escola, viaduto
Shopping, motel e canal

Seguia a vida querendo
Não fracassar, nem sofrer
Algumas noites bebendo
Outras no frio, a tremer
Muitas agruras passou
Até que o álcool deixou
E nunca mais quis beber

Fez muita casa aonde
A vida parece bela
E o arranha-céu esconde
Os barracos da favela
Deixou em cada azulejo
Tatuado um desejo
Que fosse aquilo novela

Viu o progresso de perto
E a miséria do lado
Falava de peito aberto
Com seu sotaque arrastado
“Eta sul fí d’uma égua
Um dia dou uma trégua
Vendo meus filho formado”

Enfim comprou uma terra
Nem míni nem latifúndio
Teve que entrar noutra guerra
Fazendo um corte profundo
Depois duma cirurgia,
Mudou o seu dia-a-dia
E retornou pro seu mundo

Voltou a viver no mato
Conforme sempre gostou
Mas não perdeu o contato
Com o mundo exterior
Agora rega o estrume
Contempla o vaga-lume
Colhe laranja e fulô

Deixou o prumo e a linha
Pegou enxada e pá
Tem lá a sua casinha
E terra pra cultivar
Merece a minha homenagem
Porém não tenho coragem
Desse verso recitar

Hoje é homem da lida
Do trabalho no roçado
Retornou à velha vida
Mesmo estando cansado
Pois para se aposentar
Teve ele que provar
Que nunca ficou parado

Mesmo assim ele é feliz
Porque no mato nasceu
Voltou a sua raiz
(o pedreiro não morreu)
Ressurge o agricultor
Com quem mamãe se casou
E deu origem a eu

Terminando esse poema
É preciso relembrar
Que o pedreiro foi tema
Pra um poeta exemplar
O grande Chico Buarque
Traduziu na sua arte
O seu valor singular

Com os olhos embebidos
Entre lágrima e cimento
Mas quase nunca esquecidos
Dessa vida de tormento
Subindo o patamar
Ou na roça a plantar
Reconheço seu talento

Operário em construção
Autoridade paterna
Homem de convicção
De atitude fraterna
Meu pai, um grande herói
A sua história constrói
A idéia que nos governa!

O GRITO DOS "MAU" ENTENDIDOS

Era uma assembléia
Só de homossexuais
Era geral a geléia
Havia gente demais
O discurso era polido
Todo mundo era entendido
Nas ciências sociais

Chegou a televisão
E o jornal foi chamado
Não podia ser em vão
(Que evento do babado!)
O roxo e o rosa-choque
Prometiam dar ibope
(gay adora ser filmado)

Algo cultural rolava
Antes da programação
Chico César animava
Com uma bela canção
Logo se comprometeu:
“Esse homem nu sou eu”
-olhos de contemplação!-

Disse ainda sem pudor:
“eu já fui mulher, eu sei”
Vitor Fasano gritou:
“Eu to gostando, meu rei”
Pepeu Gomes aplaudindo:
“Já fui homem feminino,
Fiz escola, inaugurei...”

Cássia Eller convidada
Cantou exibindo a teta
Uma garota excitada
Pedia outra faceta
De repente o som parou
Ângela Ro Rô chegou:
“porrada ou um som porreta?”

Quando recitou Bethânia
A turma ficou ligada:
“quando você me entendeu
Eu não entendia nada”
Calcanhoto, seu recado:
“transito entre dois lados”
É verdadeira cantada.

Um amor tão delicado
Nenhum homem (lhe) daria
“Caetano tá enganado"
Grita João, brada Maria
Neste evento inusitado
Não há como ser lembrado
Se não for por alegria

Os crachás distribuídos
As teses por todo lado
Líderes já escolhidos
Para um debate animado
O “dignidade já!”
Era a senha pra entrar
Bastava ser delegado

A imprensa esperava
Um “furo” para mostrar
Mas ao passo que falava
Gabeira entrava no ar
Politizou o debate
E lançou um xeque-mate:
“gay também sabe votar”

Disse ele: “hoje eu sei
E o Brasil precisa ver
Que o movimento gay
Existe e é pra valer
Pra bater no preconceito
Pra lutar pelo direito
De amar e de viver!

O entendido precisa
Também se organizar
Tem de vestir a camisa
(de Vênus, é bom lembrar)
Neste mundo desigual
Quem for homossexual
Também precisa lutar!

É grande o preconceito
Contra o homossexual
Exijamos mais respeito
Da lei e do tribunal
Imposto também pagamos
Basta! Já não toleramos
A pecha de marginal

A violência também
Precisa ser combatida
Não é dado a ninguém
Manipular nossa vida
Ele ou ela, não importa
Se fulaninha “é morta”
Que seja uma morta-viva!

AIDS e DST’s
Assolam nosso habitat
Vamos fundar comitês
E contra elas lutar
Vamos junto com o povo
Construir um mundo novo
Onde o lema seja amar”

Ouvindo tudo calado
Um homem ficou de pé
Na roupa tinha um bordado
Escrito: “Jesus me quer”
Gabeira disse: você
Tem algo a nos dizer?
E ele: meu nome é Dé!

O povo todo aplaudiu
E ele continuou
Confessou usar “renew”
E disse: “sou o que sou,
“E venho de uma terra
Onde um padre, numa serra
Um dia me abençoou”

Ele invocou São Francisco:
“é dando que se recebe”
E elogiou Corisco:
“Mas Dadá é o que se pede”
E disse, sem preconceito:
“O rio só corre no leito,
Enquanto a margem não cede”

“Falsa é a sociedade
Que nos cospe e abomina
Eu lhes digo, em verdade
Ser ‘alegre’ é minha sina
Se um dia nasci homem,
Mesmo que tudo me tomem
Eu sempre quis ser menina”

“Por que não amaldiçoam
Os governos de opressão?
Por que só de nós caçoam
Diante da multidão?
O povo tem que entender
Porque o gay pode ser
Seu primo, pai ou irmão”

Ademais eu vou falar
-escute amigo meu-
“se o povo de Quixa(dá)
E se também Ama(deu)
Se o povo do Su(dão)
Ta(deu) para seu irmão
Por que não posso dar eu?”

E o debate seguiu
Num nível sempre elevado
Uma garota pediu
Que o tempo fosse marcado
Após as resoluções
Serviram as refeições
E um filme foi mostrado

Foi Aimeé e Jaguar
O filme que se exibiu
Um romance pra lembrar
Até o mês de abril
Quando o povo então verá
Os “mauditos” do Juá
Gritarem para o Brasil

O grito de que se fala
É o do “mau” entendido
Aquele que o mundo cala
Tal qual o mal resolvido
Pois o grito que escutei
Não foi o “ai, eu gozei!”
Foi o grito do oprimido

E para finalizar
Confesso que acordei
Fiquei então a pensar
Naquilo com que sonhei
É bom que não fique torto
O grito do povo morto
Eu só psicografei.

domingo, 27 de julho de 2008

CIDADANIA Nome de Mulher


Quando minha bisavó
Vivia pelo sertão
Era um tempo de aperreio
Era grande a precisão
Mulher não tinha direito
Pro homem tudo era feito
Só ele era cidadão

Era comum se ouvir
Que mulher vive é calada
Faz a vontade do homem
Para não ficar “falada”
A mulher era um objeto
Casava pra ter um teto
E cuidar da filharada

A mulher também não tinha
Nenhum prazer sexual
Nem mesmo sonho ou desejo
Vivia como animal
Servia sempre seu dono
Ou caía no abandono
Era o destino fatal

Se quisesse trabalhar
Seria dentro de casa
Estudar era um perigo
Pois podia criar “asa”
A família exigia
Q’ela se casasse um dia
Pra ver se desencalhava

Era grande o sofrimento
Da mulher daqueles dias
Não se falava em direito
Tudo isso era utopia
Bastante coisa mudou
Mas ela continuou
Vítima da covardia

Lutar, eu sei que lutou
Se pôs contra a monarquia
Deu à luz o cidadão
Mesmo sem cidadania
Se organizou, foi à rua
Rasgou o véu, ficou nua
Pugnou por alforria

Enfrentou os militares
Disse: “queremos votar”
Ajudou fundar partidos
Deixou de silenciar
Lançou sua voz ao vento
No Poder tomou assento
Conseguiu se emancipar

Por conta de sua luta
Um preço sempre pagou
Pois mentes reacionárias
O mundo sempre gerou
Mas foi no capitalismo
Onde o crescente machismo
Outras proporções tomou

