Cordelirando...

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Visão do "STF" sobre a LEI ELEITORAL ou o HUMOR AUTORIZADO (kakakakakakakaka!)

Mais uma vez reunidas
Samira, Tonha e Francisca
-já de todos conhecidas-
Seguem a Carta à risca
Tonha pergunta intrigada:
Já podemos dar risada
Sem virarmos boa bisca?

Francisca diz assustada:
Eu penso que ainda não
Mas Samira apressada
Faz uma observação
Dizendo: nobres colegas
Quem sabe interpretar regras
Não teme bicho papão

Lembremos que o debate
Envolve um tema atual
Pois se trata do arremate
Da tal Lei Eleitoral
Que em plena democracia
Constrange a sabedoria
Do humor-vida-real

Restringindo a liberdade
De imprensa e de expressão
Causando iniquidade
A quem quer informação
Ressuscitando a censura
Enclausurando a cultura
Abortando a criação

Eis o que dizem da lei
Nove cinco zero quatro
Amiúde examinei
E digo que é, de fato,
Contra a Constituição
Os incisos em questão
Que causam espalhafato

E nós, como personagens
Do grupo S.T.F
(Samira, Tonha e Francisca)
-trabalhadoras sem chefe-
Temos que analisar
Decompondo até sangrar
Como Jack, o margarefe

Perquirindo ponto a ponto
Da insensatez da norma
Realizando o confronto
Entre conteúdo e forma
Havemos de afastar
O que pode atrapalhar
O que a jurisdiction informa

É isso mermo, muié
-sustenta Tonha, altiva-
Vamo metê a cuié
E liberá a saliva
Dá vez a opinião
E voz a escuiambação
Pois elas também tão viva

E o povo munto que aprende
Com uma boa piada
As vêiz a gente intende
Mais do que coisa ixpricada
E de séria, basta a vida
Explorada e oprimida
Curta e violentada

Além do mais já sabemo
Como são os procedê
Cum Ficha Limpa aprendemo
Ligêro dá parecê
Portanto eu merma insisto
Vamo dá um veredito
Pro Brasil rir a valê

Tu tens razão, companheira
-fala Francisca, sem medo-
E eu como jornaleira
Vou te contar um segredo:
O povo busca nas bancas
O que ficou na retranca
Das falas fora do enredo

Se o rádio e a tevê
Não podem falar de tudo
Só para não ofender
O político carrancudo
Então a lei o protege
E quando ele se elege
Dá um golpe bem graúdo

Por isso é importante
Em período eleitoral
Não permitir que o gigante
-que por lei é maioral-
Deixe calada a imprensa
Pois o ficha suja pensa
Que o riso sempre faz mal

Oxente! - exclama Toinha -
Mais nóiz temos que aguentá
Um monte de ladainha
E a ruma de blablablá
No horário eleitoral
E ninguém diz que faz mal
Nem tem lei pra impatá

E é cada piada horrive
Que num tem graça ninhuma
Tem uma que deusalive
A muié só faiz as zunha
Pra mode podê robá
E as mão limpa mostrá
Mais esta é só mais uma

E tombém tem um cumpade
Que já faz ano que mente
Anda abraçado c'os pade
E as véia tudo sem dente
Bejando minino pobe
Mais iscondendo seus lobi
Com otros tipo de gente

Purisso que eu prefiro
As piadas dos artista
Pruque com eles eu miro
Que todo riso dá pista
Do que tá acontecendo
E eu vô me convencendo
Do q'eu vô tirá da lista

Tombém num vejo pobrema
Nem mermo homilhação
Pois ridíclo é os esquema
Robalhêra e mensalão
Corrupição e ingodo
E toda a lama e o lodo
Que sai dessa podridão

Entendo sua revolta
-afirma Chica, serena-
Mas olhe a sua volta
Nem tudo é horror e pena
Um povo bem informado
Consciente e educado
Pode mudar o sistema

Ademais informação
Sem censura e sem corte
Já virou foi tradição
Em Juazeiro do Norte
Onde um Presidente coxo
Gritou: “tenho aquilo roxo”
E a imprensa pegou foi forte!

Daqueles tempos pra cá
- e essa é pra gente rir -
Juazeiro ''é o lugar''
Bom pra imprensa agir
Ali ninguém sofre nada
Nem sequestro, nem porrada
Nada disso tem ali

Toinha mangando diz:
Tô com tu e num arreganho
Pogrido como aprendiz
E nada mais eu estranho
Eu quero é fazê Justiça
Sem precisar da puliça
Batendo no meu rebanho

Francisca por sua vez
Sustenta com parcimônia:
Confesso só pra vocês
Que essa lei me envergonha
Eu adoro o CQC!
Amo o Pânico na TV!
Casseta e a Zorra medonha!

Então colegas, julguemos
-fala Samira, encantada-
E duma vez extirpemos
Esta regrinha enfezada
Concedamos liminar:
“Deixe o humor trabalhar”
E vamos dar gargalhadas

Tá feito, tá decidido
-declara Francisca então-
Os incisos estão falidos
(Viva a Constituição!)
É ''interpretação conforme''
Mando um abraço enorme
Pra Gentili e o Malandrão

Um beijo pra Hélio Peña
Cláudio, Marcelo e Mazzeo
Lúcio Mauro, quer 'vim' venha
Sabrina Sato - ih, fudeu!
Tiririca e Batoré
Pro blog ''o Caboré”
E o Cordelirando meu

Alô pra Tom Cavalcante
Chico Anísio e Jô Soares
E pra marinha mercante
-desbravadora de mares-
Peço bênção a Mussum
-eu também sou de Oxum-
E ando por outros ares

Saudação a Zacarias
Costinha e Macalé
Deus me dê muita alegria
Me fortaleça na fé
Que venha o carnaval
Que é constitucional
E exige samba no pé

E pra todos humoristas
Cartunistas e atores
Desenhistas e chargistas
Satiristas, gozadores
Palhaços e cordelistas
Bêbados e equilibristas
Vambora rir sem temores

E se vier candidato
Se sentindo ofendido
Querendo pagar o pato
-nosso prato preferido!-
Vamos dizer bem assim:
Cambada de gente ruim,
Nem Jesus foi protegido!

