Cordelirando...

sexta-feira, 6 de maio de 2022

CHAPA ÚNICA DE NOVO? (brancocêntrica e masculina!)

Imagem: Google Imagens
 


Tá virando tradição
Costume e repeteco
Em tempos de votação
Meu juízo dá um treco
Chapa única de novo?
Ninguém aqui quer renovo?
Saudade do tico e teco!


Outra vez, do mesmo jeito
Dois homens brancos estão
Protagonizando um pleito
Do qual eu tiro lição
E me pergunto o que há
Que faz a gente calar
Diante dessa opressão?


Num lugar onde mulheres
E negros são maioria
Que problema tu aferes
Quando testa a teoria?
Nada é estranho pra ti
Que agora vai aplaudir
O que tanto combatias?


Além de gênero e raça
Que já embola a questão
Seria fazer pirraça
Falar em classe, então?
Ou somos todos iguais?
Dançando nos carnavais
Como empregado e patrão?


E numa comunidade
De cinquenta mil pessoas
Onde a pluralidade
Não é figura de proa
Mas a tal da “unidade”
Que impõe passividade
E só um canto entoa


Por que tem que ser assim?
Quem define esse enredo?
O que há de errado em mim
Que não curto esse brinquedo?
Nem me nutro da peçonha
Que além de causar vergonha
Ainda espalha medo


Medo de questionar
E forjar alternativas
De de-ses-ta-bi-li-zar
Acordos de comitiva
Sombras de autocracia
Falando em democracia
De forma bem incisiva


Tudo isto dá o tom
Do jogo que tá em curso
Do qual faço ultrassom
E revelo o interdiscurso
Do que sempre esteve lá
Mas querem nos ofertar
Como um novo percurso


A mesmice reeditada
Polida e diplomática
É comida requentada
Em esfera burocrática
Que fala em experiência
Pra detonar divergência
Com postura dogmática


E embora nesta empreitada
Outra chapa tenha entrado
De forma desvantajada
Pra desmontar o já dado
O fato é que o sistema
Sustenta todo um esquema
Chamado “jogo jogado”


Que é feito pra expulsar
Quem ousa se intrometer
Já que a ideia é montar
Palco para conceder
A mais plena condição
De gerar manutenção
Pra quem já estar no poder


E entre normas excludentes
E pouca articulação
D’uma turma descontente
Que sofre perseguição
Emergem dificuldades
E também ambiguidades
Que pedem reflexão


Sobre regras e posturas
Sobre discursos e fatos
Sobre pessoas “impuras”
E sobre “seres pacatos”
Que esperam o dia ideal
Ou parceira/o angelical
Pra dar o pulo do gato


Contra autoritarismo
De gestões autocentradas
Contra patrimonialismo
De cultura enraizada
Que gera adoecimento
Revolta e sofrimento
Em gente irresignada


Que se opõe ao mandonismo
De feições modernizadas
E ao neocoronelismo
De cariz amenizada
Que pugna por transparência
Integridade e decência
Mas sofre nessa jornada


Cadê toda aquela gente
Alvo de assédio moral?
Quanta mente inteligente!
Se removendo, ao final
Ante tanta omissão
Dessa administração
Que banaliza o mal


Cadê quem já não aceita
Tratamento desigual
Da galera que se ajeita
Em familismo doutrinal
Com ou sem partidarismo
Só no corporativismo
Que tritura o não-igual?


E os colegas que abominam
As gestões autoritárias?
E que também não combinam
Com posturas salafrárias
O que estão pensando agora
É chegada ou não a hora
De entrar nessa batalha?