Variadas são as faces
Dos crimes contra a mulher
A violência velada
Ninguém vê, ninguém dá fé
Mas quando é ostensiva
O mundo todo se esquiva
“e ninguém mete a colher”

Há casos onde a vítima
É tida como culpada
O mundo todo pergunta
Pelo que fez a finada
Como querendo saber
Se ela fez por merecer
Ter a vida abreviada

A opressão feminina
É algo muito cruel
E apesar dos direitos
Insculpidos no papel
A violência avança
Matando até criança
De forma torpe e cruel

Aqui no meu Cariri
Dos limites já passou
Pois diversas companheiras
O machismo já matou
Foi crime de toda forma
E que ninguém se conforma
Passe quanto tempo for

Mulher de todas as classes
De idades variadas
Algumas desconhecidas
Outras identificadas
Morreram barbaramente
Mas seus algozes contentes
Estão soltos, a dar risadas

Mas vamos somando braços,
Mãos, cabeças, coração
Sigamos os nossos passos
Nenhuma luta é em vão
A conquista do presente
Foi no passado a semente
Que se plantou nesse chão

Para se fazer justiça
Não há só o tribunal
A gente também conquista
A luta em palco real
Pois se o governo demora
E o parlamento ignora
É porque votamos mal

Vamos mostrar que pensamos
E procriamos idéias
E que não só menstruamos
Gritemos em assembléia
Cidadania se quer
E tem nome de mulher
Eis a nossa epopéia

Uma questão de justiça
Estamos a colocar
Ninguém pode ser omissa
O tempo é de lutar
“Cidadania-Mulher”
É tudo que a gente quer
Não podemos mais calar

Não é justo que hoje em dia
Nada possamos fazer
Pois se vovó não queria
Desta maneira viver
Como poderemos nós
Quase cem anos após
À opressão nos render?

Eis o nosso desafio
É preciso matutar
Vovó não tinha direito
Mas hoje direito há:
Para que cidadania?
Só pra rimar com Maria?
Ou pra se exercitar?

Repito: cidadania
Já tem nome de mulher
Se não vem delegacia
Então mostremos quem é
A autoridade vil
Que com má-fé e ardil
Faz conosco o que bem quer

E pra finalizar
Um convite a OAB
(Para a luta não parar
Para não arrefecer)
Vamos nos somar agora
“pois quem sabe faz a hora
Não espera acontecer”

"Habeas bocas, Companheiras!"


Eis que elas se encontram
Em grande reunião
Discutem temas candentes
Sobre sua profissão
Falam em novo milênio:
Trabalho e emancipação

São muitas advogadas
Laboram no Cariri
De Juazeiro e do Crato
Missão Velha e Mauriti
Assaré, Jardim e Barro
Aurora, Brejo e Jati

Penaforte e Barbalha
Mangabeira e Ipaumirim
Abaiara e Milagres
Santana do Cariri
Salitre e Araripe
Antonina e Jardim

Do verde vale à serra
Todas comparecerão
Ao encontro que, marcado,
Mudará a região
Mostrando que advogado
Tem de gênero, flexão

Valdelúcia e Alex-Sandra
Suêrda e Amanda virão
Vamos chamar Valdenice
Lucrecia e Vilmar então
Cida, Léa e Eunice
Zulene e Tânia estarão

Odete, Edna e Carminha
E Eliane também
Iranir, Josefa e Lúcia
Já confirmaram que vêm
Fátima, Geralda e Veruccia
Não pode faltar ninguém

Assim como Sulamita
Valéria e Romana vão
Contactar Dagmar
E outras da região
Norma, Cícera e Gilda
Márcia também, por que não?

São corajosas mulheres
Que discutem este mês
Contrariando os reveses
Que a História lhes fez
Buscarão mudar o quadro
Brigando por voz e vez

Exigirão com firmeza
Seja a lei observada
Defenderão com destreza
A colega destratada
Falarão à luz acesa
Coisa que tava engasgada

Embora advogadas
Sofrem discriminação
Lutam por valer a lei
E não fazem concessão
São signos destas mulheres
Garra e determinação

São mães, esposas e filhas
Sabem da “situação”
O compromisso com a luta
É dever da profissão
Envolve muitas mulheres
Transcende a região

Lançou-se aqui a semente
A árvore plantada está
Não perca a ocasião
Venha conosco opinar
Somos muitas, companheiras
Estamos a lhe intimar

Há muito que discutir
No seio desta Justiça
A ORDEM é participar
Não se deve ser omissa
No futuro a gente quer:
Nem machismo nem malícia

O respeito entre colegas
A Ética já disciplina
Desde a vida acadêmica
A escola nos ensina
Se o Direito é masculino
A Justiça é feminina!

Oficial ou juiz
Promotor ou delegado
Policial, aprendiz
Todos devem ser lembrados:
Que advogada mulher
Não é “castelo encantado”

O estatuto esclarece
Que não há hierarquia
Nem juiz, nem promotor
Deve querer ser seu guia
Nosso regimento tem
Mui valor e serventia

O 1º encontro pede
Deliberações de frente
Quem nega que há machismo
É cego ou incoerente
Existem até juristas
Discriminando a gente

Data vênia, meu colega
Você precisa entender
Esta luta é minha e sua
Não basta só eu querer
Se o machismo ganhar
Todos nós vamos perder

Componham-se as querelas
Incontinenti desfaçam
Atitudes vãs e vis
Que ora nos ameaçam
Chegando o novo milênio
Por si só elas não passam

As decisões deste Fórum
Precisam ser divulgadas
Para que nossas idéias
Passem a ser respeitadas
Tendo a OAB à frente
Seremos tranqüilizadas

Remeta-se ao juiz
Dê-se vista ao promotor
Notifique o delegado
Publique-se, por favor
Registre-se o recado:
Retifique-se, Doutor!

Por fim quero lhe dizer
Que não lutamos em vão
Somos parte de um poder
Que governa a nação
Não podemos esquecer
Nada virá sem ação

Ademais é bom lembrar
Que somos advogados
De um Brasil promissor
Que ora se encontra “roubado”
Defender a Lei Maior
Não é coisa do passado

Importa anunciar
(Preste muita atenção)
A justiça não é cega
Fala e tem audição
Esta arte entre em vigor
Com sua publicação.

Mulher, Amor não rima com AIDS


Minha amiga, camarada
Ouça o que tenho a dizer
A AIDS é coisa ruim
Faz muita gente sofrer
Não tem cura, é fatal
Chega sem dar um sinal
Depois é só perecer

Tem atingido pessoas
De faixa etária qualquer
Não é uma “peste gay”
Persegue também mulher
Seja solteira ou casada
“Solta” ou de vida regrada
Não interessa quem é

E como não há vacina
Que previna esta danada
A mulher que já padece
De tantas outras ciladas
Precisa se informar
Para que possa transar
E não ser contaminada

O amor é coisa boa
E ninguém pode negar
Mas a vida é preciosa
Devemos dela zelar
Portanto, tome cuidado
Com marido ou namorado
Camisinha é pra usar

A AIDS já anda solta
Por essas bandas de cá
Cresce muito no Nordeste
Se alastra no Ceará
Alcança o cabra da peste
Seja de Leste a Oeste
Não podemos bobear

Se você se julga “santa”
Diz que o marido é fiel
“AIDS é coisa de quenga
Que trabalha num bordel”
Tá se enganando coitada
A AIDS chega calada
E leva você pro céu

Mulher, cuida do que é teu
Não te deixa ser lesada
Quem vê cara, não vê AIDS
Sem camisinha é “mancada”
Pensa que sabe demais
Hoje sai com um rapaz
Amanhã será finada

Sexo faz bem à saúde
Deixa a pele mais bonita
E seguro é mais gostoso
Todo mundo acredita
Com camisinha há gozo
Para o jovem e o idoso
Sem ela tu se complica

Não quero ser moralista
Clamando abstenção
Faço um alerta ao governo
Não basta dizer que NÃO
“Mate a AIDS, mostre o pau”
Dê camisinha afinal
Pra educar o povão

A mulher fala demais
E isto é bom nesta hora
Pois antes de começar
Ela dirá sem demora:
“Amor, põe a camisinha,
Do contrário, eu agorinha
Visto a roupa e vou embora!”

Companheira, gente boa
Este verso é pra ajudar
Na luta que travaremos
Para a vida melhorar
Sem AIDS, sem violência
Elevando a consciência
Temos direito de amar

Que seja lido na rua
Ou recitado na feira
Passado de mão em mão
Por alguma sacoleira
O verso não será vão
Se houver meditação
Antes de fazer besteira.