Afinal foi a ABERT
-diz Francisca incisiva-
Que pra não deixar inerte
E nem tão pouco à deriva
Retirou da pasmaceira
A Justiça brasileira
Propondo ação assertiva

Impetraram uma ADIN
-fala Samira agora -
Objetivando assim
Mandar a censura embora
E nós unanimemente
De maneira convincente
Decidimos sem demora

Eu, Tonha e Francisquinha
Agimos com rapidez
Era o que nos convinha
Pois chega o último mês
Da campanha eleitoral
Que só na reta final
Terá humor pro freguês

Tanto nossa liminar
Como a decisão final
Tenderá a resguardar
A lei constitucional
Que enquanto Lei Maior
-como disse minha avó-
Mata a cobra e mostra o pau

Calma, calma companheira
-diz Francisca intrometida-
Quero ser a mensageira
Da parte que não foi lida
Pois julgo interessante
Fazer súmula vinculante
Pois segue quem ama a vida:

Todo estudante e ministro
Desta igreja universal
-vão dizer: isto é sinistro!,
(quem manda vestir igual?)-
Deve rir um bocadinho
Nem que seja do povinho
Que faz cordel quebra-pau

Deve aprender que o povo
Também entende de lei
Não digo nada de novo
Porém que saiba o rei
Que precisamos de humor
De paz, saúde e amor
Mesmo sem ter happy day

Assim é a decisão
Publique-se no jornal
Humor traz outra visão
Pra formação cultural
Da plena cidadania
Que com certeza amplia
Nosso papel social

Samira diz, minha amiga
Agora chegou ao fim
Não busquemos mais intriga
Senão vai sobrar pra mim
Quero só mandar abraços
Fortalecendo meus laços
Com meus anjos querubins:

Saúdo os meus alunos
Amados do coração
Meus devotados insumos
Humanos de estimação
Carlos, Celso e Gilmar
Ellen, José e Cesar
Carmem, Marco e Ricardão!

sábado, 14 de agosto de 2010

VISÃO DO "STF" SOBRE A LEI FICHA LIMPA




Um grupo de três mulheres
(Samira, Tonha e Francisca)
Metendo suas colheres
Nossa Justiça belisca
Num debate educativo
Em tom interpretativo
Jurisprudência rabisca

Samira é professora
De direito eleitoral
Tonha é agricultora
E Francisca vende jornal
No Teatro Cordelírio
Onde folheto é colírio
Pra lente multifocal

É um trio de brasileiras
Que vive honestamente
Pois seu suor paga a feira
Que fazem quinzenalmente
Além de imposto demais
Pagam luz, saúde e gás
Água, escola e absorvente

Por isso o seu interesse
Na política do país
Que num dia como esse
Pode estar por um triz
Se o povo não se envolver
Não lutar, não resolver
Da questão, o velho X

Assim começa a história
- da conversa feminina -
Na casa de Olga Vitória
Tetraneta de Ursulina
Onde a decisão final
Vai circular no jornal
Ficha Limpa da Esquina

Samira então é chamada
Por suas grandes amigas
Para matar a xarada
E resolver uma intriga
Elas querem entender
Pra depois dar parecer
Sobre essa questão antiga

Para melhor entender
O caminhar da conversa
Em vez do nome dizer
A inicial é imersa
E ao longo de toda fala
Uma letrinha intercala
A opinião expressa:

T:
Cumade tu que entende
Das lei de nosso país
De tudo tu compreende
E cunhece na raiz
Exprique, por caridade
Cum toda sinceridade
O que o Ficha Limpa diz

F:
Nós desejamos saber
O que no rádio tá dando
É tanto teretetê
Na tevê tão comentando:
Ficha limpa, ficha suja
E nós com medo que surja
Um deles nos enganando

T:
Já preguntei para Joana
Zefa, Socorro e João
Gulora, Tica e Ana
Dedé e Sebastião
Eles também quer saber
Purisso peço a você
Resolva esta confusão

F:
Diga a nós de modo claro
Sem muito floreamento
Nem palavreado raro
Carregado de acento
Fale como num cordel
Tire de pressa esse véu
Faça um esclarecimento

S:
Vejam bem, nobres comadres
Não há nada complicado
Pra muitas autoridades
Isto é fato consumado
Pois a Lei Complementar
Veio pra moralizar
Protegendo o eleitorado

S:
Trata-se de um projeto
Que o povo mesmo criou
Um movimento correto
Que no Brasil se espalhou
Contra a corrupção
Que em toda eleição
A melhor sempre levou

S:
Por isto os cidadãos
Que honram nosso país
Pelas suas próprias mãos
Rascunharam a matriz
Desta lei tão importante
Que de agora em diante
Faz de nós todos juiz

S:
Foram um milhão e meio
Ou mais, de assinaturas
Pois a lei nasceu do seio
De quem estava à altura
De propor transformação
Pra esta grande nação
Pra deixá-la mais segura

T:
Apois então na verdade
O sentido dessa lei
Num vem duma faculdade
Nem dos código q'eu não sei
Vem da vontade das ruas
Da minha, dela e da tua
Conforme imaginei...

F:
É isso mesmo Toinha
Não é só doutor quem sabe
Tu não come com farinha
Discurso de autoridade
Inda mais nos nossos dias
Onde a democracia
Não tolera iniquidade

T:
Eu bem que desconfiei
Pois qual era o deputado
Que criaria uma lei
Para ele ser julgado?
E o povo ficar sabendo
O que eles andam fazendo
Com o voto dos desgraçado

F:
Mas deixe ela dizer
Um pouco mais para nós
Vamos nos esclarecer
Pra poder falar após
Quero ficar inteirada
Completamente informada
Para soltar minha voz

S:
Por esta lei o político
Vai ter que andar na linha
Sem usar de artificio
Como antes lhe convinha
Só pensando em se dar bem
Sem se importar com ninguém
Fazendo sua boquinha

F:
E agora o trapaceiro
Venal e espertalhão
Que se apossou do dinheiro
Do povo desta nação
Formando sua quadrilha
Nas eleições já não brilha
E nem merece perdão?

S:
Pois se já foi condenado
Por um grupo de juízes
Que declarou comprovado
Crimes de todos matizes
Contra a Constituição
Como poderá, então
Querer esconder deslizes?

S:
Se pela administração
Pública, não tem respeito
Se em cada eleição
Costuma fazer mal feito
Se praticou o racismo
Patrocinou escravismo
Como pode ser eleito?

S:
E se cometeu tortura
Sozinho ou em quadrilha
Se abusou da estrutura
Para si ou para a filha
Se droga financiou
Ou com ela se juntou
Na res pública não trilha

S:
Se não tem a Ficha Limpa
Por que daremos poder?
Se o eleitor garimpa
Quem poderá merecer
Seu voto de confiança
E também sua esperança
Pra ver o Brasil crescer

S:
Ter Ficha Limpa é preciso
Para se candidatar
É o primeiro aviso
Para a história mudar
Pois um país que se preza
Não dá poder a quem lesa
A Lei Maior do lugar

S:
Eis, então, minha comadre
O ''espírito da lei''
Aquele que nos invade
E faz do pobre um rei
Pois sua dignidade
É a principal qualidade
Que em sua ficha (a)notei

T:
Vixe Maria e é isto
Que o tal Ficha Limpa quer?
Que a gente passe um visto
E também meta a cuié?
Pra num tê mais um ladrão
No poder desta nação
Seja ele homi ou muié?

T:
Apois eu tô intendeno
Tudim que tu ixplicô
E parece q'eu tô vendo
A cara de meu avô
Quando dizia assim:
Cambada de gente ruim
Meu voto a vocês num dô!

S:
Exatamente, querida
É disto que estou falando
Quando a ficha é conhecida
Bandido não tem comando
Evita-se mensalão
E se faz a prevenção
Que abrevia o desmando

T:
Agora tem um pobrema
Que você num comentô
No meio dessa novena
Quem carrega o andô?
Pru quê nois vimo falá
Que já tem juiz que dá
Direito aos chei de cocô

T:
Pois mesmo sendo a lei boa
E vindo para arrumá
Tirá lama da lagoa
E o chêro de gambá
Eu tô vendo uns errado
Mesmo sendo condenado
Pedino pra nóis votá

T:
Dizem que tem uns juiz
Mais maió do que o zôto
Que deixa os disinfiliz
Darem pra lei um cotôco
Mangando da lei alvinha
Que depois de manchadinha
Nem mesmo sabão de côco!

