Quem
mora no Cariri
Conhece
essa pessoa
Dona
dum coração grande
E
d’uma alma muito boa
O
seu nome é Faustino
E
ele tem por destino
Não
passar na vida à toa
É
uma grande liderança
Que
mora em Juazeiro
E
desde muito criança
Mostrou-se
muito guerreiro
Pois
travou uma batalha
Contra
uma grande muralha
Da
qual já foi prisioneiro
A
muralha em questão
Atendia
por dois nomes
Mas
lá no meio do sertão
Tinha
muitos codinomes
Um
nome era ignorância
Que
assombrou sua infância
Pior
do que lobisomem
Preconceito
era o outro nome
Da
tal muralha maldita
Pois
sendo pior que a fome
Causava
dor infinita
Pois
separava humanos
Sob
argumentos insanos
Causando
muita desdita
Mas
foi a ignorância
Quem
primeiro apareceu
La
pela segunda infância
O
menino a conheceu
Quando
então ficou doente
E
nenhum inteligente
Sua
doença entendeu
Os
sintomas eram muitos
E
aos pais preocupava
Eles
iam sempre juntos
Para
ver no que é que dava
Cada
vez era um médico
De
saber enciclopédico
Mas
de nada adiantava
Pra
pele cheia de manchas
Só
pomadas receitavam
Mas
a cura não deslancha
E
as feridas aumentavam
Nenhum
dermatologista
Sabia
dar qualquer pista
Do
que então se passava
Quando
fez quatorze anos
Veio
a lesão no nariz
E
com ela o desengano
Que
o deixava infeliz
Pois
eram tantas agruras
E
como não via a cura
Vivia
então por um triz
Frequentou
um otorrino
Que
soro lhe receitou
Seguiu
todo o figuro
Mas
de nada adiantou
Tratou-se
por quatro anos
Sempre
ali peregrinando
Por
um ou outro doutor
Descrente
da medicina
Recorreu
à natureza
Pois
essa também ensina
E
com bastante proeza
Por
meio de suas plantas
Que
muita dor acalanta
Trazendo
paz e leveza
De
chá tomou mais de cem
De
folha, caule e raiz
Muitos
lhe fizeram bem
Outros,
mal pra cicatriz
Partiu
pras religiões
Em
cujas celebrações
Deus
é um justo juiz
Catolicismo
e umbanda
E
espiritismo também
Enveredou
pelas bandas
De
tudo o que era do bem
Pois
queria ser curado
E
já andava esgotado
Do
eterno vai e vem
Suplicava
ao Padim Ciço
E
também a Mãe das Dores
Jovem
ainda no viço
Acompanhava
os andores
Pois
quando se quer saúde
Vale
qualquer atitude
E
não se pensa em pudores
Assim
a vida seguia
Com
pioras e melhoras
Faustino
amadurecia
Sempre
contando as horas
Para
um dia ser liberto
Deste
destino incerto
Que
a alegria ignora
Pouco
a pouco foi perdendo
Força
nos pés e nas mãos
Os
pais se compadecendo
Viviam
sempre em ação
Sua
mãe acabrunhada
Tristonha,
muda, calada
Mas
firme na oração
Embora
não sendo fácil
Viver
daquela maneira
Sua
família tão dócil
Também
era altaneira
Dava
a ele muito amor
E
o apoio protetor
Contra
a língua faladeira
Chegou
a maioridade
Todo
cheio de feridas
E
justo nesta idade
Em
que a vida é colorida
Faustino
foi piorando
E
o corpo desfigurando
Neste
momento da vida
Caroço
por todo lado
Inchaço
e muita fraqueza
Cada
vez mais arrasado
Seguiu
para Fortaleza
E
tome diagnose
De
câncer a osteoporose
Eram
essas as “certezas”
Sífilis
e reumatismo
Entraram
para o menu
Era
muito traumatismo
Para
um jovem corpo nu
Foi
então que, por acaso,
Um
médico vendo seu caso
Teve
um leve “dejavú”
Assim,
acidentalmente,
Por
conta da propaganda
Que
coincidentemente
Justo
naquela semana
Passava
pela tevê
Sobre
manchas, sem doer
Que
a muita gente engana
O
doutor disse a Faustino:
“O
seu problema tem cura
Mas
eu sendo um otorrino
Não
disponho de estrutura
E
você tem que tratar
Com
quem possa lhe ajudar
Da
maneira mais segura”
Foi
então encaminhado
Ao
Centro de Referência
E
aí, bem desolado,
Foi
onde tomou ciência
Do
nome da enfermidade
Que
desde tenra idade
Roubou-lhe
a plena vivência
Hanseníase
era o nome!