Agora são outros 500 "Mentira tem perna curta"

Meu povo preste atenção
No que tenho pra falar
O que hoje é ilusão
Nós vamos desmascarar
Cinco séculos de opressão
Muita espoliação
Nada pra comemorar

Um português mentiroso
Diz que “achou” o Brasil
Para um Rei ambicioso
Escreveu um imbecil
Roubou flora, fauna e ouro
Deu espelho de consolo
A 22 de abril

Um bando de manoéis
Circulava por aqui
Com dedos cheios de anéis
Para índio seduzir
Joaquins e seus papéis
Nunca deram um só réis
Mas foram donos daqui

Um jesuíta otário
Veio nos domesticar
Nos índios botou rosário
Obrigou-os a rezar
Impôs língua e cenário
Mas nunca pagou salário
Pro nativo trabalhar

Colônia de Portugal
O Brasil foi muito tempo
Do produto tropical
Lembro-me neste momento
Começamos dando o pau
Este foi o nosso mal
Eta sorte de jumento!

Mas a história real
Precisa ser registrada
O nosso povo é leal
E tem a mão calejada
Nada mais será igual
“No país do carnaval
A sorte está lançada”

O Brasil endividado
O povo todo fodido
O patrimônio lesado
Por um ianque atrevido
O governo é safado
Se você ficar calado
Será também confundido

Colônia, somos de novo
Agora de americano
Mais uma vez nosso povo
Sofre e entra pelo cano
Vivendo só de teimoso
O salário é horroroso
E o governo é leviano

A rede Globo nos diz
Viva os 500 anos
E contagia o país
Sempre nos causando danos
Para a gente ser feliz
Donos do nosso nariz
Não bastam festas e planos

A direita no poder
Já mostrou que é incapaz
Monopoliza o saber
Desemprega sempre mais
Prejudica eu e você
Decide quem vai morrer
Mas fala em nome da paz

Conclamar trabalhador
É tarefa de quem luta
500 anos de horror
“Mentira tem perna curta”
Quero um historiador
Que conte o que se passou
Sem mascarar a disputa

Que distribua um milheiro
De panfleto por aqui
Falando de Conselheiro
Não esquecendo Zumbi
Louvando o povo mineiro
Enfim, todo brasileiro
Tiradentes vai sorrir

A história “oficial”
Só prejudica a nação
Contada por general
Marechal e capitão
Faz do povo serviçal
Dá-lhe trabalho braçal
Nega-lhe educação

É hora de decidir
A quem pertence o Brasil
“Mauditos” vão emergir
Em primeiro de abril
Poesias vão parir
Quem ousar nos reprimir
Vá pra puta que pariu

Liberdade de expressão
É preciso garantir
“Soberana é a nação
Cujo povo canta e ri”
Pra você que é cidadão
Outros 500 virão
Pra poder nos redimir

Particularmente acho
Que só a Revolução
Que não se faz só de macho
Libertará a nação
Vou me encontrar com o diacho
Deixo aqui meu esculacho
São mais 500, então.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

EMBALANDO MENINAS EM TEMPOS DE VIOLÊNCIA


Terezinha de Jesus
De uma queda foi ao chão
Alguém viu um cavalheiro
Com uma faca na mão
Depois um tiro certeiro
Dilacerou por inteiro
O seu jovem coração

Ela diz: “quero uma casa
Pra que eu possa governar
E também um bom marido
A quem eu possa amar”
Mas tendo o lar guarnecido
E o corpo todo agredido
Não dá pra silenciar

“Marido que bate, bate
Marido que já bateu”
Quem não agüenta calada
Conhece quem já morreu
Eis o que diz a moçada
À noite, pela calçada
Sobre o que aconteceu

Uma é rica, rica, rica
De mavé, mavé, mavé
Outra pobre, pobre, pobre
De mavé, mavé, mavé
Escolhei a que quiser
Pois ambas são agredidas:
À porrada e ponta-pé

“O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou”
Mas teus pés nas costas minhas
Deixou marcas, tatuou
Comentei com a vizinha
Pois era o que me convinha
E por isto, então, ficou

Mariquinha não vai com as outras
Mariquinha não quer falar
Mariquinha perdeu a fé
E já não quer testemunhar
Ela diz que viu o Zé
Matando outra mulher
Mas anda solto a cantar

“O Cravo brigou com a Rosa
Dentro de sua morada
A Rosa saiu ferida
E o Cravo a dar risada
A Rosa pediu socorro
E o guarda veio atender:
“Se o Cravo é seu marido,
Não devemos nos meter”

Senhora Dona Sancha
Coberta de porrada
Do rosto tire o véu
Mostre que está lesionada
Não leve para o céu
Em respeito a um anel
Uma vida violentada

Meu irmão, meu companheiro
Meu pai! – a quem só sei amar
Uma vez quis me bater
Outra vez quis me matar
Mutirão ou Limoeiro
Centro ou Novo Juazeiro
Assim em todo lugar

Você gosta de mim, ó gatinho?
Eu também de você
Quando estamos sozinhos
Por que quer me bater?
Se tocares em mim, ó gatinho
E me fizeres sofrer
Eu prometo, gatinho, denuncio você!

MULHERES DO CARIRI: MORTES E PERSEGUIÇÃO


Nosso velho Cariri
Que tanta beleza ostenta
Onde a flor do pequi
Deixa a boca sedenta
Não só pela natureza
É lembrado com tristeza
Por tanta morte sangrenta

A Chapada do Araripe
De cristalinas nascentes
Onde já subi de jipe
Vi riquezas imponentes
Virou palco de tragédia
(Antes fosse uma comédia)
Matar mulher inocente.

Seja na linda Barbalha
Seja em Crato ou Juazeiro
A maldade se espalha
Talvez por muito dinheiro
Hoje uma, outra amanhã
A tal gang de satã
Desferiu golpe certeiro.

No ano de dois mil e dois
Estampadas nos jornais
Li várias vezes depois
Manchetes! Nada de paz!
Uma onda de terror
Espalhando medo e dor
Foi crueldade demais

Um dia a desconhecida
No outro, nossa vizinha
Depois a irmã querida
A colega da madrinha
A amiga professora
Fosse morena ou loira
Aos monstros tudo convinha

A violência crescia
O medo se agigantava
A população torcia
Pra ver se tudo acabava
A polícia impotente
A justiça incipiente
O bandido festejava

Revólver, faca e pau
Usados para extinguir
A vida (e não o mau)
Quem ousava reagir?
Os corpos dilacerados
Haviam dedos cortados
Findava então o porvir

Mesmo o tempo passando
De nada adiantava
Peritos averiguando
Gente inocente pagava
Os corpos se decompondo
Cada crime hediondo
Histórias que nos chocava

Depois de muita peleja
Erro, acerto, tentativa
Um poderoso gagueja
Vem com sua comitiva
Dizem ser um dos mandantes
Gente de mente infamante
Mas poder tudo cativa

Mais de trinta execuções
Autoria, só de quatro
Muitas especulações
De concreto, pouco fato
O crime aqui compensa
É o que diz a imprensa
Em pensamento exato

Todos a se perguntar
Quem está por trás de tudo?
A grande questão no ar
Será um peixe graúdo?
‘Se fosse um pé-rapado
Um pobre, um molambado
Já tinham prendido tudo’

Crimes não elucidados
A família ainda sente
Um corpo violentado
Um golpe triste na mente
A impunidade impera
O povo já não tolera
Justiça incompetente

Às ruas vão as mulheres
Exigir uma resposta
Vítimas não são talheres
Para ficarem expostas
Querem do governador
Do juiz, do promotor
Atitude que arrosta

Desejam ver assassinos
Condenados e reclusos
E não cérebros suínos
Com discursos obtusos
Querem ter para o futuro
Um Cariri mais seguro
E não processos confusos

Querem em todo espaço
Fazer lembrar os delitos
Falar sem ter embaraço
Denunciar os conflitos
Para que ninguém esqueça
E um dia apareça
A verdade, e não mitos.