Sou capaz de entender
As saídas encontradas
Pois ninguém deve morrer
Em relações esgarçadas
Já que saúde é tudo
Só não vale ficar mudo
Pois não adianta de nada


Como disse Audre Lorde:
“O silêncio não te protege”
É preciso que se aborde
Em posição de herege
Aquilo que nos oprime
Esmaga, isola e reprime
Mesmo que cause um frege


É sabido que é difícil
Enfrentar os tubarões
Mas são ossos do ofício
Nalgumas ocasiões
Recusar continuísmos
E derrotar capachismos
Que nos impõem grilhões


Ninguém está obrigado
A se lançar aos leões
Mas já está comprovado
Que sempre há opções
E não votar é uma delas
Até que nossas querelas
Tenham apreciações


E assim como fazer greve
Também é super legítimo
Não aceitar quem prescreve
Solução por algoritmo
Pois tão importante quanto
É recostar num recanto
Pra respirar no seu ritmo


Recusando o prato-feito
Dos cortes bolsonaristas
Assim como os malfeitos
Da hegemonia esquerdista
Tensionando aqui e ali
Para jamais sucumbir
A quem nos tira da lista


Já que as regras deste baba
São excludentes também
E dão uma grande lapada
Em quem nunca se abstém
De lutar e resistir
Questionar e inquirir
Privilégios que advém


Das relações de opressão
Da divisão de papéis
Dentro da instituição
Que excomunga “infiéis”
Com segregações diversas
Absurdas e perversas
Que causam dores cruéis


Eis a base do processo
Que envolve esta “eleição”
Marcada pelo inacesso
Quanto à participação
De votantes afastados
Remotamente postados
Na presente ocasião


A restrição que é imposta
Não somente em edital
Precisa sim ser exposta
Por ser muito desigual
Pois tá naturalizada
Pela cúpula reitorada
Branca e consensual


Homens no centro de tudo
Se revezando na roda
Tem pequeno e tem graúdo
Todos tidos como fodas
Mulheres na retaguarda
Branca, indígena, preta, parda
O sexismo acomoda


Segregação vertical
Chamada teto de vidro
Mas também horizontal
Como um nicho presumido
No tal “lugar de mulher”
E quem meter a colher
Tem pedido indeferido


Negros só como votantes
Ou cabo eleitorais
Tratados como infantes
Ou vistos como boçais
Mas a tal da inclusão
Permanência e promoção
Não sai da boca dos “pais”


Pois sobre democracia
Tem discursos abundantes
Junto à meritocracia
Que emerge neste instante
Pois em meio a exclusão
De preto e mulher, então
Segue o bonde, esfuziante


E com apoios valiosos
Dos que sempre “representam”
Os discursos respeitosos
Que nada mais acrescentam
Vão rasgando teorias
Rejeitando rebeldias
Que da farsa se ausentam


Pois só há democracia
Onde houver pluralidade
E o fim da primazia
Das mesmas autoridades
Que tomam cargos pra si
Ou para quem lhes servir
Cadê transitoriedade?


Chapa única de novo?
Brancocêntrica e masculina?
Pra alegrar baba-ovo
Que a acolhe como sina?
Falando em democracia
E compondo uma liturgia
Que finge que aglutina


Porém a democracia
Em contexto de gestão
Precisa ser luzidia
E promover inclusão
Afinal qual o sentido
Se negros são preteridos?
E mulheres só alusão?


Não dá pra ser feminista
E não pautar a questão
Ou dizer-se antirracista
E ver tal situação
Com carinha de paisagem
Azeitando a engrenagem
Em nome da união


Pois é possível bater
No governo Bolsonaro
Sem deixar de combater
Patriarcado ignaro
E o racismo acadêmico
Articulado e sistêmico
Que goza de muito amparo


É preciso tensionar
Não somente em artigos
Ou na internet lacrar
Entre tiete e amigos
É no olho do furacão
Que ocorre a combustão
Com ou sem voto vencido


Pois se não há opções
É porque nos silenciam
E nos jogam em porões
Conforme nos avaliam
Espalhando fake news
E impondo desafios
Que tantos descredenciam


Por que que os mesmos grupos
Sempre tem que comandar?
Essa manga eu não chupo!
Fale quem quiser falar!
Não é isto o que eu ensino
No meu labor feminino
Feminista e secular


Seja em Gênero e Poder
Ou em Gênero e Estado
Gestão pública, um ABC
Pra compreender o babado
Seja em Direitos Humanos
Violências questionamos
Privilégios são quebrados


Quem pode achar normal
Essa tal supremacia?
Que não é ocasional
Mas imita dinastias
Onde até na Comissão
Que conduz a eleição
Titular é a androcentria!


