PRA EXPLORAÇÃO
SEXUAL
Maria tem quinze
anos
E deseja se formar
Todo dia ela faz
planos
De voltar a estudar
Mas sendo negra e
pobre
Toda hora ela
descobre
O quanto tem que
lutar
É uma jovem bonita
De corpo escultural
Gosta de tá bem na
fita
Dançando não há
igual
Curte uma diversão
Mas leva uma vida de
cão
Que a deixa muito
mal
Ela vive em Salvador
Com a mãe e um
irmão
E também com um avô
E um tio de criação
Moram na periferia
E trabalham noite e
dia
Pra poder ganhar o
pão
Sua mãe é
empregada
Numa casa de família
Seu irmão vende
cocada
Para pagar a mobília
Seu avô é
aposentado
Mas trabalha no
pesado
Para ajudar a filha
O tio de Maria bebe
E é muito violento
Às drogas vive
entregue
Gerando mais
sofrimento
Vez por outra ele é
detido
Confundido com
bandido
E piorando o
tormento
Maria é manicure
E também vende
calcinha
Não tem dinheiro
que dure
Pois mal ganha pra
farinha
Pro transporte e o
aluguel
Já que nada cai do
céu
Vai levando essa
vidinha
Maria tem uma amiga
Que foi para
Portugal
De vez em quando ela
liga
Pra dizer que tá
legal
E que agora é
dançarina
Que vai mudar sua
sina
Etecetera e coisa e
tal
Essa amiga de Maria
Sempre foi muito
bacana
Toda coisa ela fazia
Para ganhar uma
grana
Pois tem um filho
pequeno
E quer comprar um
terreno
‘Pra deixar de ser
cigana’
É uma jovem que
deseja
Ter uma vida melhor
Sempre viveu na
peleja
Sofrendo de fazer dó
O pai dela a
estuprou
E sua mãe se matou
Deixando ela tão só
Ela diz que teve a
sorte
De encontrar um
cristão
Que lhe apontou um
norte
E lhe deu a ‘opção’
De viajar pra Europa
Junto com mais uma
tropa
De moças sem
condição
Maria sente saudades
Da amiga que partiu
E espera por
novidades
Dum mundo que nunca
viu
Quem sabe ela também
vá
Pra Europa trabalhar
Já que está mal no
Brasil
Porém Maria não
sabe
Pois a amiga não
diz
Quem são suas
amizades
E se está mesmo
feliz
Já que só liga
falando
Que lá estão
precisando
De dançarina e
atriz
Maria lhe perguntou
Como é a vida por
lá
A amiga se limitou
A dizer: venha pra
cá
Aqui você se ajeita
Diga logo se aceita
E alguém vai lhe
buscar
Maria ficou tentada
E disse: eu vou
pensar
A amiga animada
Disse: você vai
gostar
Vai juntar um bom
dinheiro
E muito mais que
ligeiro
Vai poder tudo
comprar
Em poucos dias Maria
Recebeu outra
mensagem
Da amiga que dizia
Que ela fosse a uma
garagem
Onde um cara lá do
sul
Numa Pajero azul
Ia falar da viagem
Maria foi ao
encontro
Bem vestida e feliz
O cara foi todo
pronto
Mas com sangue no
nariz
Ela achou aquilo
estranho
Mas tava de bom
tamanho
Pra quem vive por um
triz
O cara disse: menina
Você é linda
demais
Acho que é sua sina
Ganhar uma grana a
mais
Por favor seja
discreta
Se você tem como
meta
Deixar o Brasil pra
trás
Nesta noite sua
amiga
Voltou a telefonar
Falou: Maria se liga
Não precisa
espalhar
Diga pro seu pessoal
Que você dará
sinal
Assim que aqui
chegar
Falou que em vinte
dias
Tudo estaria certo
E que ela viajaria
Com um cara bem
esperto
Que não se
preocupasse
Pois não haveria
impasse
E o caminho estava
aberto
Disse que já
articulou
Para alguém lhe
procurar
Citou um tal de Dodô
Que não é o de
Osmar
Falou que ele é
decente
E que sempre leva
gente
Pra Europa sem pagar
Maria ficou contente
Com a possibilidade
Pois surgiu em sua
mente
Um turbilhão de
vontades
De ter emprego e
salário
E concluir o
primário
Numa bonita cidade
Nessa noite
adormeceu
Pensando na tal
proposta
Pela manhã nem
comeu
Pra não ficar
indisposta
E para não engordar
Pois ouve a amiga
falar
‘De gorda gringo
não gosta’
Na tarde do outro
dia
Quando foi para o
mercado
La na Praça da
Alforria
Percebeu algo de
errado
Avistou uma multidão
Numa tal reunião
Sobre um assunto
macabro
Logo foi se
aproximando
E escutando a
conversa
Duma mulher
palestrando
E a população
imersa
Num assunto
instigante
Mas também
preocupante
Como uma coisa
perversa
Não era um papo
banal
Era tráfico de
humano
Pra exploração
sexual
Um negócio meio
insano
Mulheres
escravizadas
Levadas,
trancafiadas
Por um bando de
tiranos
Um vídeo foi
exibido
E folhetos
espalhados
O povo estarrecido
Pasmo e extasiado
Com a tal escravidão
Dita ‘nova
exploração’
Das mulheres deste
lado
A mulher ia
explicando
Que era grave o
problema
Uns dados ia
mostrando
E revelando um