Por isto a liberdade
De usar da expressão
Deixar pra posteridade
Nossa indignação
Por muitas vidas ceifadas
Outras tantas cerceadas
Ante a perseguição

Denunciar o machismo
Esta mazela medonha
E fazê-lo sem cinismo
Sem que ninguém se oponha
Na academia, na feira
Na URCA, na Batateira
Para findar a vergonha

Não esquecer de falar
Das companheiras de luta
Que ousam denunciar
Toda espécie de conduta
Que auxilia homicida
Estuprador, latrocida
Noutro nível de disputa

Mulheres que se dedicam
A construir a história
Que dia-a-dia acreditam
Resgatarem a memória
Daquelas que já partiram
Que em vida construíram
Sua própria trajetória

Mulheres que se associam
Pra defender as conquistas
Que às vezes presenciam
Diante de suas vistas
Descalabros, falcatruas
Mas que ocupam as ruas
Porque não são egoístas

Mulheres que aos jornais
Denunciam interventor
Capitães e generais
E também governador
Quem ouse nos reprimir
Verão todas reagir
Num grande e justo clamor

Contra todos os machistas
Violentos, canastrões
Demagogos, populistas
Cafajestes e babões
Maníaco-predador
Assassino, malfeitor
Oportunistas, ladrões

Contra o sistema cretino
Que nos tira o direito
De fazer nosso destino
E depois bater no peito:
Nascemos pra ser feliz
E não viver por um triz
Neste Cariri sem jeito

Enquanto nos depararmos
Com a morte no quintal
Enquanto nos encontramos
Para mais um funeral
Enquanto houver perigo
Perseguição e castigo
A luta será igual

Seja em nosso domicílio
No trabalho ou na escola
Nada será empecilho
Gritaremos sem demora
Nós não queremos morrer
Amar, lutar e viver
É o que sonhamos agora!

Se você tem compromisso
Sei que vai participar
Não se pode ser omisso
Nem ter medo de falar
Temos horror à malícia
E a quem chama a polícia
Querendo nos dispersar

Todo dia a gente fala:
Cadê a democracia?
Ao assassino se iguala
Quem persegue o nosso dia
Em bom som vamos gritar:
Estão querendo matar
A nossa autonomia

Nem morta, nem perseguida
Tampouco discriminada
Nem louca, nem preterida
Nem muda, nem estuprada
Nem sozinha, nem distante
Viva, alegre e militante
Por esta terra encantada.

A HISTÓRIA DE JOCA E JUAREZ


“Toda maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor valerá”.
(Caetano Veloso e Milton Nascimento)


Juarez era um senhor
Devoto do meu padim
Trabalhava com ardor
Cultivando seu jardim
“um dia o cão atentô”
E Juarez se apaixonou
Por Joca de Manezim!

Isso se deu em meados
De mil novecentos e seis
Naquele tempo veado
Era bicho que Deus fez
“home não ama ôtro home
Senão vira Lobisomem”
Disse o padre, certa vez

O tal Joca era um rapaz
Zabumbeiro de primeira
Era um tocador capaz
De agradar moça solteira
Mas também ele gamou
Por Juarez se apaixonou
Quando o viu na ribanceira.

O Juarez, que moço bom!
Honesto e temente a Deus
Tinha mesmo aquele dom
De estar junto dos seus
Porém Joca despertava
Algo que o incomodava
Mais profano que os ateus

Orava dias a fio
Pedindo a Deus proteção
Não chiava nem um pio
Sobre a sua condição
Sentia até arrepio
Um sentimento sombrio
Domava seu coração

Dizia: “Deus me ilumine
Não sei o que há comigo
Creio que já imagine
Que amo o meu amigo
Por favor me examine
Preciso que me vacine
Me livre deste castigo!”

Foi um dia à sacristia
Querendo se confessar
Mas o pobre não sabia
Que o padre ia viajar
Falar com os fazendeiros
Combinar com os cangaceiros
Franco Rabelo expulsar.

Pra você vou alembrar:
Romão era conselheiro
Vivendo a orientar
Beatos e bandoleiros.
Apesar da seca forte
O milagre fez suporte
Que atraía os romeiros.

Disse ele: “Meu padim
O senhor tá avexado?
Mas me dê cá um tempim
P’eu lhe contar um babado
Sabe Joca Manezim?
Despertou algo em mim
E por ele estou gamado.”

Padim Ciço extasiado
Ficou teso, branco e mudo
Olhou o seu afilhado
Comentando o absurdo
“meu filho esqueça disso
Largue logo desse viço
Saia já desse chafurdo!”

“Isso é a tentação
Você precisa rezar
Peça logo a Deus perdão
Tire moça pra casar
Veja Sodoma e Gomorra
O castigo contra a zorra
Outra vez pode se dar”.

"Ademais eu advirto
E esclareço a você
Em assunto desse tipo
Nada posso lhe dizer
É tema que não me meto
E com o devido respeito
Eu não me deixo meter."

“Reverendo acredite
Meu amor é tão sincero
Pela deusa Afrodite
Joca é tudo que mais quero
Tenho padecido tanto
Por viver esse encanto
Pelo homem que eu paquero”.

O vigário apressado
Disse: “Estou de saída
Nesse papo endiabrado
Não encontrarás guarida
Vá plantar o seu roçado
Deixe essa história de lado
Que eu já estou de partida”

Juarez desapontado
Dirigiu-se à Matriz
Avistou Joca sentado
Ao lado de Meretriz,
Uma amiga rapariga
Que amava outra amiga
Que no circo era atriz.

Disse ele: “Caro Joca
Venho do confessionário
Procurei sair da toca
Contei tudo ao vigário
Sobre a nossa condição
Nosso amor, nossa paixão
É triste nosso calvário.

Padim Ciço condenou
Esse ‘amor entre iguais’
Ele me aconselhou
A trabalhar muito mais
Esquecer tal relação
Procurar outra união
Pois esta não me apraz.”

Meretriz falou e disse,
Se metendo na questão:
“tudo isso é tolice
Esse padre é um machão
Pois ordena a Escritura
Para cada criatura
Amar semelhante irmão.”

“O padre tá atrasado
Na sua concepção
Para casos de viado
Tem atualização
Que tal fazer um mestrado
Homossexualizado
Com o São Sebastião?”

"Meretriz é isso aí
-disse Joca veemente-
Vejo que no Cariri
Você lançou a semente
Vou falar com este padre
Chamar ele de ‘cumadre’
P’rele respeitar a gente."

Enquanto isso na feira
Pote, cabaça, quartinha
Chinelo, terço, peneira,
Cordel, reisado, lapinha
Entorno toda cultura
P’ruma fé cega e segura
Aquele amor não convinha.

Envolto neste cenário
Joca fitou o Juarez
Um sentimento lendário
Instalou-se de uma vez
E tudo ficou sagrado
Como algo consagrado
Qual um anjo que se fez

Naquela apoteose
Tudo, então, se revelou
Fez-se a metamorfose
Deste proibido amor
Do casulo à borboleta
Emanou d’uma trombeta
Um som que glorificou.

O amor é grande laço
O amor é armadilha
O amor não tem compasso
O amor não segue trilhas
O amor não se condena.
Todo amor vale a pena
Salve quem ama e brilha!

O povo de Juazeiro
Comentava, maldizendo
Foi, então, cada romeiro
Procurar o reverendo
Para que interviesse
E fizesse uma prece
P’ro que tava acontecendo.

Acendido o preconceito
Foi difícil apagar
Apesar do seu conceito
Nunca quis discriminar
Chamou a população
Para ouvir no seu sermão
O que tinha a comentar.

O sacristão trouxe a vela
A beata trouxe o vinho
Meretriz sempre tão bela
Foi chegando de mansinho
Com Floro Bartolomeu
Que era um amigo seu
A quem falou bem baixinho:

“Floro, ouça este pedido
Que tenho a lhe fazer
O Joca está fudido
Juarez pensa em morrer
Suba lá e diga ao padre
Que faça sua vontade
Deixe o amor acontecer...

Além disso é dever
Dos que proclamam a fé
Nenhum ser desmerecer
Seja homem ou mulher
O amor é unissex
Dura Lex, sede Lex
Mais tarde dirá Tom Zé."

Assombrado e relutante
Floro disse: “tenho medo”
Meretriz disse gritante:
"Pois contarei seu segredo"
Ele disse: "sendo assim
Deixe isso para mim
Resolvo tudo, tão cedo!"

Pressionado e sem saída
Subiu Floro no altar
Com sua saia comprida
O padre veio de lá
A multidão moralista
Falsa como uma ametista
Ansiosa a esperar.

Floro foi ao reverendo
Cochichou ao seu ouvido
O padre enrubescendo
Disse: “atendo ao pedido!”
E a missa começou
Mas o padre não falou
Sobre o tema pretendido.

Falava ele de tudo
Menos sobre o coito gay
Juarez assistia mudo
Joca parecia um rei
Sentiam-se justiçados
Com Floro e o Padre acuados
Meretriz fazia a lei

Após o “ide em paz”
O povo se recolheu
Ao cabaré de Lilás
Foi Floro Bartolomeu
Meretriz com seu cartaz
Joca, Juarez e um rapaz
Enfim, o amor se deu.