Basta de “jogo jogado”
Queremos “jogo jogante”
Pois o primeiro é marcado
E o segundo é transformante
Eis porque eu não endosso
E protesto o quanto posso
Contra o engodo alucinante!


Salete Maria, 06/05/2022

domingo, 1 de maio de 2022

BABADUFBA: PARA DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA ANDRO(BRANCO)CÊNTRICA NA UFBA

Nesta terra de doutores, magníficos reitores, leva-se a sério a comédia? (Belchior)


Esta peça é encenada
No salão da Reitoria
Lugar de gente letrada
Branca, nobre e luzidia
O século é vinte e um
Mas pode ser qualquer um
Pois é contra a fidalguia


A plateia está lotada
Da ralé que chegou cedo
Forasteiras graduadas
Gritando “não temos medo”
O monólogo começa
Com uma atriz boa à beça
Dramatizando o enredo


Ela veste saia justa
E blusa preta de malha
A voz é rouca, me gusta
E o sorriso se espalha
Cheia de dentes, irada
Altiva e desbocada
Mete lenha na fornalha:


“Eis que o momento chegou
Da escolha do reitorado
E o jogo que se armou
Precisa ser questionado
Pois desde o edital
Já temos um bom sinal
De guerra em campo minado

Tardiamente editadas
As normas são excludentes
De feições encomendadas
Porém pouco inteligentes
Pois em plena pandemia
Golpeia a democracia
Com restrições indecentes


Exige que as inscrições
Sejam só presenciais
E não abrem exceções
Pra casos especiais
Mesmo em contexto atípico
O táxon é monotípico
No clube dos maiorais


Do mesmo modo a campanha
E também a votação
Para evitar ‘gente estranha’
Ao ninho do ‘Pai João’
Com chapas questionadoras
Das condutas opressoras
Dos governos de plantão


Portanto só vai votar
Quem puder comparecer
Fisicamente ao lugar
Que a ordem estabelecer
E em cédula de papel
Lavada com álcool gel
Sua ‘vontade’ escrever


Na contramão da história
Ao estilo Bolsonaro
É pra ficar na memória
Do talk ‘Hora do Faro’
Já que em outras IES
Ninguém deixou Ramessés
Impor conto do vigário


Da USP a UNILAB
UEPA e UFC
O mundo todo já sabe
Mas não me custa dizer
Foi on line a escolha
E também furou a bolha
UPE e UFRB


Pra não excluir ninguém
Em tempos de pandemia
Algumas vão mais além
Em nome da isonomia
Fazem tudo virtual
Do sertão ao litoral
Privilégio repudia


Respeitam normas internas
Sobre ensino remoto
Não tentam quebrar as pernas
De quem não anda de moto
Com transparência e lisura
Evitam impor censura
A quem não lhes é devoto


Assim a escolha se dá
Noutras instituições
Mesmo onde disputa há
Entre grupos grandalhões
Mas evitam cercear
O direito de votar
De quem foge aos padrões


Sejam eles citadinos
De gênero, raça e etnia
Com ou sem foco divino
Ou mesmo ideologia
Basta ser comunidade
Pra ter a oportunidade
Sem invocar primazia


Mas na UFBA é diferente
Só vota quem tem dinheiro
Pois um grande contingente
Voltou pra casa ligeiro
De Xique-Xique a Brumado
Tem gente pra todo lado
Cuidando dos seus, primeiro


Pois desde 2020
Estudam remotamente
E chega a ser um acinte
Excluir toda essa gente
Que está matriculada
E não pode ser privada
De escolher dirigentes


Ademais tem servidores
Seja técnico ou docente
Que também são detentores
De direitos inerentes
Que por razões de saúde
Até que o quadro mude
Trabalham remotamente