Mas
nunca o tinha escutado
Só
que o velho codinome
Usado
em tempos passados
Martelava
em seus ouvidos
Como
quem ouve os gemidos
Dos
seres discriminados
O
pior choque, no entanto,
Nem
foi com a descoberta
Foi
algo que trouxe espanto
E
que o deixou em alerta
Pois
quem o examinou
Dele
nem se aproximou
E
o fez de porta aberta
O
médico o mandou sentar
Num
cantinho da parede
Nem
mesmo quis lhe tocar
E
fê-lo sentir mais sede
Pois
a garganta secou
De
tanto que ele gelou
Diante
do “equinípede”
Esse
primeiro contato
O
deixou boquiaberto
Sem
ação, estupefato
Temendo
até chegar perto
De
qualquer profissional
Pois
o primeiro sinal
Foi:
aqui é o deserto
Ao
sair daquele espaço
Sentiu-se
muito confuso
Quis
fazer estardalhaço
Pois
viu que era um abuso
Mas
tava fragilizado
Abatido,
maltratado
E
entrou em parafuso
Em
silêncio foi andando
Pelas
ruas, sem destino
Um
filme ia passando
Pela
mente de Faustino
Não
sabia o que dizer
Nem
mesmo o que fazer
Sob
o sol vespertino
Condenou
a ignorância
Da
família e da ciência
Quando
veio à lembrança
Toda
a sua experiência
Da
via-crúcis maldita
De
tanta dor e desdita
Em
plena adolescência
Pensou
na comunidade
Pobre
e mal informada
Dela
teve piedade
Mas
ainda quis dar risada
Só
que o choro foi mais forte
E
Juazeiro do Norte
Anoiteceu
desamada
No
outro dia contou
Para
seus familiares
O
que o médico falou
E
esperou os olhares
Mas
só recebeu amor
E
seu pai o aconselhou
A
não dizer a seus pares
O
temor do genitor
Era
com o preconceito
Mas
de nada adiantou
Souberam
do mesmo jeito
Pois
a notícia correu
E
Faustino conheceu
O
seu amargo efeito
Foi
chamado de leproso
Por
gente que o conhecia
Foi
tido como asqueroso
Por
primo, amigo e tia
Conviveu
com a dupla dor
Da
doença e do horror
Que
o preconceito trazia
Viu
que a enfermidade
A
todos acometida
Mas
que a bem da verdade
A
dor só ele sentia
Porque
os “outros doentes”
Tinham
um vírus latente
Mas
ninguém admitia
Este
vírus tenebroso
Pior
do que bactéria
É
um bicho horroroso
Que
as vezes sai de férias
Mas
basta surgir o medo
O
ignoto e o segredo
Que
ele surge como fera
Como
dito no começo
Ele
é cheio de apelidos
Não
escolhe endereço
E
nem respeita ouvidos
É
preconceito, o coitado
Que
além de feio e malvado
Causa
bastante alarido
Pois
como se não bastasse
Ter
que enfrentar a doença
Sem
querer perder a classe
Em
meio a dor intensa
O
então jovem Faustino
Esse
bravo nordestino
Tinha
que ouvir ofensa
Mas
sempre chega o dia
Em
que a sorte nos sorri
E
foi com grande alegria
Que
Faustino a viu surgir
No
Centro de Referência
Onde
em meio a doença
Viu
um amigo emergir
E
foi justo numa data
Em
que seu médico faltou
Que
teve a surpresa grata
Quando
outro doutor chegou
E
ali, com muito esmero,
Mui
respeitoso e sincero
Seu
corpo examinou
Imenso
foi o impacto
Ao
ver o douto tocar
Sua
mão naquele ato
Sem
repulsa externar
Explicando
passo a passo
Sem
pressa ou embaraço
O
que ele iria tomar
Ficou
tão extasiado
Que
mal conseguiu falar
Levantou
encabulado
E
foi pra casa a pensar:
Será
que é recém formado
Ou
é melhor preparado
Pra
poder nos ajudar?
O
tratamento seguia
Com
seu antigo doutor
Certa
vez teve alergia
E
foi quando piorou
Sendo
hospitalizado
E
diagnosticado
Com
outro quadro de horror
O
doutor que o atendeu
Afirmou:
“tá tudo errado”
Outra
droga prescreveu
E
o deixou internado
Hanseníase
descartou
Pois
o que detectou
Foi
outro bicho danado
Agora
era a hepatite
Que
devia combater
E
o jovem foi ao limite
Pensando
que ia morrer
Sustaram
seu tratamento
E
foi naquele momento
Que
viu tudo escurecer
Como
foi se agravando
Seu
estado de saúde
Viram
o risco chegando
E
tomaram uma atitude
Voltaram
a investigar
Pois
já não podiam errar
Com
tamanha amplitude
A
poliquimioterapia
Teve
que ser retomada
E
depois de alguns dias
A
pessoa foi curada
O
ser humano Faustino
Que
ainda hoje é franzino
Teve
a vida renovada
Mesmo
assim ele seguia
Tomando
a medicação
Pois
não recebeu a guia
Contendo
a informação
E
aos vinte e cinco anos
Entre
sonho e desengano
Foi
que teve alta então
Mesmo
assim ainda fez
Outras
duas cirurgias
Cada
qual a sua vez
Pois
uma não bastaria
Pra
corrigir o nariz
Pois
só com uma bissetriz
Melhorar
funcionaria
Todo
esse tratamento
Foi
o SUS quem garantiu
Mas
em meio ao sofrimento
Muita
gente sucumbiu
Pois
nem todo mundo alcança
Ter
a mesma esperança
Que
Faustino construiu
Retomando
a nova vida
Voltou
logo a estudar
Pois
uma etapa vencida
Outra
tinha que galgar
E
o seu objetivo
Agora
era coletivo:
Pela
saúde lutar
Anos
depois foi chamado
Para
uma reunião
Onde
foi apresentado
A
um jovem cidadão
E
notou que o conhecia
Pois
foi ele quem um dia
Sem
medo tocou-lhe a mão
Dr.