Para época em questão
O ocorrido era novo
Foi alvo de agitação
Entre as pessoas do povo
Mas Floro Bartolomeu
Com o poder que recebeu
Tornou comum como um ovo.

domingo, 22 de junho de 2008

VIOLETA - Carpinteira da Cultura


De Violeta se diz
É flor, é cor, é odor
Sendo ‘rosa de Paris’
No Crato ramificou
Faz parte do Cariri
Qual uma flor de pequi
Que neste solo brotou

Imensa qual uma rocha
Em bondade e ação
É pequenina, a cabrocha
Em corpo, em compleição
Mas fulgura noite e dia
Exsurge em poesia
Faz da cultura oração

Uma romeira elegante
De echarpe e colar
Um dia foi retirante
Mas soube se emancipar
Acolheu os exilados
Os expulsos, degredados
Fez do exílio um lar

Devota da liberdade
Amante da natureza
Pra ela não há idade
Sorri qual uma princesa
Ama reisado e lapinha
Dança-do-côco e farinha
Forró e azul-turquesa

Uma mulher de seu tempo
Tudo então lhe interessa
Na vida ela põe fermento
Tem paixão e nunca cessa
Nasceu para construir
Vive no mundo a parir
Como disse Bia Lessa

De tudo que se imagina
Seja do campo à cidade
Com tudo ela combina
Ela é possibilidade
Erigiu neste lugar
Espaço para estudar
Chamado Universidade

Impõe respeito inclusive
Entre seus opositores
Com tudo ela convive
Preto, branco, multicores
Não tolera violência
É a mãe da paciência
Ouvidora de clamores

Nem sempre compreendida
Certa vez foi destratada
Outras vezes ofendida
Noutras foi ovacionada
Mas segue sua missão:
“operária em construção
Carpinteira da estrada”

Diz-se amante da serra
E culturista da arte
Guarda lembrança da terra
De Beauvoire e Sartre
Sabe que andou de jipe
Que nasceu no Araripe
Mas seu mundo é toda parte

É forte e irrequieta
Altiva, porém cortês
De Dom Helder predileta
Casou-se com um francês
Irmã de Miguel Arraes
Milita em nome da paz
Assim a vida lhe fez:

Esta tua alma agreste
Não te limita, te amplia
A forma como te vestes
O verbo que balbucias
Nas terras por onde andaste
Não viu mãe d’água nem traste
Mas tudo te comovia

Donde vem tua energia
Teu bom humor, tua luz
Tua elegância e magia
O sonho que te conduz
De tudo que tu encerras
O povo de tua terra
D’alguma forma faz jus

Envolvida com a vida
Vê poesia no ar
Resoluta, decidida
Quem poderá te odiar
Tua modéstia e lhaneza
Jovialidade e destreza
Muitas querem imitar

Nesta tua tradição
Vejo pós-modernidade
Criativa intuição
Prenhe de brasilidade
Uma mulher de expressão
Sertaneja de visão
Singular-pluralidade

Curadora de benditos
Patrona de cantorias
Paraninfa de malditos
Concedente de alforrias
Matriz, matrona, matreira
Mãe, mulher, macaubeira
Comandante de alegrias

Musa no superlativo
Se chama agora teatro
Simples em definitivo
Imensa rosa do Crato
Mocinha sai do sertão
De pau-de-arara a avião
Eis o teu primeiro ato

Secretária da Cultura
Psicóloga, professora
Pelejante criatura
Viajante, opositora
Tens espírito solidário
Vida é teu vocabulário
Reinas, sendo ou não reitora

Honra ao mérito, Senhora
A República te dá
Pra registrar na memória
Do povo do Ceará
Tua conduta acertada
(Mais do que condecorada)
Só pode nos orgulhar!

Viola ou Violeta
Em Gil, Betania e Caetano
A poesia te espreita
Por tudo que é humano
Vixe Maria, muié
És maior que tua fé
És com Deus, o Soberano!

sábado, 14 de junho de 2008

DIA DO ORGULHO GAY



“Época triste a nossa em que é mais difícil quebrar um preconceito que um átomo”(Einstein)

No vinte e oito de junho
Dia do Orgulho gay
O mundo dá testemunho
Do que não nasce por lei
É um dia diferente
A rua enche de gente
O marginal vira rei

Tudo fica colorido
A vida enche de graça
Há riso, grito, gemido
Gente amando na praça
Mas nem sempre foi assim
O vinte e oito, enfim
Surgiu em meio a desgraça


Conta a história, diz Mott
Que um tumulto ocorreu
Num bairro de Nova York
E muita gente envolveu
Stone Wall era o bar
Que à paisana, ao chegar
A polícia enlouqueceu

Ao todo nove soldados
Ali duzentos fregueses
Os donos foram algemados
E espancado, por vezes
Renderam três travestis
Puseram-nas vis-a-vis
Trataram-nas como reses

Mandaram todos embora
E humilharam os detentos
Mas encontraram lá fora
Os seres mais violentos
O povo enfurecido
Num coro mais que atrevido
Exigiram dos sargentos:




“Libertem estes rapazes
Ninguém aqui é bandido
Saiam, pois somos capazes
Dum protesto decidido
Homossexual é gente
Desumana é a mente
De quem espanca ‘entendido’

Quase uma hora de atrito
No ano sessenta e nove
A polícia com apito
Tudo por causa dum ‘love’
O Estado achando demais
Amor de homossexuais -
Só de lembrar me comove

Surgiu ali o embrião
Duma data mundial
Virou comemoração
Qual a noite de natal
Agora no interior
Tem até vereador
Pelo gay municipal

Esse é o dia de orgulho
De quem sofre a opressão
Dia de muito barulho
E de grande agitação
De bandeira colorida
Para celebrar a vida
O amor e a paixão

Dia de dizer ao mundo:
Respeite a diversidade!
Abaixo o ódio imundo
Basta de mediocridade
A Humanidade é
O gay, o padre, a mulher
Homem de terceira idade

A data exige de todos
Mais amor, mais tolerância
Propõe o fim dos engodos
Exige mais segurança
Direito e democracia
Sossego, cidadania
Respeito e esperança

Por isto no Cariri
Onde tudo nos fascina
Onde a flor de pequi
Desabrocha e nos ensina
O gay tem que se afirmar
Organizado, lutar
Contra a morte como sina

É dever de toda gente
Combater o preconceito
Quem se julgar consciente
Quem quer exigir direito
Jonatan Kiss foi assim
Amou e viveu, enfim
Conquistou nosso respeito!

quarta-feira, 4 de junho de 2008

DO DIREITO DE SER GAY (ou condenando a homofobia)

Se preferir ouvir, recitado na voz de Deth Haak, clique AQUI!
Diante do Tribunal
Zeca expôs a questão
“sou um homossexual
E peço vossa atenção
O que deve ser julgado
E d’uma vez extirpado
É o ódio; o amor, não!

Não está em discussão
A minha intimidade
Aqui a acusação
Pesa contra a insanidade
De quem ousa decretar
Que é proibido amar
Invocando a divindade

Meu direito de ser gay
Não me pode ser negado
Pois não ajo contra a lei
Quando ouso ser amado
Por alguém do mesmo sexo
Por mais que seja complexo
Esquisito ou estranhado

Sou eu, pois, um cidadão
Que trabalha e contribui
Com esta grande nação
E que dela não se exclui
Mereço todo o respeito
Sou sujeito de direito
Que avança e evolui

O que temos que julgar
É a tal da homofobia
Que está a provocar
Mortes pela cercania
Privando gente decente
De viver alegremente
Entre nós, em harmonia

Não podemos conceber
Que a injustiça impere
Temos que nos envolver
Pois toda morte nos fere
Todo gay é ser humano
Todo ser é nosso “hermano”
Se pensa assim, não tolere

Não seja condescendente
Cúmplice ou co-autor
Muito menos conivente
Com tais atos de horror
Se você tem consciência
Denuncie a violência
Seja lá contra quem for

Não me chame de demente
Anormal ou acintoso
Nem tampouco de indecente
Pecador ou monstruoso
Ouse atacar injustiças
Reveja suas premissas
Não sou eu o criminoso!

O que há de errado em mim?
E que você não suporta?
Tente escrever outro fim
Para a velha história torta
Um defensor de direito
Não dormirá satisfeito
Omisso, fechando a porta!

A diferença existe
Não adiante negar
Pra que este dedo em riste
Sempre a me apontar?!
Vá julgando a minha vida
E escondendo a ferida
Que tu não ousas curar!