F:
Mas antes que tu responda
Eu começo a matutar
Sinto que essa lei já ronda
Pras bandas do Ceará
Aqui já tem um magote
Que antes passava trote
Querendo nos enganar

T:
Mei mundo de sujismundo
Emporcalhava o poder
Dava uns golpe tão profundo
Fazeno o povo perdê
Mas com fé no Padim Ciço
Os que não tem compromisso
Nunca mais vão se elegê

T:
Bom mesmo era se tudim
Num pente fino passasse
Os que pegaram um jatim
E foram sem nem disfarse
Passear pelas Oropa
Comprando pano de copa
Pra sogra, muié e crasse

F:
E os que encheram cuecas
Com dinheiro de montão?
Ou que pegaram molecas
Para prostituição?
Estes aí tão limpados?
Bonitos, engravatados
No vigor da eleição?

S:
Calma, calma minha gente
A coisa já tá mudando
A vitória do presente
Há muito vem se formando
Foi dado o primeiro passo
Compremos régua e compasso
E vamos tudo traçando

S:
Como eu disse, esta norma
Nasceu no meio do povo
Pouco a pouco ela forma
Uma visão para o novo
Muda o olhar do jurista
E nos faz crer na conquista
Tal qual o pinto no ovo

S:
Cada um de nós podemos
Dar a contribuição
Somos nós quem elegemos
Temos o poder nas mãos
Expurguemos fichas sujas
Sanguessugas e corujas
Predadores da nação

F:
É isso mesmo colega
To com você e não abro
É o povo quem delega
O poder ao deputado
Senador e presidente
E o Governador da gente
Tem que ser limpo e honrado

S:
E se assim a gente quer
Então juntos nós podemos
Que a Justiça dê fé
E todos nós celebremos
O futuro desta terra
Pode ser feito sem guerra
Contanto que opinemos


S, T, F:

O nosso S. T. F.
Formado por cidadãs
Que não conhece benesses
Nem teoria alemã
Entende que pro Brasil
O Ficha Limpa surgiu
Pra esperança não ser vã!




* * *

* *

*




Créditos da Imagem: Google Imagem com adaptação

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

JUSFEMINA, sin frontera


Nosotras, las abogadas
De lenguas neo-latinas
Tenemos otra mirada
Que nos gusta y fascina
Queremos subvertir
Cuestionar, reconstruir
La calle y la oficina

Creemos que el derecho
Como todo su sexismo
De la cultura es hecho
Y desde el Feminismo
Lo podemos cambiar
Deconstruir, transformar
Más allá del garantismo

Entonces por las Américas
Desde el norte hacia el sur
com la fuerza atmosférica
De México hasta Perú
Panamá, Chile, Uruguay
Brasil, Cuba y Paraguay
Somos ellas: yo y tu

Venezuela al igual
Surinam y las Guayanas
Bolívia y Jamaica !wow!
Llamen las colombianas
Nicaragua y Honduras
Haiti también son duras
Como las dominicanas

De las Bahamas queremos
El Salvador y Granada
Argentinas invitemos
Guatemala, muy amada
Costa Rica, por supuesto
El Derecho no es puesto
Lo hacemos em la jornada

De la Antigua Barbuda
Barbados, Belice, claro
Las pedimos vuestra ayuda
San Cristoban y Tobago
Todas ellas, sin fronteras
Abogadas, guerrilleras
Es posible otro juzgado

Que vengan de Canadá
De los Estados Unidos
Vamos todas empezar
A mudar el definido
Abogamos otro mundo
De respecto muy profundo
Y cariño compartido

Por eso como propuesta
Quisiéramos incitarlas
A construir la respuesta
Y también a preguntarlas
? Es posible otro Derecho?
?El Feministo tiene hecho
Todo para cambiarlas?

Habeas bocas, compañeras
No es broma, es política
El Derecho es trinchera
Vamos a hacer la crítica
Pero hay que proponer
Para el cuerpo, el placer!
Nunca más seamos victimas!

Seamos protagonistas
De los cambios importantes
Si tu pienas estar lista
Para seguir adelante
Jus Femina, no hay frontera
Esta es nuestra bandera
Y vamos todas: avante!

sábado, 7 de agosto de 2010

DIA DOS PAIS

Meu pai por ser um pedreiro,
Dele muito me orgulho
Sempre foi muito guerreiro
Homem de muito barulho
Seja mexendo o cimento
Seja curando o tormento
Ele desata o embrulho

Sempre foi desenrolado
Atento, astuto, sabido
É homem pouco letrado
Porém muito esclarecido
Por isso nesse cordel
Reconheço seu papel
De pai teimoso e querido

Nascido em 44
No nordeste brasileiro
Um cearense de fato
Um matuto, um roceiro
Arribou de Várzea Alegre
Jovem, à sorte entregue
Foi se arranchar no Granjeiro

Chegou pela Cana-Brava
Trabalhou, foi serviçal
Arroz, feijão apanhava
Cuidou também de animal
Era um rapaz arrojado
Nunca foi acomodado
Era este um bom sinal

Viveu nas casas alheias
Longe do seu “habitat”
Ia acanhado pra ceia
Era comum se deitar
Em qualquer canto do chão
Porque não tinha um tostão
Pra uma rede comprar

Porém como desejasse
Melhorar a sua vida
E muito se interessasse
Em sair daquela lida
Resolveu então partir
Pra muito longe dali
Onde lhe dessem guarida

Sonhava em ir para o sul
E arranjar um emprego
Mirava o céu azul
Como quem quer um brinquedo
Mas um dia decidiu
Da Cana-Brava partiu
Foi enfrentar o seu medo

Nesse tempo já gostava
De quem hoje é minha mãe
Que ficou na Cana-Brava
Numa angústia sem “tamãe”
Foi lá pros anos 60
Que segundo ele comenta
“Havia progresso e gãe”

Fugindo do desemprego
No tal êxodo rural
Meu pai foi pedir arrêgo
Na maior das capital
E se vendo sem dinheiro
De lavrador a pedreiro
Subiu na vida, afinal

O ofício era pesado
Mas tinha de trabalhar
Ficava admirado
Com tantos prédios no ar:
“São Paulo é feito das mão
Dos nordestinos irmão
Que não param de chegar"

Depois dum tempo in Sampa
- tijolo, massa, cimento-
Viu um bem-te-vi que canta:
“na cacunda d'um jumento”
Era um quadro na parede
"No lugar de botar rede
Eles botam é monumento"

Quando juntou uns tostão
Veio para o Ceará
Somente pedir a mão
Desta que ficou por cá
Em poucos dias casou
E a esposa levou
Pra no sul dele cuidar

Cada ano que passava
Um filho via nascer
Em São Paulo um brotava
No Ceará, outro ser
Ao todo tiveram seis
Sou a segunda da vez
Cá estou para escrever

