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domingo, 1 de maio de 2022

BABADUFBA: PARA DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA ANDRO(BRANCO)CÊNTRICA NA UFBA

Nesta terra de doutores, magníficos reitores, leva-se a sério a comédia? (Belchior)


Esta peça é encenada
No salão da Reitoria
Lugar de gente letrada
Branca, nobre e luzidia
O século é vinte e um
Mas pode ser qualquer um
Pois é contra a fidalguia


A plateia está lotada
Da ralé que chegou cedo
Forasteiras graduadas
Gritando “não temos medo”
O monólogo começa
Com uma atriz boa à beça
Dramatizando o enredo


Ela veste saia justa
E blusa preta de malha
A voz é rouca, me gusta
E o sorriso se espalha
Cheia de dentes, irada
Altiva e desbocada
Mete lenha na fornalha:


“Eis que o momento chegou
Da escolha do reitorado
E o jogo que se armou
Precisa ser questionado
Pois desde o edital
Já temos um bom sinal
De guerra em campo minado

Tardiamente editadas
As normas são excludentes
De feições encomendadas
Porém pouco inteligentes
Pois em plena pandemia
Golpeia a democracia
Com restrições indecentes


Exige que as inscrições
Sejam só presenciais
E não abrem exceções
Pra casos especiais
Mesmo em contexto atípico
O táxon é monotípico
No clube dos maiorais


Do mesmo modo a campanha
E também a votação
Para evitar ‘gente estranha’
Ao ninho do ‘Pai João’
Com chapas questionadoras
Das condutas opressoras
Dos governos de plantão


Portanto só vai votar
Quem puder comparecer
Fisicamente ao lugar
Que a ordem estabelecer
E em cédula de papel
Lavada com álcool gel
Sua ‘vontade’ escrever


Na contramão da história
Ao estilo Bolsonaro
É pra ficar na memória
Do talk ‘Hora do Faro’
Já que em outras IES
Ninguém deixou Ramessés
Impor conto do vigário


Da USP a UNILAB
UEPA e UFC
O mundo todo já sabe
Mas não me custa dizer
Foi on line a escolha
E também furou a bolha
UPE e UFRB


Pra não excluir ninguém
Em tempos de pandemia
Algumas vão mais além
Em nome da isonomia
Fazem tudo virtual
Do sertão ao litoral
Privilégio repudia


Respeitam normas internas
Sobre ensino remoto
Não tentam quebrar as pernas
De quem não anda de moto
Com transparência e lisura
Evitam impor censura
A quem não lhes é devoto


Assim a escolha se dá
Noutras instituições
Mesmo onde disputa há
Entre grupos grandalhões
Mas evitam cercear
O direito de votar
De quem foge aos padrões


Sejam eles citadinos
De gênero, raça e etnia
Com ou sem foco divino
Ou mesmo ideologia
Basta ser comunidade
Pra ter a oportunidade
Sem invocar primazia


Mas na UFBA é diferente
Só vota quem tem dinheiro
Pois um grande contingente
Voltou pra casa ligeiro
De Xique-Xique a Brumado
Tem gente pra todo lado
Cuidando dos seus, primeiro


Pois desde 2020
Estudam remotamente
E chega a ser um acinte
Excluir toda essa gente
Que está matriculada
E não pode ser privada
De escolher dirigentes


Ademais tem servidores
Seja técnico ou docente
Que também são detentores
De direitos inerentes
Que por razões de saúde
Até que o quadro mude
Trabalham remotamente


Estes não irão votar
Posto que a regra os exclui
Já que para sufragar
Ser membro em nada influi
Deve-se comparecer
E continência ‘bater’
Pros seguidores de Rui


Mas quem se importa com isso?
Se temos democracia!
Pois do atento ao omisso
O que vale é a alegria
De votar para reitor
Sumo-pontífice, pretor
Digno de toda honraria


Tutto maschio de esquerda
Branco, em regra, potentado
Se um preto ousa, é perda
Se for mulher, é pecado
A menos que a autorizem
Ou volte para a origem
Com ‘um’ mandato findado


Basta ver as galerias
Das fotos dos reitorados
Branquitude em harmonia
‘Cabelos bem penteados’
Bem-nascidos, educados
Previamente preparados
Pra conduzir o ducado


Assim a cada mandato
E a cada nova consulta
Chapa branca já é fato
E às vezes nem há disputa
Tem ‘consenso’ costurado
Tudo mui bem ajeitado
Com ‘democracia e luta’!