Em toda a Humanidade
Houve gente como eu
Vítima da iniqüidade
Quanto inocente morreu!
Em nome de um modelo
Que sempre imprimiu um selo
Separando tu e eu

Foi assim com outros seres
Igualmente “diferentes”
Ante os “podres poderes”
Continuaram silentes?
Mulheres, negros, judeus
Anciãos, crentes, ateus
São todos eles doentes?

Suplico, reflitam mais
Sobre vossas posições
Examinem os anais
Das vossas “convicções”
Vejam que todos perdemos
Que Justiça defendemos
Admitindo exceções?

Repito: eu sou um gay
Veado, homossexual!
Sou eu um fora-da-lei?
Delinqüente, marginal?
Tenho direito a viver?
Ou minha sina é morrer
Sob a lâmina de um punhal?

Digam, senhores jurados!
E povo da minha terra!
Quem deve ser condenado?

É este que aqui vos berra?
Ou a tal homofobia?
Que mata à luz do dia
Vai à missa, ora e enterra?

Eu quero finalizar
Pedindo para os doutores
Comecem a se indagar
Olhem-se nos corredores
Quem não conhece um gay?
São todos foras da lei?
Ou há algum entre os senhores?

Quem nunca teve um colega
Quem sabe até um parente
Aquele a quem você nega
O direito de ser gente
De existir, ser feliz
Ser dono do seu nariz
E levar a vida contente?

Vamos, pensem um segundo!
Antes do seu veredito
Quem aqui criou o mundo?
E tudo o que “está escrito”?
Não é este o argumento?
Que lhes serve de cimento
Sobre o que tenho dito?

Deixo agora com vocês
O direito de julgar
Não é mais a minha vez
Fale quem quiser falar
Condenada a homofobia
Quem sabe por mais um dia
Muitos possam respirar

Sendo ela absolvida
Certamente ouvirão
Dizer que mais uma vida
Foi ceifada no sertão
E também no litoral
Onde gay não é igual
A qualquer um cidadão

Data vênia, meus senhores
Mas isto é covardia
Onde eu for, onde tu fores
Sempre dor e agonia
Ponham um ponto final
Sou um homossexual
Tenho direito ao meu dia!

terça-feira, 3 de junho de 2008

LESBECAUSE

Se preferir, ouça na voz de Deth Haak, clicando AQUI!
Let me see se apre(e)ndi
A língua da mulher gay
Deixe-me ver se (ab)sorvi
O tal do verbo to say:
Seio you, seio me, seio we
Lesbecause let me see
Em junho tem
happy day

Por causa das lesbianas
Agora sou poliglota
Lésbicas ou pubianas
Já não as acho idiotas
Os lábios roçam as bocas
As bocas parecem loucas
Sedentas, mudam de rotas

Por causa das lesbianas
Surge a visibilidade
Algumas moças insanas
Se exibem com vaidade
Fazem manifestação
Mostram peito e coração
Se alastram pela cidade

Por causa das lesbianas
As feministas ampliam
A pauta das veteranas
Sussurram, berram e miam
Dizem “mulher com mulher”
E já não dá jacaré
Como muitos presumiam

Por causa das lesbianas
As línguas se entrelaçam
As bocas se chamam xanas
As xanas se chamam rachas
As rachas se chamam
girls
Garotas chupam freegels
Free girls chupam
muchachas

Por causa das lesbianas
Na ponta da lingua vem
Umas palavras sacanas
E um jeito de querer bem
Um dedo de prosa boa
Uma mão boba, à toa
Que move como ninguém

Por causa das lesbianas
É feita a tal discussão
Se Marias vão com Anãs
Por que chamar sapatão?
Preconceito dê no pé!!
O chato é ter chulé
Amor não faz calo, não

Por causa das lesbianas
A luta por igualdade
Impõe teses mais humanas
Requer a diversidade
Só a sociedade viva
Não hetero-normativa
Permite a felicidade

Por causa das lesbianas
Fala-se de peito aberto
Bonecas de porcelana
Não se pode ver de perto
Quanta historia mal contada
Quanta mulher mal amada
Por causa “do jeito certo”

Por causa das lesbianas
La vulva! Esquerda! Volver!
Enganam-nos qual iguanas
Estranha e dócil: por quê?
“Tímida e espalhafatosa”
Exposta e misteriosa
Na seca aprende a chover

Por causa das lesbianas
Minh’arte usa outro tom
Qual as culturas ciganas
Que exibem múltiplo som
Profanamente sagradas
Linguagens são agregadas
Colando lábio e batom

Por causa das lesbianas
Nem só a cultura é oral
Abaixo as falas tiranas
“Pedra é pedra, pau é pau”
Não “é o fim do caminho”
Lesco-lesco e roçadinho
Sugerem outro final

Por causa das lesbianas
As “águas de março” vêm
Lavadas pelas baianas
Do jeito que só faz bem
No oito do mês de festa
Abra-se mais que uma fresta
Pra Ela falar também

Por causa das lesbianas
Escrevo mais um cordel
Dedicado às Fulanas
Com registro em papel
Exorto-as a amar
Bem como a comemorar
A vida embaixo do Céu

Em face da Lesbecause
Falo em direitos iguais
Não só pra mexer no mouse
(Mas pra fazer muito mais)
É que se fez nossa mão
Nossa boca e coração
Nossa língua e nossos ais

Em nome da causa delas
Façamos uma Parada
Pra expor nas janelas
Em letras arroxeadas:
Nenhum direito a mais!
A menos também jamais!
Esta é a grande sacada!

A HISTÓRIA DE ZÉ LEITOR


Zé recebeu um convite
Que nunca foi feito antes
Pois era coisa de elite
Ou de jovens estudantes
Foi chamado a estudar
Escrever, ler e contar
Quanta coisa interessante!

Ficou meio pensativo
E disse para a mulher:
“Inté hoje eu sobrevivo
Sem sabê lê um papé
Agora nessa idade
Num tenho capacidade
Vou andar de marcha à ré?”

“Já não tenho condição
De aprendê o bê-a-bá
Tenho preocupação
Vivo só pra trabaiá
Agora esta invenção
Estudá, fazer lição
Para mim isto não dá”

A mulher disse: “José
Tu tá com medo de quê?
Sempre foi home de fé
Vai agora esmorecê?
Ta rejeitando a escola?
É direito e não esmola
Conforme ouvi dizê”

“Além do mais hoje em dia
Ninguém mais fica de lado
Aqui pela cercania
Tá todo mundo letrado
Home, muié e minino
Só tu não tá assitindo
O Brasil Alfabetizado”

“O povo qué estudá
Vai atrás e se concentra
Não dá pra desanimá
Na vida tudo se enfrenta
O passado já passou
O presente começou
O futuro a gente inventa”

“É mermo, tu tem razão
-disse José, de repente-
Num vou pagá um tostão
Isto me deixa contente
Vou apanhá um caderno
O mais bonito e moderno
E vou me dá de presente”

“Vou estudá, tá na hora
Vou tentá aprendê lê
Se eu nunca fui à escola
Não foi falta de querê
Desde cedo trabaiando
Meu velho pai ajudando
Levei a vida a sofrê”

“Assim como eu, milhares
Por este Brasil afora
Basta olhá nos olhares
Ninguém mais nos ignora
Eu vou sim, tô na peleja
Nada nos vem de bandeja
É chegada a minha hora”

“Vou tirá o atrasado
Nunca é tarde pra aprendê
Criança fui pro roçado
Hoje não sei escrevê
Mas sei que posso tentá
É tempo de avançá
Chega de teretetê”

A mulher disse: “Você
Já tá falando bonito
Mesmo não sabendo lê
Nada do que tá escrito
Já mostra que tem futuro
Vejo que está seguro
E em você acredito”

“Sei que é um dereito seu
Ter acesso aos estudo
Do tanto que tu viveu
O mundo mudou em tudo
Vá, José, vá estudá
Você só tem a ganhá
Já é um homem sortudo”

“Eu mermo sei lê um tico
Sei fazê um bilhetinho
As vezes até medito
E sonho mais um pouquinho
Se eu voltá a estudá
De tudo vou me alembrá
E progrido ligeirinho”

Zé ouvindo aquilo tudo
De pressa se decidiu
Deixou o olhar sisudo
O coração consentiu:
“Não custa nada tentá
E é tão bom estudá”
Pegou as coisas e saiu

Então foi ele à escola
Cheio de ansiedade
Levava numa sacola
Sonho e realidade
Chegou na sala e entrou
A professora falou:
“Nossa, que felicidade!”