Por três décadas seguidas
Meu pai ia e voltava
Pontilhava nossas vidas
Ou cá, ou lá ele estava
Edificando a cidade
E perdendo a mocidade
Enquanto a gente estudava

Tijolo sobre tijolo
Ferro, massa, telha e cal
Aniversário sem bolo
São João, finados, Natal
Onde era mato, um produto
Igreja, escola, viaduto
Shopping, motel e canal

Seguia a vida querendo
Não fracassar, nem sofrer
Algumas noites bebendo
Outras no frio, a tremer
Muitas agruras passou
Até que o álcool deixou
E nunca mais quis beber

Fez muita casa aonde
A vida parece bela
E o arranha-céu esconde
Os barracos da favela
Deixou em cada azulejo
Tatuado um desejo
Que fosse aquilo novela

Viu o progresso de perto
E a miséria do lado
Falava de peito aberto
Com seu sotaque arrastado
“Eta sul fí d’uma égua
Um dia dou uma trégua
Vendo meus filho formado”

Enfim comprou uma terra
Nem míni nem latifúndio
Teve que entrar noutra guerra
Fazendo um corte profundo
Depois duma cirurgia,
Mudou o seu dia-a-dia
E retornou pro seu mundo

Voltou a viver no mato
Conforme sempre gostou
Mas não perdeu o contato
Com o mundo exterior
Agora rega o estrume
Contempla o vaga-lume
Colhe laranja e fulô

Deixou o prumo e a linha
Pegou enxada e pá
Tem lá a sua casinha
E terra pra cultivar
Merece a minha homenagem
Porém não tenho coragem
Desse verso recitar

Hoje é homem da lida
Do trabalho no roçado
Retornou à velha vida
Mesmo estando cansado
Pois para se aposentar
Teve ele que provar
Que nunca ficou parado

Mesmo assim ele é feliz
Porque no mato nasceu
Voltou a sua raiz
(o pedreiro não morreu)
Ressurge o agricultor
Com quem mamãe se casou
E deu origem a eu

Terminando esse poema
É preciso relembrar
Que o pedreiro foi tema
Pra um poeta exemplar
O grande Chico Buarque
Traduziu na sua arte
O seu valor singular

Com os olhos embebidos
Entre lágrima e cimento
Mas quase nunca esquecidos
Dessa vida de tormento
Subindo o patamar
Ou na roça a plantar
Reconheço seu talento

Operário em construção
Autoridade paterna
Homem de convicção
De atitude fraterna
Meu pai, um grande herói
A sua história constrói
A idéia que nos governa!

O CORDELIRANDO PARABENIZA A TODOS OS PAIS PELO SEU DIA!

sábado, 31 de julho de 2010

JANAÍNA DUTRA, ativista brasileira!

Um ser pra lá de humano
Cheio de luz e beleza
Divinizado e profano
Em sua imensa grandeza
Nasceu lá em Canindé
Terra de santo e de fé
Recanto da natureza

No estado do Ceará
No Nordeste do Brasil
Lugar bom de se morar
Foi ali que ela surgiu
Era o ano de sessenta
Quando, sob água benta
Para o mundo ela sorriu!

Jaime C. Dutra Sampaio
Era o nome do bebê
Cuja vida foi ensaio
De um eterno alvorecer
Criatura iluminada
Foi linda a sua jornada
Não podemos esquecer

Cresceu no interior
Entre velas e benditos
Sensível como uma flor
Também sabia dar pitos
Estudou, fez amizades
Conheceu outras cidades
Lutou e venceu conflitos

Rompeu fronteiras e medos
Virou intelectual
Se assumiu sem segredos
Como homossexual
Viveu como travesti
Digna de se aplaudir
Honrada e muito leal

Concluiu a faculdade
Ingressou na OAB
Demonstrou capacidade
Para muitos defender
Contra a discriminação
Violência e opressão
Nunca foi de esmorecer

Sempre foi muito afetiva
Com amigos e parentes
E bastante combativa
Contra males inclementes
Que seu gesto sobreviva
Como um anjo que cativa
Tatuado em nossa mente

Um ser muito especial
Amante da poesia
Militante nacional
Da ampla cidadania
Para lá de generosa
Altiva e maravilhosa
Cheia de cor e alegria

Eis a nossa Janaina
Ativista brasileira
Muito elegante e fina
Amiga e companheira
Advogada do amor
Musa de muito valor
Inteligente e guerreira

Grande diva nordestina
Defensora de direitos
Ela tinha como sina
Atuar em grandes pleitos
Tinha fé na Humanidade
Vivia a sua verdade
Contra todo preconceito

No Grupo de Resistência
Denominado Asa Branca
Forte foi sua presença
E sua palavra franca
E tod@s que a amaram
E seu exemplo guardaram
Já não ficam na retranca

ATRAC e ANTRA também
Reconhecem seu papel
Quem a conhecia bem
Lhe tiraria o chapéu
Jana, nossa grande estrela
Tivemos prazer em tê-la
Brilhe agora no céu!

Aos oito de fevereiro
Do ano dois mil e quatro
Nesta terra de romeiro
Viveu seu último ato
Partiu para o Universo
Para ser cantada em verso
Como rainha, de fato

Sob sua inspiração
Seguiremos a lutar
E sua linda missão
Vamos sempre ressaltar
Pedimos: descanse em paz
Pois neste solo inda jaz
Semente pra cultivar

Janaína, brasileira
Travesti reconhecida
Nossa eterna companheira
Salve tua grande vida
Pra ti um documentário
Exibindo teu cenário
E tua gente querida!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mais uma parceria Salete Maria / Deth Haak

A "Poetisa dos Ventos" recitou mais um cordel de Salete Maria.
O escolhido da vez foi o mais novo cordel de Salete:
O Caso Eliza Samudio e o Machismo Total
Acompanhe no video abaixo:




quinta-feira, 8 de julho de 2010

O CASO 'ELIZA SAMUDIO' E O MACHISMO TOTAL


O caso Eliza Samudio
Que tem chocado o Brasil
Emerge como prelúdio
De um grande desafio:
Exortar nossa Justiça
Pra deixar de ser omissa
Ante o machismo tão vil!

Trata-se de um momento
De grande reflexão
Pois não basta só lamento
Ou alguma oração
É hora de provocar
Propondo um outro olhar
Sobre processo e ação

Saiu na televisão
Rádio, internet e jornal
Notícia em primeira mão
Toda manchete é igual:
Ex-amante de goleiro
(Aquele cheio de dinheiro!)
Sumiu sem deixar sinal

Muita especulação
- discurso de autoridade-
Uns dizem que é armação
Outros dizem que é verdade
Polícia e delegacia
Justiça e promotoria:
Fogueira de vaidades!

Mei-mundo de advogados
Investigação global
Cada um no seu quadrado
Falando em todo canal
Subjacente a tudo
Um peixe muito graúdo:
Androcentrismo total!