Estes não irão votar
Posto que a regra os exclui
Já que para sufragar
Ser membro em nada influi
Deve-se comparecer
E continência ‘bater’
Pros seguidores de Rui


Mas quem se importa com isso?
Se temos democracia!
Pois do atento ao omisso
O que vale é a alegria
De votar para reitor
Sumo-pontífice, pretor
Digno de toda honraria


Tutto maschio de esquerda
Branco, em regra, potentado
Se um preto ousa, é perda
Se for mulher, é pecado
A menos que a autorizem
Ou volte para a origem
Com ‘um’ mandato findado


Basta ver as galerias
Das fotos dos reitorados
Branquitude em harmonia
‘Cabelos bem penteados’
Bem-nascidos, educados
Previamente preparados
Pra conduzir o ducado


Assim a cada mandato
E a cada nova consulta
Chapa branca já é fato
E às vezes nem há disputa
Tem ‘consenso’ costurado
Tudo mui bem ajeitado
Com ‘democracia e luta’!


Até que uns revoltados
Resolvem se apresentar
Livres e desenfreados
Ousam tudo questionar
Construindo alternativas
Críticas e propositivas
Pra chapa única evitar


Pessoas independentes
Fartas de perseguição
Afro-pobres descendentes
Feministas sem quinhão
Sedentas por equidade
Transparência e boa vontade
Dentro de fora da gestão


E ao longo de muitos dias
Tentam algo construir
Mas veem que as utopias
Se chocam neste devir
Pois também na resistência
Pululam incoerências
Difíceis de digerir


Egocentrismo aguçado
Bota tudo a perder
Machismo escancarado
Não dá para defender
E a cabeça da chapa
Como bola na caçapa
Só macho pode meter?


E além da desigualdade
Do certame elitista
Emerge a iniquidade
De caráter sexista
Onde o arquétipo viril
Másculo e varonil
Só quer o topo da lista


Assim é que duas chapas
Novamente masculinas
Repetem velhas etapas
Numa IES feminina
Onde somos maioria
Mas reza a ideologia
Que servir é nossa sina


Seja como auxiliar
Assistente do varão
Como vice, até que dá
Mas como reitora, não
‘Venham coadjuvar
Cuidar, secretariar
Mas comandar? Ninanão!


Mas os homens candidatos
Sempre tem apoiadoras
Algumas ‘de fino trato’
Outras ditas precursoras
Da arte de militar
Ou da função de ensinar
Que podemos ser ‘mentoras’


Branco, negro ou amarelo
Titular ou a caminho
Para eles, o Castelo
Para nós, o puxadinho
É assim que a banda toca
E pobre de quem se toca
Pois lhe resta o pelourinho


Porém o continuísmo
Discursa sobre inclusão
E o bloco do oportunismo
Vai na mesma direção
E o patriarcado gozando
Com ambos se jactando
Na dança da sucessão


Mas muitos preferem ver
Somente as maravilhas
Fazem vídeos pra dizer
Como é bela ‘nossa ilha’
‘Democracia não falta’
‘Igualdade é nossa pauta’
‘Rezem por nossa cartilha’


Já o outro diz que é fraude
Mas entrou para jogar
Sabendo que era debalde
Essa farsa endossar
No princípio acreditou
De vices se acompanhou
Pra depois espernear


Aceitar jogar um jogo
No qual nem pode votar
É meter a mão no fogo
Crente que não vai queimar
Bastava não ter entrado
Ou jamais ter apostado
Que poderia ganhar


Sem dúvida que é importante
Ter chapa de oposição
Pra romper com a arrogante
Hegemonia em questão
Mas pra quê jogo de egos
Socando em ponta de pregos
Sem apoio ou condição?