“Seja bem vindo, amigo
Aproveite este momento
Esta escola é um abrigo
Tome logo seu assento
Aqui todo mundo ensina
Cada um é uma mina
Carregada de talento”

Cada um sabe um pouco
Da vida que tá lá fora
Antônio hoje está rouco
De gritar que vende amora
Maria, que é cozinheira
Hoje viu João na feira
Pertinho de onde ela mora”

“Maria Lúcia é avó
Joaquina se aposentou
Eduarda é o xodó
Porque nunca se casou
Socorro é rezadeira
Luís vai à gafieira
E Joana luta judô”

“São todos gente madura
Autoridades no lar
Ninguém aqui tem frescura
Todos querem estudar
Falamos do dia-a-dia
Um pouco da carestia
E de tudo quanto há”

José logo foi gostando
Daquele novo ambiente
Foi logo se enturmando
Achando o povo decente
Olhou em volta e sorriu
À vontade se sentiu
Pois “gente gosta é de gente”

Pegou papel e caneta
Ouviu a explicação
Lembrou da velha marreta
E do surrado macacão
As letras se embaralhavam
Parece até que mangavam
De sua concentração

Espremendo bem a vista
Ouviu tudo direitinho
No quadro tinha uma lista
De nomes bem bonitinho
A professora feliz
Usava um taco de giz
E falava bem mansinho

Tinha um “a” de avião
Um “e” de escadaria
Um “i” de informação
Um “o” de ovo, havia
Um “u” de uva, também
E ele, como ninguém
Naquilo se envolvia

Todo dia ele estudava
Depois de ter trabalhado
A professora falava
E ele compenetrado
Tinha muita explicação
Depois vinha uma lição
Do que fora ensinado

Via os colegas dizerem
Que queriam se formar
Pra uma festa fazerem
E muita gente chamar
Ele até pensava nisso:
“Imagine o rebuliço
Que neste vai dá”

Chegava em casa cansado
Ligava a televisão
Porém ficava espantado
Com tanta complicação
Via que pouco entendia
Pois como ainda não lia
Tudo era confusão

Viu a novela, o jornal
Ouviu notícias do mundo
Mas ao trocar de canal
Adormeceu num segundo
Sonhou com uma caneta
Comandando este planeta
E um papel branco de fundo

“Vixe que coisa medonha
Uma caneta falante
Com uma cara risonha
E em tamanho gigante”
E a caneta dizia:
“Olá, José!” e sorria
E lhe dava um diamante

Sobressaltado acordou
Achando aquilo estranho
De um desenho lembrou
Da forma, cor e tamanho
Olhou para seu netinho
Beijou-o devagarinho
Saiu e foi tomar banho

Achou que aquele sonho
Tinha algo a lhe dizer
Mas era muito medonho
No jeito de aparecer
Pra que caneta e papel
Comandando uma babel
Como podia entender?

Foi trabalhar matutando
E à noite foi estudar
A professora falando
E ele só a pensar
Na caneta e no papel
Sobrevoando o céu
Querendo lhe seqüestrar

Nesta noite nada viu
Que pudesse entreter
Quando da sala saiu
Sem nada ali entender
A professora sentiu
Que ele nada ouviu
E foi sondar pra saber:

“O que há com o senhor
Que nada quis comentar
Parece que não gostou
Da aula, do ensinar”
Ele disse: “não senhora
Eu tava meio por fora
Nada tenho a me queixar”

Ela insistiu: “o senhor
Tava absorto, perdido
Eu lhe peço, por favor
Não se sinta preterido
Se estiver desgostoso
Ou quem sabe ansioso
Pode se abrir comigo”

“Não, senhora, Ave Maria
A aula é muito boa
Me desculpe eu não queria
Ofender sua pessoa
É que eu às vezes penso
Este mundão é imenso
E a vida da gente voa”

“Eu tô aqui nesta idade
Tentando aprendê lê
Pois na minha mocidade
Isto não podia sê
Vivia para o roçado
Ganhando pouco, empregado
Vivendo ao léu, a mercê”

“Por isso mesmo o senhor
Deve dar valor a vida
Se viveu, se batalhou
Se sofreu sua ferida
Deve lembrar o poeta
Que constrói a sua meta
Na palavra proferida”

Diga que “valeu a pena”
Pois tudo vale na vida
“Se a alma não é pequena”
Nela tudo tem guarida
Viva o daqui pra frente
Vale viver o presente
Desta vida comovida

Ele disse: “a senhora
Tá coberta de razão
O que disse só melhora
O meu velho coração
Vou, sim, aprendê a lê
E um dia hei de escrever
Um verso cheio de emoção”

“Com muito afinco e prazer
Meteu a fazer lição
Queria logo aprender
E abrir sua visão
Dizia a sua mulher
Agora eu boto fé
Que serei um cidadão”

No trabalho ele falava
Do mundo que descobria
O servente o olhava
E muito pouco entendia
Mexendo massa e cimento
Só via o mundo cinzento
Por que tanta euforia?

No caderno escrevia
O próprio nome: J-O-S-É
Em voz alta ele lia:
“Jota, ó, ésse e é”
Falava de sua história
Do que tinha na memória
Da vida como ela é

Assim fazia progresso
Mas as vezes se zangava
Quando pegava um impresso
E pouca coisa encontrava
Do mundo em que ele vivia
Pois toda coisa que lia
De outro mundo falava

Ficava desiludido
Com tanta dificuldade
Sentava meio abatido
Contava sua idade
“Já tenho sessenta anos
Eu nem posso fazê planos
De ir para faculdade”

Mas a mulher companheira
Que um pouco sabia ler
Dizia à sua maneira:
“Zé, não se deixe abatê
Tu lendo a tua vida
Melhorando tua lida
Já é bastante o crescê”

Zé ouvia aquilo tudo
E matutava, baixinho:
“Nunca vou tê um canudo
Sempre serei Zé Povinho
Esse negócio de lê
Contá, falá, escrevê
Não é bem o meu caminho”

Mas ao mesmo tempo via
Que muita coisa mudava
Quando ia a padaria
O troco ele contava
Fazia atenta sondagem
Lia toda embalagem
Daquilo que ali comprava

Ao tomar a condução
Ia no transporte certo
Ao receber um cartão
Já entendia correto
Uma ficha preenchia
Um jornal ele já lia
O mundo tava mais perto

Mas algo ele queria
E desejava fazer
Seria naquele dia
Não podia mais conter
Iria ele, afinal
Ao cartório eleitoral
Seu nome subscrever

Queria votar, então
E decidir seu destino
Ao apertar o botão
Não se sentir tão cretino
Queria ver o seu nome
Assinar seu sobrenome
Na folha de papel fino

E assim tudo se deu
Ele se sentiu completo
Vendo ali o nome seu
E não mais “analfabeto”
Que prazer ele sentia
Ate chorou nesse dia
Olhando do piso ao teto

Mas outro desejo tinha
E queria realizar
Faria uma cartinha
Pra seu amor declarar
Diria para Helena
Sua esposa: “Pequena,
não me canso de te amá”

Queria deixar escrito
O que nunca registrou
Num texto muito bonito
Falando só de amor
Queria dizer a ela
Igual se diz na novela:
Você é a minha flor!

Mas tinha aquela vergonha
Podia parecer tolo
Tem coisa que a gente sonha
E a vida passa o rolo
Um homem da sua idade
Falar de amor e saudade
Só tendo cara de bolo

Procurou a professora
E falou do Ceará
Da seca devastadora
Que ele já viu por lá
Disse que tinha um parente
Que gostava de repente
E lhe ensinou a gostar

Disse que nas cantorias
Dos cantadô de viola
Sempre tinha uma magia
Igualzinha a da escola
As palavra vinham vindo
E os verso iam saindo
La do fundo da cachola

Falou que ouviu cordel
Ser declamado na feira
Um poeta, um menestrel
Desses sem eira nem beira
Ensinava o povo lê
Sem grande esforço fazê
Somente na gemedeira

Disse que na sua terra
Tem verso para quem qué
E que lá tem uma serra
Por nome de Assaré
Onde um poeta roceiro
O maió dos brasileiro
Mal rabiscava um papé

O poeta Patativa
Que Deus o tenha no céu
Foi uma ave nativa
Para o país um troféu
Home de pouca leitura
Mas de palavra segura
Partiu envolto num véu

A professora propôs:
Que tal você recitar
Hoje, amanhã ou depois
Do poeta popular
Um verso bem empolgado
Pra lembrar do seu passado
E também do seu lugar?

