Cordelirando...

domingo, 1 de março de 2015

PORQUE NÃO SOU OBRIGADA


PORQUE NÃO SOU OBRIGADA

Porque não sou obrigada
Não engulo lero-lero
Sou mulher emancipada
Levo a vida como quero
Essa é minha pegada
Vou rimando pela estrada
E assim me empodero

Porque não sou obrigada
Quem manda em mim sou eu
Não aceito ser tratada
Como um objeto seu
Exijo que me respeite
E como sou me aceite
Se não quiser, prescreveu

Porque não sou obrigada
Não aceito violência
Já estou bem informada
E não presto continência
A machistas de plantão
Para quem o meu jargão
É boletim de ocorrência

Porque não sou obrigada
Não engulo baixaria
De canção mal arranjada
Ou piada porcaria
Melhore seu conteúdo
Do contrário fique mudo
Mas não estrague meu dia

Porque não sou obrigada
Quando digo não é não
Não aceito ser forçada
A satisfazer tesão
Seja de quem ele for
Meu corpo não faz favor
Pra criminoso em ação

Porque não sou obrigada
Não curto sua cantada
Que além de enjoada
Me deixa indignada
Pois fere minha liberdade
De andar pela cidade
Sem temer ser molestada

Porque não sou obrigada
Não vou ficar caladinha
Se na aula ministrada
Surge aquela ladainha
Que diz achar natural
O homem ser maioral
E a mulher coitadinha

Porque não sou obrigada
Não vou dar satisfação
De minha vida passada
Ou desta ocasião
Afinal não tenho dono
Nem perco noite de sono
Pra ser refém de varão

Porque não sou obrigada
Não tolero humilhação
Nem aceito ser xingada
Por colega ou patrão
Pois conheço meus direitos
E se trato com respeito
Cobro retribuição

Porque não sou obrigada
Não aceito ganhar menos
Se estou capacitada
Meu valor não é somenos
Quero salário igual
Sem assédio sexual
Ou qualquer ato obsceno

Porque não sou obrigada
Não vou achar natural
Ver mulheres exploradas
Em tudo quanto é canal
Hi-pers- se-xu-a-li-za-das
Pra garantir a jogada
Do lucro patriarcal

Porque não sou obrigada
Não acho linda a família
Cuja mãe é explorada
Por marido, genro e filha
Neto, nora e agregado
Que ficam todos sentados
Enquanto ela se empilha

Porque não sou obrigada
Vou dizer que me incomoda
Essa gente potentada
Que para andar na moda
Não liga se o produto
Da escravidão é fruto
Ou se à infância poda

Porque não sou obrigada
Não vou dizer que aceito
Gente que é ‘abençoada’
Justificar do seu jeito
A opressão feminina
Dizendo que é nossa sina
Viver sob o preconceito

Porque não sou obrigada
Não quero e nem vou casar
Pois se tenho namorada
Não preciso imitar
Modelos convencionais
Ou vivências conjugais
He-te-ro-fa-mi-li-ar

Porque não sou obrigada
Não vou aceitar silente
A matança perpetrada
Contra jovens inocentes
Nas cidades brasileiras
Pela “polícia ordeira”
Que da milícia é suplente

Porque não sou obrigada
Não vou deixar de opinar
Sobre uma coisa errada
Que não canso de falar
Que é termos pouca mulher
Metendo sua colher
No mundo parlamentar

Porque não sou obrigada
Não vou deixar de falar
Que a saúde tá pebada
E a educação vai murchar
Com estes cortes terríveis
Que são inadmissíveis
E vão nos prejudicar

Porque não sou obrigada
Não vou poupar poderosos
Nem vou ficar entocada
Vendo partidos sebosos
De direita e de esquerda
Armando suas mutretas
Com atos insidiosos

Porque não sou obrigada
Não aceito retrocessos
Em direitos ou jornadas
Construídas com sucesso
Sou contra as restrições
Que o governo nos impõe
Com barganhas no Congresso

Porque não sou obrigada
Não falo para agradar
Minha rima é engajada
E é feita para lutar
Tenho a mente feminista
E a alma socialista
Não sou de me conformar

Porque não sou obrigada
Aqui termino meu verso
E sei que fui inspirada
Por deusas do Universo
A quem muito agradeço
E cujo poder reconheço
Ao tempo em que me despeço.

Salete Maria

Salvador, março/2015