Até que uns revoltados
Resolvem se apresentar
Livres e desenfreados
Ousam tudo questionar
Construindo alternativas
Críticas e propositivas
Pra chapa única evitar


Pessoas independentes
Fartas de perseguição
Afro-pobres descendentes
Feministas sem quinhão
Sedentas por equidade
Transparência e boa vontade
Dentro de fora da gestão


E ao longo de muitos dias
Tentam algo construir
Mas veem que as utopias
Se chocam neste devir
Pois também na resistência
Pululam incoerências
Difíceis de digerir


Egocentrismo aguçado
Bota tudo a perder
Machismo escancarado
Não dá para defender
E a cabeça da chapa
Como bola na caçapa
Só macho pode meter?


E além da desigualdade
Do certame elitista
Emerge a iniquidade
De caráter sexista
Onde o arquétipo viril
Másculo e varonil
Só quer o topo da lista


Assim é que duas chapas
Novamente masculinas
Repetem velhas etapas
Numa IES feminina
Onde somos maioria
Mas reza a ideologia
Que servir é nossa sina


Seja como auxiliar
Assistente do varão
Como vice, até que dá
Mas como reitora, não
‘Venham coadjuvar
Cuidar, secretariar
Mas comandar? Ninanão!


Mas os homens candidatos
Sempre tem apoiadoras
Algumas ‘de fino trato’
Outras ditas precursoras
Da arte de militar
Ou da função de ensinar
Que podemos ser ‘mentoras’


Branco, negro ou amarelo
Titular ou a caminho
Para eles, o Castelo
Para nós, o puxadinho
É assim que a banda toca
E pobre de quem se toca
Pois lhe resta o pelourinho


Porém o continuísmo
Discursa sobre inclusão
E o bloco do oportunismo
Vai na mesma direção
E o patriarcado gozando
Com ambos se jactando
Na dança da sucessão


Mas muitos preferem ver
Somente as maravilhas
Fazem vídeos pra dizer
Como é bela ‘nossa ilha’
‘Democracia não falta’
‘Igualdade é nossa pauta’
‘Rezem por nossa cartilha’


Já o outro diz que é fraude
Mas entrou para jogar
Sabendo que era debalde
Essa farsa endossar
No princípio acreditou
De vices se acompanhou
Pra depois espernear


Aceitar jogar um jogo
No qual nem pode votar
É meter a mão no fogo
Crente que não vai queimar
Bastava não ter entrado
Ou jamais ter apostado
Que poderia ganhar


Sem dúvida que é importante
Ter chapa de oposição
Pra romper com a arrogante
Hegemonia em questão
Mas pra quê jogo de egos
Socando em ponta de pregos
Sem apoio ou condição?


E achar que violência
É ‘só’ pressão virtual
E não vê a virulência
Na traição underground
É ter pouca consciência
Ou mesmo fingir demência
Pra ganhar ponto, ao final


A violência política
Que nós, mulheres, sofremos
Não se confunde com a crítica
À chapa a que pertencemos
É sobre situações
Ofensas, perseguições
Pra que não continuemos


São expressões do machismo
Que podem até matar
E articulada ao racismo
Visa nos interditar
De ocupar o poder
De disputar, concorrer
E até mesmo ganhar


Também sofre quem milita
Por mais representação
Porém já não se limita
Somente à eleição
Ocorre no exercício
(Ao longo do interstício)
Do mandato ou da gestão


Portanto, ao impedir
Ou mesmo dificultar
Que a mulher possa vir
No lugar de titular
E não somente na vice
Para manter a mesmice
Também é violentar


E o mesmo também se diga
Da chapa só de marmanjos
Pois este ardil mitiga
Machismos e seus arranjos
De violência simbólica
Nefasta e monopólica
Porém com papo de anjo


Em ambas situações
Vemos a iniquidade
Patriarcais ambições
Com selo de qualidade
Falando em democracia
Justiça e cidadania
Aceitas como verdades