E achar que violência
É ‘só’ pressão virtual
E não vê a virulência
Na traição underground
É ter pouca consciência
Ou mesmo fingir demência
Pra ganhar ponto, ao final


A violência política
Que nós, mulheres, sofremos
Não se confunde com a crítica
À chapa a que pertencemos
É sobre situações
Ofensas, perseguições
Pra que não continuemos


São expressões do machismo
Que podem até matar
E articulada ao racismo
Visa nos interditar
De ocupar o poder
De disputar, concorrer
E até mesmo ganhar


Também sofre quem milita
Por mais representação
Porém já não se limita
Somente à eleição
Ocorre no exercício
(Ao longo do interstício)
Do mandato ou da gestão


Portanto, ao impedir
Ou mesmo dificultar
Que a mulher possa vir
No lugar de titular
E não somente na vice
Para manter a mesmice
Também é violentar


E o mesmo também se diga
Da chapa só de marmanjos
Pois este ardil mitiga
Machismos e seus arranjos
De violência simbólica
Nefasta e monopólica
Porém com papo de anjo


Em ambas situações
Vemos a iniquidade
Patriarcais ambições
Com selo de qualidade
Falando em democracia
Justiça e cidadania
Aceitas como verdades


Tudo naturalizado
Por silêncios feministas
Num contexto conturbado
Cheio de equilibristas
Que ante ao bolsonarismo
Dão férias ao feminismo
E à luta antirracista


E é tudo tão natural
Que até a Comissão
Chamada de Especial
Reproduz essa visão
Ao colocar na suplência
Três mulheres-referência
Em nossa instituição


E assim o baile segue
Só com chapas masculinas
Para quem come esse regue
A festança é na colina
Mas para quem questionar
E não deixar se enquadrar
É sem dó ou vaselina


Mas quem aprendeu lutar
No Raso da Catarina
E não se deixar domar
Pelos que tão lá em cima
Resistir é necessário
Conforme a rima de Bráulio
Do Raio da Silibrina


Porém se a comunidade
Aceita sem contestar
Em uma Universidade
Um certame que não dá
Tratamento igualitário
Aos votantes rotinários
A mim só resta rimar


Rimar pra ter registrada
A posição que assumo
Contra a farsa orquestrada
Que neste cordel resumo
Rimar para resistir
E pra jamais sucumbir
Às normas do suprassumo


Rimar para anunciar
Que não é incompatível
Contra o Bozo lutar
E ser incorruptível
Em certame acadêmico
Elitista, androcêntrico
Excludente e incabível


É possível defender
Democracia de fato
Não só para inglês ver
Ou em discurso abstrato
Ou ela será real
E com direito igual
Ou é fraude e fim de papo


Voto só presencial?
Com disciplinas remotas?
Qual o critério, afinal
De onde essa regra brota?
Privando quem tá distante
E que também é votante
De exercer sua cota?


A noção de inclusão
Permanência e acolhida
Não entra na votação?
Ou dela foi removida?
Afinal, quem pode então
Cometendo exclusão
Propor mais afirmativas?


Farsa, fraude ou restrições
Não podem ser toleradas
Noutras instituições
As regras foram pensadas
Para ninguém ser privado
De votar ou ser votado
Em consultas planejadas


Se o bicho está pegando
Na política brasileira
E tem gente reclamando
Da turma da cumeeira
Por que vamos plagiar
Este modo de jogar
Que normaliza a rasteira?


Eleição pra ser supimpa
Transparente e correta
Primeiro tem que ser limpa
Com regras nada secretas
Onde a isonomia
Seja o prato do dia
Servido a portas abertas


Assim dá pra evitar
Questionamentos futuros
E também facilitar
Um resultado seguro
Legítimo e confiável
Amplamente aceitável
E sem final obscuro


Mas o babado cresceu
E já chegou nos jornais
Na rádio também já deu
Tá nas redes sociais
Só nos resta aprender
Democracia, volver!
Sem deixar ninguém pra trás



E oxalá chegue o dia
De outras vozes falarem
Por outra democracia
Não só com vestes talares
No trono da reitoria
Que venham as ‘minorias’
Com seus blacks e cocares!