esquema
Que tem se
articulado
No mundo globalizado
Cheio de
estratagemas
Disse que há no
Brasil
E noutras partes do
mundo
Que gera pra mais de
mil
Dólares em um
segundo
É um negócio
rentável
E também abominável
Torpe e bastante
imundo
Afirmou que no país
Tem crescido sem
parar
E no mapa fez um x
Para melhor explicar
Como se dá na Bahia
E em outras
freguesias
Onde este crime se
dá
No vídeo se pôde
ver
Que houve uma
descoberta
Pois deu para
perceber
Pelo nível do
alerta
Que aquela mulher
dava
Para quem ali
passava
E ficava de boca
aberta
Dizia a tal senhora
De nome Jaci
Nogueira
Que falava em boa
hora
Ali bem no meio da
feira
Que esse crime é um
atentado
Aos direitos
conquistados
Pela mulher
brasileira
Mas não só as
brasileiras
Frisou logo em
seguida
Mas a toda
companheira
Que não está
protegida
Em qualquer canto do
mundo
Contra este projeto
imundo
Que vende corpos e
vidas
É um crime
transnacional
Já que ultrapassa a
fronteira
Mas tem prática
igual
Nessa terra
hospitaleira
Trazidas de outros
lugares
De serras, vales e
mares
São tantas as
brasileiras
O caso aqui narrado
Começou em nosso
estado
Mas foi bem
articulado
Como disse o
delegado
Eles usam as garotas
Para convidarem
outras
E não serem
encontrados
A rede que está por
trás
É muito bem
preparada
Quase não deixa
sinais
E evita dar mancada
Até mesmo as usadas
Sentem que são
ajudadas
Quando são
aliciadas
É bastante
complicado
O problema em
questão
Mas vejam o
resultado
De mais uma operação
Que contou com gente
boa
Que não veio ao
mundo a toa
Mas sim pra
transformação
A polícia trabalhou
Com muita
dificuldade
Mas alguém
denunciou
Essa turma da
maldade
Que trabalha pra
golpistas
Traficantes
vigaristas
Que vivem nesta
cidade
Ouçam vocês o que
diz
Uma que foi
resgatada
Ela saiu do país
E viveu trancafiada
Chamada de odalisca
E usada como isca
Para convencer a
moçada
A pessoa que falava
Maria viu no telão
Chorava que soluçava
Cobrindo o rosto com
a mão
Dizia ela, coitada
Que foi muito
explorada
E voltou sem um
tostão
Disse que foi
humilhada
E obrigada a fazer
Por inúmeras
noitadas
Sexo para se vender
Contra seu
consentimento
E foi grande o
sofrimento
Que ela só pensa em
morrer
Maria ouvindo a voz
Reconheceu a amiga
Sentiu uma dor atroz
Dilacerando a
barriga
Gritou
estridentemente
E chorou
profundamente
Como quem perdeu na
vida
Foi assim que se deu
conta
Da iminente desgraça
E quando se sentiu
pronta
Se retirou lá da
praça
Mas viu que tinha um
dever
De se engajar pra
valer
Contra esta vil
trapaça
Passou a ler sobre o
tema
E comentar com
colegas
Em casa, rua e
cinema
Organizou a refrega
Para exigir do
Estado
Ação e muito
cuidado
Com a vida que não
se nega
Percebeu que este
delito
Constitui violação
A seus direitos
humanos
E a sua condição
De mulher e cidadã
Que batalha no afã
De mudar de posição
Desde então ficou
atenta
E voltou a estudar
Saiu da câmera
lenta
E decidiu se engajar
Na luta contra este
crime
Que explora e oprime
Mas que precisa
acabar
Passou a mobilizar
Juntamente com as
parceiras
Gente do seu habitat
E também doutras
ladeiras
Para evitar que as
Marias
Jovens das
periferias
Voltem a levar
rasteira
Por conta das
condições
De vida neste país
Das diversas
opressões
E do machismo
infeliz
De tantas
desigualdades
Racismo e
iniquidades
Todas vivem por um
triz
Pois que o Estado
enfrente
O tráfico das
humanas
E que o povo tenha
em mente
Que nós não somos
iguanas
Do tipo exportação
Pra alimentar o
tesão
E a ganância insana
Que haja intervenção
E repressão
consequente
Mas que também
tenha ação
Pra gerar vida
decente
Com emprego e
educação
Saúde e muita
atenção
Pra população
carente
Que haja
transformação
Na educação
sexista
E controle da
concessão
De toda mídia
machista
Que representar a
mulher
Da forma como requer
O lucro capitalista
Que sejam
questionadas
As músicas que nos
ofendem
Que também sejam
barradas
As propostas que
atendem
Interesses
opressores
Racistas e
predadores
Das vidas que não
se rendem
Que o foco desta
luta
Seja os direitos
humanos
Das mulheres que
labutam
Pra realizar seus
planos
De viver com
autonomia
Liberdade e alegria
Por muitos e muitos
anos!
Autora: Salete Maria
Salvador, março de
2014
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