Que tal você nos trazer
Um cordel para leitura
Para a gente conhecer
Esta augusta criatura:
Patativa do Assaré
Que o mundo sabe quem é
Cheio de força e candura

Zé ficou maravilhado
E disse: Eu trago, sim
Já estou emocionado
É importante pra mim
Lê algo que me encanta
Que minha alma levanta
Obrigado, meu Padim!

E assim foi que se deu
No final daquele ano
Zé, logo que amanheceu,
Já tava fazendo plano
Mas suas pernas tremiam
Os lábios estremeciam
Era grande o desengano

No trabalho mal falou
E o companheiro sentiu
Um aperto o sufocou
Sua voz ninguém ouviu
Tava nervoso, coitado
Não se achava preparado
Pra tarefa que assumiu

Chegando em casa de volta
Da construção que fazia
A mulher viu a revolta
Pois seu olhar não mentia
E disse: Ô meu José
Onde anda a tua fé
Que é tua garantia?

Tá nervoso, acabrunhado
Porque vai se apresentá
Teu terno tá engomado
Eu já vou me arrumá
Quero vê tu recitando
Lendo um verso e comentando
Etecetera e coisa e tá

O medo se agigantava
E José não quis comer
Toda noite ele jantava
Conversava como o quê
Mas nesta noite, tadinho
Mal bebeu um bucadinho
Do chá que mandou fazê

E então todos partiram
Para a comemoração
Os colegas consentiram
Na tal apresentação
José faria a leitura
Dum cordel da criatura
Mais famosa do sertão

Na platéia a lhe sorrir
A mulher e um vizinho
Também estava ali
O servente “Seu Toninho”
Os colegas orgulhosos
Todos muito atenciosos
Para ouvir o tal versinho

Zé foi chamado e aplaudido
Mas só Deus via a aflição
Ela tava tão perdido
Quase golfa o coração
Mas mesmo assim começou
Primeiro ele explicou
Quem foi Patativa, então

Disse que foi O Poeta
Mais sagrado do nordeste
Que sempre foi sua meta
Falar do cabra da peste
E que ficou conhecido
Por ser cantado e lido
Do litoral ao agreste

Sendo assim vou recitá
Um poema conhecido
Vaca Estrela e Boi Fubá
Foi gravado e foi ouvido
Um cantô do Ceará
Em sua voz fez soá
Em tom de pranto e gemido:

I
“ Seu dotô, me dê licença
Pra minha história eu contá
Se hoje eu tou na terra estranha
E é bem triste o meu pená,
Mas já fui muito feliz
Vivendo no meu lugá
Eu tinha cavalo bom,
Gostava de campeá
E todo dia aboiava
Na portêra do currá
È ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá

II

Eu sou fio do Nordeste,
Não nego meu naturá
Mas uma seca medonha
Me tanjeu de lá pra cá
La eu tinha meu gadinho
Não é bom nem maginá
Minha bela Vaca Estrela
E o meu lindo Boi Fubá,
Quando era de tardezinha
Eu começava a aboiá
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Ô ô ô ô Boi Fubá
III
Aquela seca medonha
Fez tudo se trapaiá;
Não nasceu capim no campo
Para o gado sustentá,
O sertão esturricou
Fez os açude secá
Morreu minha Vaca Estrela
Se acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto tinha
Nunca mais pude aboiá
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá

IV
E hoje, nas terras do Su
Longe no torrão natá
Quando vejo em minha frente
Uma boiada passá
As água corre dos óio
Começo logo a chorá
Me lembro da Vaca Estrela
Me lembro do Boi Fubá;
Com sodade do Nordeste
Da vontade de aboiá
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá”

Todos então aplaudiram
A leitura emocionada
Muitos ali nunca ouviram
O som de uma toada
Ficaram muito tocados
Alguns choraram calados
Naquela noite encantada

A professora Luzia
Disse: Que bela leitura
Pois antes eu não sabia
Da sua desenvoltura
É bom a gente entender
E ver um leitor nascer
Ensinando outra cultura

Vejo que muito de vós
Se desencantam ao ler
Mas cabe sempre a nós
Procurar lhes conhecer
Pois é preciso criar
Formas de estimular
E o neoleitor envolver

Com um poema matuto
Zé mostrou que sabe ler
Ler a vida, ler o mundo
Ler um texto e escrever
Se reconhecer sujeito
Ler e ficar satisfeito
Por tudo ali entender

Escolhendo a leitura
Pelo autor e pelo tema
Mostrou de forma segura
Que aprecia um poema
Que fala do que lhe toca
E emoção lhe provoca
E faz a vida amena

Eis uma boa lição
Que Zé nos deu neste dia
Sua apresentação
Causa gosto e alegria
Estimula a prosseguir
A sonhar e evoluir
Com muita fé e magia

Zé, então, agradeceu
A condição de aprendiz
E tirou do bolso seu
Um pedacinho de giz
E disse: Quero escrevê
Para meus colega lê
O que meu coração diz

Do quadro se aproximou
E rabiscou devagar
A professora notou
Que ele estava a chorar
Uma frase desenhou
Dizendo: “Eu nada sou
Sem Helena a me amar”

Uma colega foi lendo
O que José escrevia
Helena se comovendo
Falar já não conseguia
Toninho, o companheiro
Decidiu-se bem ligeiro
Que também aprenderia

Falou para os presentes:
Eu farei como José
Estamos todos contentes
Vejo agora que da pé
Vou também aprender ler
Contar, falar, escrever
E amar minha mulher

Foi muito contagiante
O momento da leitura
A partir daquele instante
Surgia nova postura
Ficando ali declarado
Brasil Alfabetizado?
Pra todos literatura!

E assim se deu então
A história de Zé Leitor
Não foi contada em vão
Aqui fala o narrador
O nosso objetivo
É dizer que sem ter livro
Não vale o que se plantou

E livro de toda cor
Livro que fale de tudo
Não só livro de doutor
Nem só livro de estudo
Livro para relaxar
Para rir, para chorar
Para cego e para mudo

Que venha livro a mão-cheia
Que venha livro de esquema
Livros fartos para a ceia
Livro de reza e poema
Livro de gente modesta
De guerra, luto e festa
De romance e de cinema

Livro para estimular
A quem aprendeu a ler
Livro para conquistar
Quem não sabia escrever
Livro para abrir a mente
Que deixe a gente contente
E que se faça entender

Que ninguém deixe de ler
Porque não pode comprar
Que o povo possa viver
Literalmente a amar
A nossa literatura
Que representa a cultura
De todo canto que há

Assim então nós teremos
Um Brasil maravilhado
Pois todos nos já sabemos
Como se deu no passado
Poucos nesta terra liam
E quanto menos sabiam
Mas fácil eram enganados

Hoje com a educação
Para jovem e adulto
Não basta terem na mão
Um livro de grande vulto
É preciso estimular
O prazer de estudar
A partir do seu reduto

Aos poucos se vai sabendo
Que somos um universo
Quando se vai conhecendo
O valor que tem um verso
Pois na terra de José
Só se bota no papé
Aquilo em que tá imerso

Literatura em geral
Deve se patrocinar
Desde a cultura oral
Á mais moderna que há
Um blog de poesia
Pra se ler com alegria
Quando já se chegou lá

Por fim, que o Zé Leitor
Possa servir de esperança
E que cada professor
Equilibre na balança
Um pouco de seu saber
E do que pode aprender
Com velho, moço e criança

Que a escola do mundo
Mostre o seu conteúdo
Pois o saber mais profundo
Não se extrai só dum canudo
Que a leitura da vida
Possa ser a preferida
Tal qual num cinema mudo

Zé Leitor é ficção
Mas há na realidade
Abrindo o coração
Se vê José de verdade
Querendo ler um cordel
Ou rabiscando um papel
No campo ou na cidade

É só abrir a janela
E ver a realidade
Nem toda historia é novela
Nem todo choro é saudade
Nem todo texto se vende
Nem toda obra se entende
Nem todo velho é de idade

Nem todo Leitor é Zé
Nem toda obra é de arte
Nem todo pé tem chulé
Nem toda pausa é enfarte
Nem sempre o tempo é perdido
Nem todo escritor é lido
Nem tudo que trinca, parte

Nem sempre a educação
Corrigiu desigualdade
Nem toda proposição
Contempla a diversidade
Nem todo alfabetizado
Lê um texto emocionado
Com amor e sinceridade

Aqui fica o meu recado
Eu que adoro cordel
Se ficou interessado
Por este simples papel
Me manda uma carta, entao
Pois ninguém escreve em vão
Quando o limite é o céu!