Que venham as lesbianas
Crentes e candomblecistas
Faveladas e ciganas
Migrantes, não-binaristas
Camponesas e latinas
Somar com as nordestinas
Numa festa ecologista!


Eita que babado forte
Quando isso acontecer!
Uma gestão de outro porte
É permitido querer?
Ou tem regras pra barrar
Quem ousa imaginar
Algo melhor pra viver?


BabadUFBA seria
O fim da ‘opressão sutil’
Onde a gente não teria
Mais engodo nem ardil
Nem assédios aceitáveis
Privilégios defensáveis
Ou governança hostil


Seria algo assim
Como ter democracia
Só que bem mais inclusiva
E vista à luz do dia
Sendo possível sonhar
Lutar e concretizar
Sem perder a rebeldia


Seria uma pluralidade
De vozes tomando assento
Em outra realidade
Onde ninguém é isento
De assumir que erramos
Quando só homens botamos
Pra governar todo tempo


Aqui termino este verso
Esta peça teatral
Se o assunto é controverso
Vejo como um bom sinal
Pois numa Universidade
Onde há diversidade
O pensamento é plural!”


Cordel de Salete Maria/FFCH/UFBA 01/05/2022

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Já que a Encrenqueira sou EU...

 

Fonte: Imagem Publica retirada do Google Imagens


Na história da Humanidade
Seja qual for o lugar
Há muita perversidade
Contra quem ousa lutar
A favor de seus direitos
Ou contra os preconceitos
Que servem pra segregar
 
Há registros abundantes
Sobre as perseguições
Praticadas por gigantes
Dirigentes e patrões
Coronéis e capatazes
Opressores contumazes
Dos que romperam grilhões
 
Nos compêndios de História
Já é possível encontrar
Fatos, dados e memórias
Que nos fazem relembrar
De tempos abomináveis
Agora reeditáveis
Por quem gostar de mandar
 
É possível perceber
Como eram alcunhados
Tal como hoje se vê
Seres culpabilizados
Que além das injustiças
São chamados de carniças
Por sujeitos potentados
 
Muitos grupos sociais
Que combatem privilégios
São tidos por marginais
Pelos dignos e egrégios
Que os chamam baderneiros
Vândalos e confuseiros
Dentre outros impropérios
 
E no caso das mulheres
Que insistem em lutar
E metem suas colheres
Ousando se rebelar
Contra grupos incrustados
Dentro e fora do Estado
Todo mundo quer xingar

Já foram ditas histéricas
Loucas e desnaturadas
Denominadas coléricas
Bruxas e descompensadas
Chatas e inconvenientes
Impuras ou indecentes
Por não ficarem caladas
 
Assim o patriarcado
Com sua misoginia
Mandava o seu recado
Escrito à luz do dia
Repudiando condutas
De maneira absoluta
Para conter rebeldia
 
Seja através da ciência
Política ou religião
Sempre havia a prepotência
Do prescritor de plantão
Que se achava no direito
De etiquetar o “defeito”
Da fêmea que disse não
 
Também na literatura
Artes ou jurisprudência
Toda mulher “sem candura
Decoro ou obediência”
Passava a ser apontada
Julgada e demonizada
Conforme a ocorrência
 
E assim ao longo das eras
Era comum se encontrar
Mulheres ditas megeras
“Por não saber se portar”
Diante das injustiças
Ou das antigas premissas
Que as obrigava calar
 
Mas onde há violência
Há resistência também
E assim nasce a insurgência
De quem já não diz amém
Para discriminação
Privilégio ou opressão
Seja de um ou de cem
 
Eis então que os feminismos
Emergem por toda parte
E denunciam machismos
Racismos e disparates
De classe e/ou profissão
Família e religião
Dogmas ou estandartes
 
Seja no meio da rua
Na escola ou parlamento
A gente senta a pua
E gera empoderamento
Apesar das divergências
Compartilhamos a crença
Em um mundo sem tormento
 
E muito já conquistamos
Graças às nossas batalhas
Também derrotas contamos
Por causa de alguns canalhas
Que defendem retrocessos
Dentro e fora de um Congresso
Que tanto nos atrapalha
 