Tudo naturalizado
Por silêncios feministas
Num contexto conturbado
Cheio de equilibristas
Que ante ao bolsonarismo
Dão férias ao feminismo
E à luta antirracista


E é tudo tão natural
Que até a Comissão
Chamada de Especial
Reproduz essa visão
Ao colocar na suplência
Três mulheres-referência
Em nossa instituição


E assim o baile segue
Só com chapas masculinas
Para quem come esse regue
A festança é na colina
Mas para quem questionar
E não deixar se enquadrar
É sem dó ou vaselina


Mas quem aprendeu lutar
No Raso da Catarina
E não se deixar domar
Pelos que tão lá em cima
Resistir é necessário
Conforme a rima de Bráulio
Do Raio da Silibrina


Porém se a comunidade
Aceita sem contestar
Em uma Universidade
Um certame que não dá
Tratamento igualitário
Aos votantes rotinários
A mim só resta rimar


Rimar pra ter registrada
A posição que assumo
Contra a farsa orquestrada
Que neste cordel resumo
Rimar para resistir
E pra jamais sucumbir
Às normas do suprassumo


Rimar para anunciar
Que não é incompatível
Contra o Bozo lutar
E ser incorruptível
Em certame acadêmico
Elitista, androcêntrico
Excludente e incabível


É possível defender
Democracia de fato
Não só para inglês ver
Ou em discurso abstrato
Ou ela será real
E com direito igual
Ou é fraude e fim de papo


Voto só presencial?
Com disciplinas remotas?
Qual o critério, afinal
De onde essa regra brota?
Privando quem tá distante
E que também é votante
De exercer sua cota?


A noção de inclusão
Permanência e acolhida
Não entra na votação?
Ou dela foi removida?
Afinal, quem pode então
Cometendo exclusão
Propor mais afirmativas?


Farsa, fraude ou restrições
Não podem ser toleradas
Noutras instituições
As regras foram pensadas
Para ninguém ser privado
De votar ou ser votado
Em consultas planejadas


Se o bicho está pegando
Na política brasileira
E tem gente reclamando
Da turma da cumeeira
Por que vamos plagiar
Este modo de jogar
Que normaliza a rasteira?


Eleição pra ser supimpa
Transparente e correta
Primeiro tem que ser limpa
Com regras nada secretas
Onde a isonomia
Seja o prato do dia
Servido a portas abertas


Assim dá pra evitar
Questionamentos futuros
E também facilitar
Um resultado seguro
Legítimo e confiável
Amplamente aceitável
E sem final obscuro


Mas o babado cresceu
E já chegou nos jornais
Na rádio também já deu
Tá nas redes sociais
Só nos resta aprender
Democracia, volver!
Sem deixar ninguém pra trás



E oxalá chegue o dia
De outras vozes falarem
Por outra democracia
Não só com vestes talares
No trono da reitoria
Que venham as ‘minorias’
Com seus blacks e cocares!


Que venham as lesbianas
Crentes e candomblecistas
Faveladas e ciganas
Migrantes, não-binaristas
Camponesas e latinas
Somar com as nordestinas
Numa festa ecologista!


Eita que babado forte
Quando isso acontecer!
Uma gestão de outro porte
É permitido querer?
Ou tem regras pra barrar
Quem ousa imaginar
Algo melhor pra viver?


BabadUFBA seria
O fim da ‘opressão sutil’
Onde a gente não teria
Mais engodo nem ardil
Nem assédios aceitáveis
Privilégios defensáveis
Ou governança hostil


Seria algo assim
Como ter democracia
Só que bem mais inclusiva
E vista à luz do dia
Sendo possível sonhar
Lutar e concretizar
Sem perder a rebeldia


Seria uma pluralidade
De vozes tomando assento
Em outra realidade
Onde ninguém é isento
De assumir que erramos
Quando só homens botamos
Pra governar todo tempo


Aqui termino este verso
Esta peça teatral
Se o assunto é controverso
Vejo como um bom sinal
Pois numa Universidade
Onde há diversidade
O pensamento é plural!”


Cordel de Salete Maria/FFCH/UFBA 01/05/2022

3 comentários:

Anônimo disse...

Excelente !

Anônimo disse...

Muito obrigada!

Rosa Meire disse...

Parabéns, Salete! Lindo cordel!