A mídia fala em Bruno
Eliza e gravidez
Flamengo, orgia e fumo
-esta é a bola da vez!-
Tem muito 'especialista'
Em busca de alguma pista
Pra ser o herói do mês

E a história se repetindo
Mudando apenas o nome
Outra mulher sucumbindo
Sob ameaça dum homem
Uma vida abreviada
Cuja morte anunciada
A estatística consome

Assim é a violência
Lançada sobre a mulher
Ela pede providência
E cara faz o que quer
Mas a Justiça, que é lerda,
Machista, 'fazendo merda'
Vem com papo de mané

E oito meses depois
Da 'denúncia' inicial
Que é o feijão com arroz
Do distinto tribunal
Nadica de nada existe
Mas autoridade insiste
Que isto, sim, é normal:

“A culpa é do Instituto
Que não mandou o exame”
- isto soa como insulto
e daqueles mais infame-
Não era caso de urgência?
-tenha santa paciência!-
Para que serve um ditame?

A moça buscou amparo
Na Justiça do país
Agiu correto, é claro
E esperou do juiz
O tal reconhecimento
Sobre o pai do seu rebento
Tendo a vida por um triz

Também fez comunicado
Ao campo policial
Dizendo que o namorado
Praticou crimes e tal
Buscou as vias legais
Enfrentou feras reais
Terá sido este o seu mal?

Mesmo com a delegacia
Dita especializada
E com toda a apologia
De uma Lei avançada
Faltou ter a ruptura
Com aquela velha cultura
De que a mulher é culpada

E o cumprimento legal
No caso, muito importante
Seria mais um arsenal
Para enfrentar o gigante
Mudar a mentalidade
De nossas autoridades
É fator preponderante

E para que isto ocorra
Entre outra alternativa
Antes que mais uma morra
E o caso fique à deriva
É preciso compreender
Que Justiça é pra fazer
Enquanto a mulher tá viva!

Sei que nada justifica
Que haja tanta demora
E enquanto o caso complica
A vítima 'já foi embora'
Sem medida protetiva!
Sequer prisão preventiva!
Quanta inoperância aflora!

Se o exame era necessário
À elucidação do crime
O Estado-perdulário
Neste campo fez regime
Ficando no empurra empurra
No velho: ''mulher é burra,
e joga no outro time”

Todo crime tem problemas
De toda diversidade
Assim como há esquemas
Também há dificuldades
Mas pra mim é evidente
Que o machismo presente
Premia a impunidade

Machismo compartilhado
Por gente de toda cor
Do goleiro ao empregado
Do primo ao executor
Autoridades também
Implicitamente têm
Um machismo inspirador

Cada 'doutor' se expressa
Centrado no garanhão
É o mote da conversa:
Fama, grana e traição
Ao se referir a ela
Falam da menina bela
Que fez filme de tesão

Falta a compreensão
Da questão relacional
Gênero, classe, profissão
Cor e status social
O processo é narrativa
Que emerge da saliva
Falocêntrica-legal

E ainda que alguns digam
“Oh, Eliza, coitadinha”
E suas doutrinas sigam
Desvendando pegadinhas
A escola dogmática
Do direito-matemática
Perpetua ladainhas

Processo judicial
Só serve para punir?
Havia tanto sinal...
Não dava pra prevenir?
E a tal ação civil?
Alimentos deferiu?
Para o bebê consumir?

É um momento de dor
Para a família dos dois
O caso é multifator
Não basta dar nome aos bois
A lógica policial
Cartesiana e formal
Festeja tudo depois

Por isso se faz urgente
Conjugar gênero e direito
Pois um trabalho decente
Que surta algum efeito
Não se limita a julgar
Mas também a estudar
O cerne do preconceito

Homens que matam mulheres
Em relações de poder
Isto tem se dado em série
Mas é preciso entender
Que subjaz ao evento
Um histórico comportamento
Que vai construindo o ser

A nossa sociedade
Apesar da evolução
Reproduz iniquidade
E também muita opressão
Homem que bate em mulher
- E “ninguém mete a colher” -
Sempre foi uma 'lição'

Aprendida por goleiros
Delegados, professores
Motoristas, marceneiros
Pedreiros e promotores
Garçons e malabaristas
Médicos e taxistas
Juízes e adestradores

Por isto em nossos dias
De conquistas sociais
De novas filosofias
Direitos especiais
Não podemos aceitar
Justiça só pra apurar
Crimes tão excepcionais

Que a Justiça também
Sirva para (se) educar
Chega deste nhém-nhém-nhém
Deste eterno blá-blá-blá
A Lei Maria da Penha
Existe pra que não tenha
Tanta morte a lamentar!!!
* * *
* *
*
Créditos da Imagem, clique AQUI

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Coletivo: Camaradas!


Um grupo do Cariri
Com outra percepção
Faz da arte emergir
Nova significação:
Educação e estética
Luta, amor e poética,
Em conjunta atuação!


Educação informal
Política de integração
Emergência marginal
Periferia em ação
Preocupação social
Confluência cultural
Tudo em outra dimensão!


Fazer colaborativo
Muita socialização
Agir comunicativo
Múltipla compreensão
É o tecido social
Mostrando a vida real
Causando reinvenção!


A rua como estandarte
Da prática cultural
A teia viva da arte
Vibrando em todo quintal
Novas linguagens surgindo
O cheiro do que vem vindo
Em ebulição total!

Arte feita pelo povo
Em pleno meio da feira
Transformando arroz e ovo
Em notícia alvissareira
Gente comum atuando
Todos protagonizando
Uma arte sem fronteira!


Estudantes descobrindo
Seu potencial latente
Muito talento surgindo
Sob o foco desta lente
Que, com arte-educação,
Constrói a revolução
Como quem planta semente!


Diálogo multifocal
Respeito à diversidade
Performance teatral
De grande inventividade
Cultivando a utopia
Abraçando a rebeldia
E beijando a liberdade!


Assim é o Coletivo
Chamado de Camaradas
Um grupo mui criativo
Nascido lá nas quebradas
Bem ao sul do Ceará
Que pra melhor explicar
Recorro à rima encantada:

Constelação de hermanos
Batalhão de gente boa
Bando de seres humanos
Caravana de pessoas
Malta de batalhadores
Cabruêra de inventores
Time figura de proa


Congregação de artistas
Consórcio de trovadores
Conclave de paisagistas
Elenco de cantadores
Plêiade de zabumbeiros
Família de batuqueiros
Multidão de bons atores


Tertúlia de grafiteiros
Ruma de fotografistas
Orquestra de educadores
Quadrilha de equilibristas
Fauna de recitadores
Turma de compositores
Enxame de ensaistas


Alcatéia de dançantes
Boiada de escultores
Tropa de comediantes
Cardume de redatores
Manada de desenhistas
Matilha de musicistas
Ninhada de emboladores


Rebanho de cordelistas
Revoada de pintores
Penca de cinegrafistas
Alameda de escritores
Frota de xilografistas
Cordilheira de estilistas
Magote de produtores

Arquipelágo de modistas
Esquadrilha de autores
Flora de artesanistas
Molho de restauradores
Lote de coreografistas
Ramalhete de ativistas
Cambada de vencedores!

Eis então um Coletivo
Cheio de camaradagem
Acontecimento vivo
Carregado de imagem
Pra quem faço esta oração
E invocando uma canção:
Saúdo a quem tem coragem!