Assim como presidentes
Que são machistas também
E discursam veementes
Para o mal ou para o bem
Mantendo o androcentrismo
Assim como o populismo
Que vence quando convém
 
Mas o pior disso tudo
Para quem é feminista
É ver um peixe graúdo
De facção marxista
Alcunhar de encrenqueira
De forma rude e grosseira
Outra mulher ativista
 
Ativista e docente
Que luta em prol de direitos
Que jamais fica silente
Ante assédio ou malfeitos
De direita ou de esquerda
Que geram danos e perdas
E ainda exigem respeito
 
Isto aconteceu comigo
Em razão do meu trabalho
E não era “fogo-amigo”
E muito menos “ato falho”
Partiu de uma autoridade
Que goza da amizade
De gente pra quem não valho
 
E o fato se sucedeu
De forma institucional
E muito me ofendeu
Mas passou como normal
Afinal, quem se opõe?
Se o cargo se sobrepõe
Àquela que é marginal?
 
E partiu de uma mulher
Que ocupa o poder
Revelando um malmequer
Que nem tentou esconder
Mas ofendeu minha honra
Causando-me a desonra
Que não dá pra descrever
 
Busquei saber a razão
E nem resposta me veio
Comuniquei a questão
A autoridade do meio
Que apenas lamentou
E de assunto mudou
Seguindo outro correio
 
Nada de sororidade
Ou mesmo indignação
Pois há seletividade
Neste tipo de ação
Já que notas de repúdio
Dependem de um prelúdio
Chamado de lacração
 
Ademais não tenho ficha
No partido da galera
E tampouco sou cupicha
De quem ainda tolera
Falta de democracia
Privilégio e mordomia
Quando o contrário se espera
 
Por isso que uma feminista
Que fala com independência
E não faz parte da lista
Dos que batem continência
Pra deputado ou reitor
Guru ou governador
“Não merece a deferência”
 
Pois nem desculpa pediram
Nem houve retratação
E com silêncio agiram
Ante a solicitação
De um esclarecimento
Já que no dito momento
Chorei de indignação
 
Eis uma amostra “pequena”
De tantas perseguições
Um ato, uma breve cena
Do que se dá nos porões
De nossa Universidade
Cujo combo de maldades
Dar-lhes-ei outras versões
 
Quem sabe a gente esteja
Vivendo uma reedição
De umas antigas pelejas
Que a história faz menção
Onde mulheres ousadas
Fortes e “malcomportadas”
Sofriam  muita pressão?
 
Como tragédia ou farsa?
Como disse o pensador...
Já que a turma nem disfarça
Ao nos impingir a dor
Feminismo autoritário?
Esquerdismo salafrário?
Ou simplesmente o horror?
 
Minha luta é na fronteira
Contra o bolsonarismo
Que chama de baderneira
Ciência com vanguardismo
Mas também é intestina
Contra essa toxina
Que paga de feminismo
 
Não podemos nos calar
Onde houver opressão
Não importa o lugar
Sujeito ou tradição
Se visam nos excluir
Demonizar ou ferir
Não vai haver união
 
Teoria é pra testar
E ver se presta ou não
E não se pode aceitar
Nenhuma segregação
Sobretudo no Estado
Cujo poder não é dado
Mas conquistado em ação
 
Discurso de igualdade
Com prática de exclusão?
Isso é iniquidade
E exige reação
Mesmo que a autoridade
Crave a sua verdade
Com carimbo e impressão
 
Barraqueira ou resistente?
Ou recatada e do lar?
Quem define é a sua lente?
Fale quem quiser falar
Fica um recado então:
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar!
 
Que me xinguem de demente
Conforme sei que ocorreu
Que me pintem de indecente
Distorcendo o que se deu
Que se juntem contra mim
Vou lutar até o fim...
Já que a encrenqueira sou eu!
 
Salvador, 11/01/2022
Salete Maria