Santana era o nome
Do
médico sanitarista
E
Raimundo era o prenome
Do
jovem socialista
Que
lançou um desafio
Causando
até arrepio
No
nosso protagonista
A
proposta era fundar
Em
Juazeiro o MORHAN
Para
influenciar
A
atuação cidadã
De
gente discriminada
Excluída
e maltratada
Que
tem da cura o afã
E
mesmo sem muito tato
E
temendo começar
Já
que era o anonimato
O
seu antigo lugar
Faustino
se organizou
E
finalmente fundou
O
MORHAN lá do Juá
Em
um, nove, nove, meia
O
sonho aconteceu
Faustino
e suas pareias
Na
luta se envolveu
Pelo
fim dessa doença
E
contra a maledicência
De
quem não a entendeu
Por
prevenção e direitos
E
mais solidariedade
Combatendo
preconceitos
E
promovendo igualdade
Por
políticas de estado
Ele
tem mobilizado
O
povo dessa cidade
Por
diagnóstico precoce
E
tratamento seguro
Pra
que todos tomem posse
Do
seu projeto futuro
E
por acompanhamento
Livre
de constrangimento
Com
muito zelo e apuro
Por
inclusão verdadeira
E
por apoio estatal
Com
reintegração certeira
E
recurso oficial
Para
que os atingidos
Jamais
sejam ofendidos
Na
vivência social
Por
campanhas permanentes
Com
muita publicidade
Mostrando
que muita gente
Supera
as dificuldades
Pois
é possível viver
Lutar,
sonhar e vencer
Onde
há solidariedade
Afinal
a hanseníase
É
uma doença curável
Seu
tratamento é simples
E
pode ser controlável
E
ninguém deve sofrer
Ou
mesmo deve morrer
Caso
esteja vulnerável
Ninguém
precisa passar
O
que Faustino passou
E
o Estado pode evitar
Tudo
que o aqui se narrou
Investindo
fortemente
De
maneira inteligente
Onde
mais houver clamor
Hoje
Faustino é um líder
No
estado do Ceará
Mas
muitos outros Faustinos
Pelo
Brasil ainda há
Sofrendo
o preconceito
Sem
conhecer seus direitos
Ou
sem saber se tratar
Passando
por sofrimento
Sem
ser diagnosticado
Tomando
medicamento
Até
contraindicado
Sendo
privado de tudo
E
ouvindo um carrancudo
Mandar
ficar afastado
Por
isso é que o MORHAN
Do
qual Faustino faz parte
Faz
formação cidadã
Se
utilizando da arte
Para
educar o povo
A
não levantar de novo
Muralhas
ou baluarte
O
tempo agora é outro
Mas
ainda há preconceito
O
ignorante anda solto
E
acha que é seu direito
Discriminar
atingidos
Vulnerados
e sofridos
Sem
se importar com os efeitos
Por
isso que é importante
Além
de cobrar do Estado
Destacar
a todo instante
O
que há de mais sagrado
Que
é a vitória humana
Contra
tudo o que engana
Ou
faz o ser humilhado
Faustino
é um ativista
Que
fez da dor um motivo
Para
não entrar na lista
Como
mais um morto-vivo
Com
a cura conquistada
Seguiu
a sua jornada
Espalhando
incentivo
Com
sua história de luta
Cheia
de garra e de fé
Faustino
segue a labuta
Firme,
forte e de pé
Servindo
de inspiração
Para
quem está no chão
Mas
vai vencer a maré
Dentro
e fora do Brasil
Sua
história é contada
Para
mim o desafiou
Foi
trazer ela rimada
Falando
não só de dor
Mas
também de muito amor
Por
quem cruzou minha estrada
Faustino
foi meu colega
De
classe e de batalhas
Tamos
juntos nas refregas
Contra
todas as muralhas
Lutamos
pelo direito
De
que essa vida valha
Faustino
é um vencedor
Que
superou a si mesmo
É
um ser encantador
Que
não leva a vida a esmo
Sei
que ele pode ajudar
A
muita gente avançar
Em
qualquer lugar ou sesmo
Faustino
eu te ofereço
Este
singelo cordel
Porque
também reconheço
O
teu valor e papel
Nas
terras do Cariri
Por
isso em favor de ti
Mil
vezes tiro o chapéu!
Salete
Maria
18/04/2015
2 comentários:
também tiro o meu
Emocionante sua história........ parabéns pela sua força!
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