CARTA A GILVAN LUIZ


CARTA A GILVAN LUIZ

Gilvan Luiz, ser humano,
Receba um abraço meu
Pois longe do Juazeiro
Soube do que lhe ocorreu
E fiquei indignada
Aflita e petrificada
Ante o que se sucedeu

Quando li na internet
Que você foi sequestrado
Numa atitude covarde
Sendo também torturado
Eu exclamei: Deus do Céu!
Ainda há coronel
No meu Cariri amado!

Vi seu rosto ensanguentado
E a cabeça golpeada
As chamadas e manchetes
Sendo muito comentadas
Meus colegas jornalistas
-dentre eles, dois petistas-
Falando em emboscada

Aí eu fiquei maluca
Querendo compreender
Já que estando em Juazeiro
Na rua encontrei você
Que já falava em ameaça
Ali pertinho da Praça
Quando eu brinquei a dizer:

“Gilvan, você merecia
Era ser vereador
Pois junto com Fábio Souza
Nos presta um grande favor
Fiscalizando o poder
Sem um tostão receber
Do bolso do eleitor”

E disse também, sorrindo:
“Você parece Santana
Que, quando vereador,
Fazia uma zuada insana
Cobrando da prefeitura
Transparência e lisura
Para gerir nossa grana”


Aí você retrucou
Dizendo: “tu tá por fora
Tu só vive viajando
Não sabe nada de agora
Por causa dum doutorado
Deixou teu torrão amado
Bateu asa e foi embora”

Então eu te cutuquei
Falando: já fiz demais
Tu é a bola da vez
Não vamos olhar pra trás
Se cuide e siga em frente
Nadamos contra a corrente
Assim a história se faz...

Depois deste breve papo
Você me deu um jornal
Que eu li atentamente
Como se fora um sinal
Do que estava por vir
Pois tu relatava ali
Bastante coisa ilegal

E quanto mais eu me lembro
Menos quero acreditar
Pois temos a mesma idade
E um jeito de falar
Do que nos parece errado
E damos nosso recado
Pra muito caro pagar

Você como jornalista
Na sua função real
E eu como cordelista
No campo ficcional
Ambos na mesma pisada
Sujeito a trapaceada
Do cânon oficial

Você no jornal Sem Nome
Eu no verso nominado
Se ficar o bicho come
Se correr é rastreado
Um coisa é semelhante:
Ameaça a todo instante
No seu caso, consumado!

Hoje lembrei de Tim Lopes
De Chico Alves também
Depois Wladimir Herzog
E lá se vão mais de cem
Que em face da função
Sofreram perseguição
De gente dita do bem

Tentei saber mais notícia
Nos blogs da região
E para minha surpresa
Só no Miséria, então
Falam deste ato vil
Que a imprensa do Rio
Divulga até de montão

Por isso eu me pergunto
Cadê nossos jornalistas?
E outros profissionais?
Que vivem de dar notícia
Mas lembrei na mesma hora
Tem mídia que ignora
O que lhe salta à vista

Ademais também pensei
Nem todos são corajosos
Os jornais que tem um nome
Têm donos mui poderosos
Uns que estão no poder
Outro tão querendo ser
E assim vão... perigosos

Restamos nós, militantes
Dos tais direitos humanos
Ante um crime tão gritante
Praticado por insanos
Temos que repudiar
Discutir e divulgar
Por muitos e muitos anos

Não deixemos que este fato
Caia no esquecimento
Que seja feito um ato
Um grandioso evento
Como foi recentemente
Quando mataram um parente
De alguém que tem bom assento

Seja quem for implicado
Como mandante ou autor
Que venha a ser processado
E punido com rigor
Para que tenhamos paz
E não ocorra jamais
Algo de mesmo teor

Não estou assinalando
Quem fez isto com você
Até porque se soubesse
Não temeria dizer
Mas penso que já é hora
De dar um basta a história
De que só vence o poder

No caso que me ocorreu
Não pude acompanhar
Pois o doutorado meu
Não é feito pra constar
Me faltou ubiquidade
Para estar na faculdade
E um processo acompanhar

Além do mais 'meus amigos'
Não me foram solidários
Alguns são 'bons inimigos'
Pois vale mais seus salários
Mas eu creio, do meu jeito
Noutro tipo de Direito
Que nasce dos relicários

Aqui meus novos colegas
Não param de me indagar
Querem entender porquê
Alguem tentou lhe matar
Mas a sua explicação
- Apesar da emoção -
Deixa uma questão no ar:

Você entende que o fato
Tem a ver com seu jornal...
Os temas veiculados...
O poder municipal...
Se, de fato, for assim
(Pra você, como pra mim)
Já sabemos o final...

É como eu disse aos Chilangos
Sobre o Brasil refletindo:
A liberdade de imprensa
Se assemelha a um bingo
Para uns é proibida
Para outros consentida
Depende muito do ''limbo''

Diz a Constituição
Da qual sou pesquisadora
Que a manifestação
Do pensar é promissora
Mas liberdade de imprensa
Não passa de uma crença
Da qual sou devoradora

Nos porões da ditadura
Muitas vozes se calaram
Era tempo de censura
Contra os que discordaram
Lula disse para o mundo
- E eu não cri um segundo-
Que os anos ''duros'' passaram!

Mas como Voltaire dizia:
Eu posso não concordar
Com uma única palavra
Do que você quer falar
Mas luto até a morte
Se pouca for minha sorte
Pra ver você se expressar!

Salete Maria
O MILAGRE TRAVESTHRILLER:
A HISTÓRIA DA TRAVESTI QUE
(COM FÉ) ENGRAVIDOU

La libertad de la fantasía no es ninguna huida a
la irrealidad; es creación y osadía (Eugène Ionesco)



Subindo a Serra do Horto
Ao som do 'baby pirei'
Com seu olhar absorto
Curtindo seu happy day
Ao lado da comitiva
Desfila ela, a diva
Orgulho da causa gay

De baby-look brilhosa
E mini-saia rendada
Com sua bota estilosa
E a cabeleira dourada
Beijando o seu amor
Ela entoa um louvor
No meio da romeirada

Parando nas Estações
E agradecendo com fé
Balbuciando orações
Cumprimentando Seu Zé
Jogando beijos no ar
Ela acena sem parar
Pra bicha, home e muié

O filme é encenado
Nas ruas de Juá City
O povo tá encantado
Com o tal enredo beat
O roteiro é a história
Da neta de Dona Glória
E filha de Idelzuíte

Trata-se duma promessa
Que Shirley Dayanna fez
Assim a cena começa
Em Dois Mil e Dezesseis
O Milagre Travesthriller
É dirigido por Muller
E fala de gravidez

Shirley está preocupada
Com a vida conjugal
Se sentindo inadequada
Etecétera e coisa e tal
Tudo que ela queria:
Era aumentar a famía,
Como faz todo casal

Pediu para sua anja
Senhora da Conceição
-Eis uma santa que manja
Do tema concepção!-
Mas nada lhe aconteceu
A menstruação desceu
E seu apelo foi vão

Então meio delirante
Shirley de vela na mão
No quarto teve um rompante
Qual uma alucinação
Entendeu que poderia
Conceber como Maria
Sob santa inspiração

Daí rogou ao Senhor
Que enviasse um sinal
Por meio dum protetor
Um ente angelical
Chamado de Gabriel
Gerente dalgum motel
Messenger neonatal

E não cessava de orar
Sempre com muito fervor
Prometendo jejuar
E dizimar com rigor
Mas uma voz estridente
Repetia, renitente:
Não me tente, por favor!

