Cordelirando...

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

URCA: Caso de Polícia?*


Salve, salve a liberdade
Sobretudo de expressão
Ela é mãe da verdade
Prima-irmã da razão
Venha em prosa ou poesia
Trará sempre à luz do dia
A mais oculta versão

Fazendo revelações
Puxando pela memória
Parindo indagações
Reconstruindo a história
Dizendo o que não se diz
Raspando todo o verniz
Da mais ‘ilustre’ escória

Assim como em oração
Antes de qualquer pedido
É bom fazer saudação
Ao protetor mais querido
Assim farei nesse verso
Que seja ou não controverso
Mas que seja muito lido:

Minha lira nordestina!
Meu Santo Jorge Guerreiro!
Minha nebulosa sina
Tiéte de cancioneiro
Menestréis inspiradores
Trovadores, glosadores
Sirvem-me de candeeiro!

Iluminem minha mente
Neste infeliz enredo
Para que eu, consciente,
Não poupe nenhum segredo
Para que a Academia
Possa dizer algum dia:
Basta, já não temos medo!

Já fiz uns vinte cordéis
Já assumi muitos pleitos
Nunca ganhei um só réis
Eis o meu pior defeito
Mas uma coisa é certa
Sempre dei o meu alerta
Sempre defendi direitos!

Fiz louvores e denúncias
Comprei brigas voluntárias
Tatuei minhas pronúncias
Em bandeiras libertárias
Me somei às margaridas
Em chegadas e partidas
Nessas marchas proletárias

Pus a minha poesia
Para servir de libelo
Daquela dor que doía
Daquilo que não tolero
‘minha estúpida retórica’
Minha arma metafórica
‘palavras pra que te quero?’

Não posso silenciar
Ante tanta bagaceira
Nem posso só lamentar
E viver na pasmaceira
Na luta pelo direito
Aquilo que não foi feito
Causou derrota certeira

Pois bem, vou dizer agora
O que me aflige tanto
E a cada dia piora
Não tem remédio nem santo
É algo muito gravoso
Chega a ser criminoso
Me faz perder o encanto

Mas antes de prosseguir
Usarei um estratagema
Pois vão querer me punir
Me aplicando uma pena
Vou meter uma ficção
No meio desta versão
Pra não dar nenhum problema

“Sonhei que tava num Centro
E um espírito chegou
Me chamou lá para dentro
E me olhando falou:
Anote o que vou dizer
Depois divulgue a valer
E nunca mais terás dor

Eu toda me contorcendo
Doente, acabrunhada
Deprimida, já morrendo
Da URCA licenciada
Pensei: não tenho saída
Se aqui encontro guarida
Terei que ser bem mandada

Mesmo sendo marxista
Senti a culpa cristã
Aceitei aquela pista
Pois pobre não tem divã
O espírito disse assim
Entregue su'alma a mim
E sua vida não será vã

Eu disse: tu és meu dono
E seguirei tua lei
Não me deixe no abandono
Serás pra sempre meu Rei
E ele disse: amanhã
Tu provarás da maçã
Tudo te revelarei

Após comer do tal fruto
Vi tudo com mais clareza
Da vista tirei o luto
Então me veio a certeza:
Este espírito é dos meus
Mil glórias darei a Deus
Ele é minha fortaleza

O espírito disse assim:
Publique aquele cordel
Deixe a bronca para mim
Cumpra logo seu papel
Vão dizer que tu pirou
Que finalmente surtou
Que agora tu és pinel

Conforme me foi soprado
Eu transcrevo a seguir
Tudo me foi informado
Aos poucos fui conferir
Chequei a veracidade
Já não tenho mais idade
Para viver a mentir

Aqui termina a tática
Para não ser processada
Adiante vem a prática
Conforme será narrada
Por meu espírito-sócio
- Quem sabe litisconsórcio?-
Não tenho culpa de nada

Na URCA onde laboro
E tenho muita amizade
Neste lugar que eu adoro
Digo com sinceridade
A coisa tá muito feia
Quem não tem sangue na veia
Não encara esta verdade

Desde que o interventor
Assumiu a reitoria
Desde que esfacelou
A nossa autonomia
Desde que impôs o medo
O que digo foi segredo
Já não é mais hoje em dia

Toda sorte de engodo
Trapaça e falcatrua
Em meio à lama e ao lodo
Ao sol e à luz da lua
Se pratica nesta casa
Escondida em cova rasa
Quase à porta da rua

Trambique, muita mamata
Jogo, conchavo e esquema
Escrito ou não em ata
Igual ou não no cinema
Tudo para atender
Àqueles que no poder
Têm o roubo como lema