Ela argumentou então:
Eu também tenho direito!
Não fiz catecismo em vão!
Decorei todo o preceito!
Fui crismada, batizada!
Hoje sou mulher casada!
Qual é mesmo o meu defeito?

E a voz, peremptória,
Dizia: Assim não dá...
Você burlou a história
Pra me desmoralizar
Quem já viu um travesti
Pensar que pode parir
Para Eu abençoar?

Vendo que não conseguia
Convencer a Deus do Céu
Lhe ocorreu que poderia
Falar com um bacharel
Pra ele peticionar
Requerer, protocolar
Um write, vulgo créu!

Todavia, infelizmente
Mesmo por muito dinheiro
O doutor mui competente
Conhecido em Juazeiro
Disse que não poderia:
Pois não há cidadania
Para travesti fuleiro

Ela disse: mas Doutor
Seu prestígio pode tudo
Eu lhe pago o que for
Pois confio em seu canudo
Preciso de seu trabalho
Expert em quebra-galho
Me ajude que eu te ajudo

Realmente eu sou o tal
E não quero me gabar
Mas o seu caso é banal
E violação não há
Falta interesse de agir
E eu volto a repetir:
Não há chance de ganhar

Mas tudo que seu birô
Apresenta pro juiz
Ele apõe um ''sim senhor''
-Segundo seu aprendiz-
E quando há recompensa
Tudo quanto é Excelência
Dá o seu... e pede bis

Data vênia, ele disse-
Ab ovo, ipso facto
Erga omnes, sub-vice
Outrossim, pague o pato
Dura lex, sede lex
Isto eu li na Consulex
Se traduzir eu lhe mato!

Shirley diante do não
Em seu cross-fox saiu
Telefonou pra João
E rapidinho seguiu
Para a sede do Galosc
-Se sentindo muito lost-
Ali chegando insistiu:

Eu preciso ter um filho
Para me realizar
Já fui rainha do milho
E também miss Ceará
Já desfilei na fanfarra
Agora chega de farra
Eu quero é amamentar!

Preciso de tua ajuda
De tua compreensão
Por favor não me iluda
Diga logo sim ou não!
E Joãozinho extasiado
Com cara de assustado
Prostrado fez oração:

Minha Santa Lady Gaga!
Virgem Madonna, oh não!
Beyoncé, oh minha fada!
Não rogo por Deus em vão!
Shirley Dayanna, amada
Me tire dessa parada
Não me meta em confusão!

De repente se lembrou
Da velha Dona Da Guia:
Uma prima de seu avô
Parteira da cercania
Que no Mercado Central
Benze e vende enxoval
Vela, santo e agonia

Shirley disse: bate, bicha!
Rodando uma bolsa prata
E girando à largartixa
Mostrou as unhas de gata
Chegando em Dona Da Guia
Sorrindo disse: bom dia!
E a velha danou-lhe a lata

De uma queda foi ao chão!
Mostrando sua calcinha
Ensaiou um palavrão
Mas viu que não lhe convinha
Mordeu seu indicador
E entre dentes gritou:
Ai que ódio, mulherzinha!

Da Guia disse: o que é?
Bicha da cara de lia!
Tu pensa que é muié?
Credincruz, ave maria!
Ói as trêis noite de escuro!
Teu lugar é no monturo!
Vai timbora logo, avia!

Shirley pediu uma imagem
De Padim Ciço Romão:
Quero render homenagem
E pedir sua benção
Será que ele me entende?
E meu desejo atende?
Me dando um bucho, ou não?

A velha empalideceu
E suando frio caiu
Um homem disse: morreu!
Shirley Dayanna fugiu
Foi pra casa duma amiga
Feminista entendida
Que assim lhe advertiu:

Shirley, você tá pirada
Perdeu a noção de tudo
Deixe dessa palhaçada
Deus pra você está mudo
E o Padre Ciço Romão
Não lhe dará atenção
Tudo isso é absurdo!

Para que engravidar?
Nestes tempos pós-modernos!
Todas querem abortar!
Leia aqui nos meus cadernos!
Quando eu penso que vocês
São as radicais da vez...
Defendem mitos eternos

Já que quer ser genitora
Porque não faz adoção?
Hoje a lei é promissora
Basta uma petição...
Minha filha, se oriente
Seja mulher diferente
Deixe de esculhambação

Shirley disse: queridinha
É meu desejo e pronto!
Você já ta passadinha
Mas eu inda tô no ponto
Vê se me ajuda a viver
Chega de teretetê
Me deixe ler este conto!

Então Shirley arrancou
Um livro de uma estante
E a feminista ficou
Pálida naquela instante
Era um texto de magia
Carregado de heresia
Uma peça alucinante

As Bichas Madres de Aurora?
Não é possível, menina!
Eis a caixa de Pandora!
Isso muda minha sina!
Tenho que levar pra casa!
É hoje que eu crio asa,
Peito, bunda e vagina!

O livro é baseado
No Segredo das Raimundas
Um grupo organizado
De beatas moribundas
Que no século dezenove
Praticavam meia-nove
Dentro duma catatumba

Eram cinco travestis
Que viviam no sertão
E viraram colibris
Depois duma maldição
Pois com o poder da mente
Foram mães precocemente
Hoje são assombração

Raimundas se travestiam
Em noite de lua cheia
E pelas ruas saíam
Uivando como sereias
E dentro dum cemitério
Ali se dava o mistério
Que todo corpo incendeia

Fingiam-se de beatas
Para vestido usar
Mas, às vezes, de gravatas
Iam pra missa rezar
E depois da cerimônia
Perdiam toda a vergonha
E transavam sem parar

E para encher de cores
As vestes tradicionais
Elas chupavam as flores
Dos altares principais
Colorindo suas bocas
E ficando muito loucas
Para os grandes bacanais

Porém uma destas cenas
A população flagrou
E a dança da macarena
Que o grupo reinventou
Irritou a Dona Helena
Que sem ter dó e nem pena
Uma a uma matou

Mas na cauda de Bisonho
Elas deixaram um segredo
Que através de um sonho
Aprenderam muito cedo
Dizia: Pra ser feliz
Ouça o que o coração diz
E nunca mais tenha medo!

Sentada dentro do carro
Com olhos arregalados
Shirley fumou um cigarro
Apreciando o babado
Parecia onipotente
Criando em sua mente
Um insight arretado

Lendo fervorosamente
Logo tudo entendeu
O poder do inconsciente!
E todo seu apogeu
Viu que para engravidar
Bastava ela imaginar
E assim lhe ocorreu

Sorriu genuinamente
Para as deidades fiéis
Sentindo estranhamente
Da cabeça até os pés
Transformação corporal
- Algo sobrenatural! -
E assim contou até dez

Um: estou engravidada!
Dois: Isto é fenomenal!
Três: Me sinto iluminada!
Quatro: Hoje é natal!
Cinco: Viva a putaria!
Seis: Tô cheia de energia!
Sete: Benedito pau!