Muita irregularidade
Desmando e perseguição
Muita falta de hombridade
Ameaça e demissão
Muitos colegas morrendo
Muita gente adoecendo
Tristeza e depressão

Eis o cenário do medo
A cara da Academia
O bicho que desde cedo
Sua feição escondia
Eis o quadro do terror
‘novos tempos de horror’
Que muita gente temia

Vejam só a s transferências
Ditas como irregulares
Quanta vil conveniência
Auxiliando seus pares:
Caspa e desnutrição
Até piolho é razão
Pra transferir escolares

Por isso a Promotoria
Destemida e operante
Denunciou tal ‘orgia’
Chamada de ‘abominante’
Na esfera federal
Pra evitar que o Chacal
Assedie o judicante

Mas outras coisas piores
Estão pra acontecer
Talvez sejam bem maiores
Do que eu digo a você
Imagine os contratos
Vai haver espalhafato
Ouça o que eu vou dizer

Os cursos de Iguatu
Que bela imoralidade
Eu adverti a tu
Essa pouca insanidade
Quem já viu a URCA ter
Uns cursos para vender
E noutros gratuidade?

Campus sem biblioteca
Professores sem pesquisa
Ficam jogando peteca
Mas que reitor cara lisa!
Um faz de conta total
‘grupo de terceiro grau’
Onde o Rei casa e batiza

E as tais mensalidades?
Pra onde é que elas vão?
Cadê as autoridades?
Doutores da região!
Fogueira de vaidades!
Pululam iniqüidade
Nesta jovem fundação!

Se tem aluno pagando
E caro! Pra estudar
E se ainda está faltando
Até água pra tomar
Não é então o momento
De deixar de fingimento
E tudo isto apurar?

Nunca mais reunião
Nos conselhos acadêmicos
Só pra condecoração
Nada de temas polêmicos
Tudo ad referendum
E a URCA se fudendum
Nesses males não endêmicos

Muitos vícios cometidos
Nos testes de seleção
Muitos discursos não-lidos
Nas festas de colação
Muita gente indignada
Mas tesa, muda, calada
Temendo perseguição

Provas trocadas no dia
De exame vestibular
Seleção pra graduado
Envelope sem lacrar
Candidata pra Direito
Faz um teste tão bem feito
Que engenheira será!

Processos de ascensão
Sumindo de gabinetes
Projetos de oposição
Se perdem qual alfinetes
Pró-reitores muito caros
Resultados muito raros
Alguns são meros enfeites

Muita pompa e muita fita
Muita pose sem trabalho
Quem será que acredita
Eis um jogo de baralho
Quem será que vai bater
Estou pagando pra ver
Mais um ato dito falho

E no curso de Direito
Onde o caos é pior
A coisa ta tão sem jeito
Que às vezes causa é dó
Tem gente com vaga certa
Pois a porta está aberta
Basta ter um paletó

Tem gente que não estuda
E depressa cola grau
A coisa é tão cabeluda
Que agora no Natal
Uma aluna ‘visitante’
Com ajuda importante
Quis se formar, afinal

Mesmo sendo reprovada
Disse que ia mostrar
Pois era orientada
Às aulas não freqüentar
Um ad hoc professor
Suas faltas abonou
E ninguém ia empatar

Depressa o seu pedido
Foi pra mesa do reitor
De fato foi remetido
Pelo seu coordenador
É acintoso demais
Tem que ir para os anais
Porque é fraude e complô

Nas férias qualquer cadeira
Podia se ofertar
Parecia uma feira
Negócio espetacular
Sem ouvir departamento
Sem nenhum constrangimento
Bastava o aluno pagar

Mas como estava demais
E todo mundo mangava
Como não somos iguais
Isto nos envergonhava
Um dia a farra exauriu
Departamento impediu
O golpe que ali se dava

Houve até um magote
Que andou se cadastrando
E dizia que o mote
Era ‘cinquenta pagando’
Pra adiantar o curso
Pois lá havia um urso
Que tava tudo ajeitando

Sei que negócio era feio
Tinha dinheiro envolvido
Aluno no aperreio
Nem era admitido
Isto tudo acontecia
À tarde, à luz do dia
E ninguém era detido

Tem gente que anda armada
Revólver de todo jeito
Uma discussão cerrada
Pode dar tiro no peito
Aluno ou professor
Só de pensar sinto dor
Isto tem que ser desfeito

Um professor que faltava
Por motivos pessoais
Os alunos reclamavam
Pois já estava demais
O senhor coordenador
Os seus nomes anotou
Para não falarem mais

Tinha até um estudante
Que ensinava também
Ele era o informante
E vivia a se dar bem
Está desaparecido
Mas o salário devido
Todo mês na conta vem

Tem colega há dois anos
Gestante e afastada
Acho que ela faz planos
De vir quando aposentada
Tem outro que se ‘enfezou’
E nunca mais trabalhou
Nem lhe aconteceu nada

E nem vai acontecer
Pois estão todos calçados
Se mesmo sem se eleger
O reitor foi empossado
Que moral pensa que tem
Pra exigir de alguém
Que dê conta do recado?