Oito: Tudo é permitido!
Nove: Eu quero voar!
Dez! Ouviu-se um estampido
E algo estranho no ar
Shirley estava flutuando
Sobre a cidade pairando
E a multidão a olhar

Assim se deu o milagre
Travesthriller sensual
E cachaça com vinagre
Foi a poção magical
Shirley Dayanna feliz
Foi à missa da matriz
Numa entrada triunfal

Desceu as ruas do centro
E o povo todo aplaudindo
Ela sentia por dentro
O menino se bulindo
Era sua apoteose
Nem lembrava da neurose
Que antes vinha sentindo

A notícia se espalhou
Como água na ladeira
Shirley mal engravidou
E o boato já na feira
Todo mundo interessado
No novo mito gerado
Nesta terra milagreira

Virou capa de jornal
Da Palmeirinha ao Sudão
Na mídia internacional
Rádio e televisão
Até o Barack Obama
Enviou um telegrama
Festejando a ocasião

O prefeito da cidade
Mandou congratulações
Mais de mil autoridades
Fizeram bajulações
Ouviu-se o bispo dizendo
Que o feito era tremendo
Digno de celebrações

A gravidez mais falada
Desta era milenar
Muita tese elaborada
Tentando tudo explicar
Cafuçu fazendo intriga
Falando mal da amiga
Mas querendo o seu lugar

A vovó Idelzuíte
Fofa, paba e orgulhosa
Curada da homofobite
Gritava cheia de prosa
Dizendo: é minha filha!
Eita bicha maravilha,
Santa, linda e corajosa!

A bisavó, Dona Glória
Beata só cem por cento
Espalhou logo a história
Que Shirley era anjo bento
E que sempre foi mulher
Por isso Deus é quem quer
Que ela tenha um rebento!

Sendo o fato destacado
Em nível internacional
Ninguém falou em pecado
Tudo era sensacional
O objetivo agora
Era contar a história
Com viés episcopal

Atribuíram o feito
Ao Patriarca Maior
Que se remexeu no leito
Onde voltamos ao pó
E sob o slogan 'Pra Frente':
Fez-se a marcha-penitente:
Shirley, você não tá só!

Com todo este alvoroço
De notícia alvissareira
Foi marcado um almoço
Pra traveca parideira
Onde a cúpula do poder
Deseja escolher
Um nome para a herdeira

Mas Shirley disse baixinho:
Não quero saber o sexo
Meu bebê tem meu carinho
Este será nosso nexo
Humano fundamental
Sem padrão inaugural
Pois todo ser é complexo!

Dentre os vários convidados
Seus amigos mais queridos
Todos muito emocionados
Falaram ao pé do ouvido:
Shirley, você arrasou!
Fez escola, inaugurou!
Tudo agora faz sentido!

Uma revista propôs
Que Shirley nua posasse
Mas sua família impôs
Que ela muito cobrasse
Mas ela assim decidiu:
Só poso pra Globo-news
Ou então para Prima Facie

Porém ficou combinado
Que um curta seria feito
Nada de muito parado
Tudo com muito efeito
Livre manifestação!
E muita demonstração
De bunda, perna e peito

Seria tudo filmado
Registrado com requinte
Tudo muito organizado
Nada de século XX
A cidade em polvorosa
Totalmente vaidosa
Da bichona ex-acinte

Diversos comerciantes
Quiseram patrocinar
Muitos eram confiantes
No filão que ia dar
Tinha até cordelista
Querendo ter uma pista
Do filme para narrar

Foi uma equipe tremenda
Pra trabalhar no local
Pois para narrar a lenda
Só mesmo profissional
Designer-maquiador
Roteirista e diretor
Tudo homossexual

Rosa Barros fez questão
Enquanto cinegrafista
De antes da gravação
Tentar fazer uma lista
De bicha, traveca e bofe
Para um belo making of
Ou tape alternativista

Pensava num musical
Em estilo procissão
Beat e banda cabaçal
Numa perfeita fusão
Bendito e música pop
Dancing-gay pra dar ibope
E muita vela na mão

Entre os artistas cotados
Alguns muito especiais
Todos muito devotados
Às temáticas marginais:
Jânio, Mano e André
Mauro, Sílvio e Dedé
Joaquina e outras mais

Até que chegou o dia
Da primeira encenação
Em Juá só alegria
Muita cor e emoção
O set foi preparado
Todo mundo maquiado
Câmera, luz e ação:

De braços dados com Eike
-Seu Reinaldo Gianecchine-
Ela caprichou no make
Para o evento sublime
Poderosa e retumbante
Estrela, mãe e amante
Adentrou a limousine

As fofoqueiras do mundo
Todas presentes no ato
Muitas querendo, no fundo
Protagonizar o fato
Procurando um defeito
Uma disse desse jeito:
Shirley tem cara de rato!

Uma pessoa gritou:
Silêncio, maleducados!
Ali passava um andor
E caminhões enfeitados
E na banca de cordel
Vídeo e cd a granel
Em rosários pendurados

Assim é o Juazeiro
Do Padim Ciço Romão
Onde tem muito romeiro
Muita fé e oração
Bodega pra todo lado
E véio amancebado
Que chora e pede perdão

É dia 20 do mês
São seis horas da manhã
Com uma saia xadrez
E uma blusa de lã
Na calçada do Socorro
Ela grita: eu mato e corro!
É Zefa doida, anciã

Agarrada numa rosa
Com um envelope na mão
Um tanto quanto nervosa
Repetindo uma oração
Está uma rapariga
Imune a qualquer intriga
Pedindo sua benção

Gente que só formigueiro
Vendo a cidade crescer
Circula muito dinheiro
-Pois tudo é pra vender-
Um misto de drama e fé
Na terra onde Shirley quer
Vê seu herdeiro nascer

Travesthriller objetiva
Mostrar a diversidade
E também relativiza
Toda impossibilidade
Põe a imaginação
Pra cair em tentação
E colorir a cidade

O filme-cordel é isto:
Absurdo teatrado!
Escrito pra ser malvisto
Quiçá mal interpretado
A nossa proposta é esta:
-Ambiciosa e modesta-
Subverter o pecado!

Nossa cena derradeira
Mostra um clip do lugar:
Que vista mais altaneira!
Vale a pena visitar!
Há um bar muito vistoso,
O História de Trancoso
Nos encontramos por lá!

Aqui termino meu texto
Não sem antes dedicar
A Orlando, meu pretexto,
Que me propôs versejar
Sobre uma travesti
Que vive, ama e sorri
E nos ensina a sonhar.

Autora: Salete Maria

Post Script:

As fontes bibliográficas?
É simples, amigo meu...
São as histórias fantásticas
Que a vida me ofereceu
De bêbo, puta e doutor
Beato e embolador
Viado, índio e ateu!

Terra, 10/06/2010