Processo de toda cor
Ameaçam instaurar
Pra perseguir professor
Basta só ele falar
Tem gente que até mudou
De repente amarelou
E nem bom dia me dá

O comitê de pesquisa
Virou de perna pro ar
Muda e ninguém avisa
Que composição terá
Somos todos uns jumentos
Nos nossos departamentos?
Vivo a me perguntar

Toda pós-graduação
Tem confiscado seu crédito
Medida de contenção
Vejam que fato inédito
Faliram a FUNDETEC
Apropriação hi tech
A URCA tá no descrédito

Os alunos do Magister
Reclamam por seus diplomas
Ninguém lhes diz que o gangster
Tá escondendo os sintomas
A URCA virou mercado
Quem não paga é roubado
Deus sabe o vulto das somas

Tem professor aprovado
Em concurso anterior
Que jamais será chamado
Assim diz o interventor
Mas outros são convidados
Sem D.E. e sem mestrados
Para esta gang compor

“Dos juízes sou amigo”
Anda bradando o reitor
Se achando ‘o garantido’
Onipotente feitor
Se perguntar não faz mal:
É do juiz de Sobral,
Magnífico doutor?

Não pense você que isto
Amedronta quem labora
O mal juiz é um cisto
Que se arranca e joga fora
Se o povo não tá contente
Derruba até presidente
Pra tudo se tem a hora

É um caso de polícia
Nossa universidade
Todo mundo dá notícia
Das irregularidades
Se cada um for chamado
Tudo será relatado
Com muita facilidade

Quem sabe uma auditoria
Um inquérito civil
Nisso o povo confia
Exemplos há no Brasil
Quadrilhas são desbancadas
Pois as provas são guardadas
Pelo próprio esquema vil

Enquanto isto não vem
A vida se vai levando
O poder que a gente tem
Vai se manifestar quando
O BERRO for de agonia
E não uma alegoria
De quadrúpede cagando

Sabemos que a URCA tem
Ótimos profissionais
Que de todo canto vem
Que são retos e leais
Que querem colaborar
Ensinar e pesquisar
Viver e dormir em paz

Sabemos que muitos são
Duramente perseguidos
Vivem nesta região
E são bastante queridos
São conhecidos do povo
Querem construir o novo
Sem pisar sobre os antigos

Sabemos que a estudantada
Também não está contente
E que não fica calada
Pois um dia de repente
O grito vai eclodir
Muita gente há de ouvir
‘choro e ranger de dente’

Fica aqui o meu recado
Meu desabafo em cordel
Se cometi um pecado
Um dia não vou pro céu
Mas se dei voz a quem vê
Os desmandos do poder
Então cumpri meu papel

Peço a Universidade
Quem me ajude a divulgar
E a maior autoridade
Que tiver no Ceará
Saberá por poesia
Que a URCA hoje em dia
Tá prestes a estourar

E sendo tudo verdade
Como afirmo que sim
Que alguma autoridade
Mande intimar a mim
Pois direi o que conheço
Mesmo pagando o preço
Por ter agido assim

Se é caso de polícia
Que seja investigado
Se não passa de malícia
Que seja então processado
O espírito que me soprou
E meu dedo que digitou
Texto psicografado

*Cordel escrito pela autora em Maio de 2005. Qualquer semelhança com a atual realidade é mera coincidência (ou não).

Um comentário:

Anônimo disse...

muito me admira
que não haja comentário
nesse cordel aqui

e eu que andava triste
por ter sido preterida
chegando até ao recurso

agora dou um viva,
ter perdido no concurso
foi uma premiação!

ai que medo Cruz credo
logo vi que aquela erva
esparramada no campus

era daninha e severa
só não sabia que ela
picava até estudante

que Deus abençoe os mestres,
dessa instituição
e lhes conceda o perdão

por trair o juramento,
os ideais e a razão,
... por enquanto.

Cissa de Oliveira




























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